Para o relator, ministro Alexandre de Moraes, prisão especial é “privilégio que materializa desigualdade social” e fere igualdade entre todos na lei: “a prisão especial fortalece desigualdades, especialmente em uma nação em que apenas 11,30% da população geral tem ensino superior e em que somente 5,65% dos pretos ou pardos conseguiram graduar-se em uma universidade”
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, quinta-feira (30), para declarar inconstitucional o artigo 295 do Código de Processo Penal que estabelece o direito à prisão especial para pessoas com diploma de ensino superior. Em sessão virtual, todos os cinco votos apresentados até o momento seguiram o parecer do relator, ministro Alexandre de Moraes, que aponta a medida como “discriminatória”.
Em seu voto, o magistrado afirmou não haver justificativa razoável para a distinção de tratamento com base no grau de instrução. De acordo com Moraes, isso “ainda fortalece desigualdades, especialmente em uma nação em que apenas 11,30% da população geral tem ensino superior e em que somente 5,65% dos pretos ou pardos conseguiram graduar-se em uma universidade”. “A legislação beneficia justamente aqueles que já são mais favorecidos socialmente, os quais já obtiveram um privilégio inequívoco de acesso a uma universidade”, destacou o relator.
A decisão da última quinta foi provocada pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 334, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), na época sob comando do procurador-geral Rodrigo Janot, contrário ao artigo da lei da previa esse tratamento a “diplomados por qualquer das faculdades superiores da República”. Na ação, a PGR argumenta que a regra, instituída em 1937, no Estado Novo, sob a ditadura de Getúlio Vargas, “perpetua a seletividade do sistema de justiça criminal”. Além de “reafirmar a desigualdade, a falta de solidariedade e a discriminação”.
‘Privilégio inconstitucional’
Por conta disso, o então procurador-geral da República pediu ao STF que reconhecesse que o dispositivo não foi recepcionado pela Constituição de 1988. Ao retomar o julgamento da ADPF, que estava paralisado desde novembro de 2022, Moraes ponderou que a Constituição, o Código de Processo Penal e a Lei de Execuções Penais (LEP) legitimam o tratamento diferenciado na forma de recolhimento de determinados presos em razão de circunstâncias específicas.
É o caso, segundo o ministro, da diferenciação em razão da natureza do delito, da idade e do sexo da pessoa condenada e a segregação de presos provisórios de presos definitivos de acordo com a natureza da infração penal imputada.
O Supremo justifica que esse tipo de medida visa evitar, por exemplos, violências decorrentes da convivência de homens e mulheres na mesma prisão, a influência de presos definitivos contra pessoas ainda presumidamente inocentes e a proteção de crianças e adolescentes que tenham cometidos atos infracionais. O relator observa, contudo, que esse raciocínio não se aplica à prisão especial para quem tem diploma universitário. A regra processual acaba, na prática, promovendo um tratamento diferenciado, mais benéfico ao preso especial, acrescentou Moraes.
Julgamento na sexta
“Apenas o fato de a cela em separado não estar superlotada já é circunstância que, por si só, acarreta melhores condições de recolhimento aos beneficiários desse direito, quando comparadas aos espaços atribuídos à população carcerária no geral – que, como se sabe, consiste em um problema gravíssimo em nosso país, podendo extrapolar em ate quatro vezes o número de vagas disponíveis”, ressaltou o ministro.
O voto do relator foi seguido pela presidenta do STF, Rosa Weber, e pelos ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. Em sua justificativa, Toffoli alegou que a concessão da prisão especial a portadores de diploma de curso superior tem “propósitos outros”. Entre eles, o de “proteger especialmente os que porventura sejam considerados, por critérios subjetivos, como dotados de distinta honorabilidade”.
Os ministros decidiram, por unanimidade, derrubar o benefício da prisão especial a pessoas que tenham curso superior e que estejam presas provisoriamente. A Corte considerou esse benefício incompatível com a Constituição.
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