Livro do escritor Marçal Aquino é censurado após campanha do deputado Gustavo Gayer (PL)
Marçal Aquino disse não se surpreender com a ofensiva do parlamentar bolsonarista contra a sua obra, que já foi traduzida em oito países e inspirou dois filmes, mas lamenta o fato de a universidade ter se curvado à campanha obscurantista de Gustavo Gayer
Chico Alves, em sua coluna
O escritor Marçal Aquino não se impressionou com a campanha que o deputado bolsonarista Gustavo Gayer (PL-GO) fez contra seu livro “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios”, classificando-o de pornográfico e pedindo que fosse excluído do vestibular da Universidade de Rio Verde (UniRV), de Goiás. “Isso não deveria nem chocar a gente, é um deputado de perfil conservador”, disse ele. O que Aquino realmente lamenta é o fato de a universidade ter-se curvado à campanha obscurantista de Gayer.
“O que me choca é a comissão do vestibular e a universidade aceitarem essa tutela tão inapropriada e retirar o livro da lista do vestibular”, desabafa o autor.
O parlamentar bolsonarista gravou vídeo com críticas à Universidade de Rio Verde por incluir o livro de Marçal Aquino nos temas de sua prova. Na quarta-feira (26) a universidade divulgou nota com explicação lacônica para a censura. Segundo o texto, “a Coordenação do Vestibular, ao tomar ciência do conteúdo do livro e da polêmica gerada, decidiu pela exclusão imediata da referida obra da lista literária indicada para o vestibular”.
“Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios” inspirou dois filmes, uma peça de teatro, foi traduzido em oito países e continua com alta venda mesmo vinte anos depois de lançado. “Até hoje não tivemos nenhuma ocorrência de alguém questionando o caráter do livro, eu posso apostar que o deputado não leu”, diz Aquino. “Então, eu acho que o mais lamentável é a posição da universidade”.
O autor diz compreender que existem pressões de ordem econômica, política e social sobre os organizadores da prova. Mas não compreende a decisão. “Demita-se a comissão que seleciona os livros, já que a opinião de um deputado faz com que seus integrantes questionem escolhas que deveriam ser embasadas no conhecimento técnico deles”, reclama.
Na própria nota em que justifica a exclusão do livro, a universidade admite que é um título reconhecido. “Trata-se de uma obra da literatura brasileira contemporânea, trabalhada nos principais cursinhos pré-vestibulares e presente na lista obrigatória de diversos concursos do país, motivo pelo qual a banca o teria indicado para o vestibular da UniRV”, diz o texto.
Marçal Aquino iguala o reacionarismo do deputado e da universidade. “Faz-me pensar o seguinte: que universidade é essa? Eu não quero viver no mundo que esse deputado pensa ser o ideal, não me interessa. Mas também eu não iria para uma universidade que assume uma posição dessa”, lamenta.
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