Mar em fúria e calor insuportável. Ainda que a IA não traga respostas certeiras do amanhã, ela baseia-se em dados científicos. Projeção foi apresentada a biólogo doutor em evolução e sistemática, que considerou os apontamentos do ChatGPT e projeções pertinentes
Giacomo Vicenzo, Ecoa
Imaginar o futuro, tentar prevê-lo, é uma característica dos humanos que guarda registros nas primeiras civilizações. Os oráculos eram uma parte fundamental das sociedades grega, na Europa, ou iorubá, na África, por exemplo.
Com a evolução das IAs (Inteligências Artificiais), como o ChatGPT, é possível “consultar” o futuro com poucos cliques. Ainda que estes “robôs” não tragam respostas certeiras do amanhã, eles baseiam-se em dados científicos – sobretudo quando pensamos em projeções climáticas. Podemos dizer que uma previsão do ChatGPT tem mais chance de dar certo, do que uma visão do Oráculo de Delfos, o mais famoso da Grécia Antiga.
Hoje, existe um esforço global para que o aumento da temperatura terrestre fique abaixo dos 2ºC até 2030. Para tal, a ONU já declarou que serão necessárias grandes ações.
Mas como será nosso mundo em 100 anos caso as atuais tendências de uso de combustíveis fósseis e emissões de gases de efeito estufa sejam mantidas?
Para responder a essa pergunta usamos uma projeção realizada pelo ChatGPT, com dois personagens: Johnny e João, um que vive em um local mais afetado pelas mudanças climáticas, e tem menos recursos financeiros, e outro que vive em um local menos afetado, com boa renda e acesso a tratamento de saúde.
A simulação levou em conta dados científicos sobre mudanças climáticas, impactos na natureza e saúde humana, bem como suposições sobre o desenvolvimento tecnológico e social.
Bem-vindo a um mundo com enchentes, deserto, calor extremo e furacões
De acordo com a projeção do ChatGPT, a Terra estará mais quente e instável em 100 anos. Nesta próxima centena de anos, as temperaturas médias podem subir até 4°C, causando eventos climáticos extremos, como secas, enchentes, tempestades e furacões mais intensos e frequentes.
A projeção de um mundo totalmente inabitável é incerta e depende de múltiplos fatores, de acordo com a própria inteligência artificial. No entanto, o ChatGPT projeta que se o uso de combustíveis fósseis continuar no ritmo atual, é possível que em menos de 100 anos a Terra se torne um local com condições de vida muito insalubres para a maioria dos seres humanos.
As pessoas poderiam enfrentar temperaturas insuportáveis, com termômetros marcando mais de 50°C em algumas regiões, tornando impossível permanecer ao ar livre por muito tempo. O ar seria tóxico, com altos níveis de poluição atmosférica e de partículas finas, o que pode levar a uma série de doenças respiratórias e cardiovasculares. A água potável seria escassa, e a maioria dos rios, lagos e reservatórios estaria secando ou contaminada por produtos químicos e tóxicos.
As cidades seriam quentes e sufocantes, com poucas áreas verdes e sem árvores, tornando a vida urbana ainda mais estressante. As comunidades mais vulneráveis, como as populações indígenas, as pessoas que vivem em regiões costeiras ou em áreas com altos índices de pobreza e desigualdade, seriam as mais afetadas. Muitas pessoas seriam forçadas a se deslocar em busca de água, comida e abrigo, o que poderia levar a conflitos e violência.
Alguns dos países e locais mais afetados pelas mudanças climáticas incluem: as regiões árticas, Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS), a África Subsaariana, o Sul e Sudeste Asiático.
Em contraste, países e locais menos afetados pelas mudanças climáticas incluem aqueles localizados em latitudes mais altas, como os países escandinavos, Rússia e Canadá. Esses países podem se beneficiar de um clima mais quente e de um aumento da produtividade agrícola.
Dois mundos: realidades distintas para ricos e pobres
A projeção considerou como seria o cotidiano de duas pessoas fictícias, um rico chamado Johnny e um pobre chamado João, que vivem em lugares diferentes do mundo e têm trabalhos distintos.
Enquanto Johnny desfruta de um estilo de vida ainda confortável em uma cidade desenvolvida, João luta para sobreviver em uma região empobrecida e suscetível a eventos climáticos extremos. Johnny é um advogado que vive em Vancouver, Canadá, tem acesso a uma dieta balanceada, exercícios regulares e serviços de saúde de qualidade. Ele trabalha em um escritório de advocacia renomado e possui uma casa luxuosa.
Enquanto isso, João, um estivador que mora em Recife (PE), enfrenta dificuldades para garantir a própria alimentação. Ele está exposto a doenças causadas pela poluição do ar e da água, além de ter que lidar com o risco de deslizamentos de terra e inundações. Trabalhando sob o sol escaldante, com temperaturas que podem exceder os 40°C, sem acesso à água potável ou a instalações sanitárias adequadas.
Vamos acompanhar João durante alguns dos evento extremos que enfrenta:
Onda de calor intensa: sol abrasador brilha impiedosamente sobre a região costeira. João inicia seu dia de trabalho no porto, já sentindo o ar quente e úmido que envolve o ambiente. Cada respiração é como inspirar vapor quente.
Tempestade tropical: o céu escurece repentinamente, anunciando uma tempestade iminente. O vento sopra com força sacudindo as árvores e fazendo com que as ondas do mar se agitem furiosamente. Gotas de chuva começam a cair, primeiro espaçadas e, em seguida, em uma torrente intensa. João se abriga debaixo de um telhado improvisado, mas o barulho ensurdecedor da tempestade e os raios reluzentes no céu instigam um sentimento de vulnerabilidade.
Enchente repentina: após horas de chuva incessante, o nível da água começa a subir rapidamente nas ruas e becos da cidade. João, junto com outros moradores, luta para se proteger da água que avança impiedosamente. Ele tenta se equilibrar em meio ao turbilhão de correntezas que invadem as ruas, segurando-se em postes e fachadas de prédios para evitar ser levado pela enchente.
Ondas de maré alta: durante a maré alta, as ondas ferozes atingem a costa com violência. As ondas quebram com uma fúria impressionante, criando espumas brancas e lançando respingos salgados no ar. Ele precisa redobrar sua atenção enquanto trabalha próximo ao mar, protegendo-se dos respingos e das rajadas de vento que acompanham as ondas.
Ao contrário do personagem pobre, que enfrenta diversos desafios relacionados à sua saúde e bem-estar diariamente, o dia de Johnny, o personagem rico, é marcado por uma rotina tranquila. Ele vive em uma cidade menos afetada pelo aquecimento global, as temperaturas também seriam elevadas, mas possivelmente mais moderadas.
Dependendo da localidade em que ele estivesse, as temperaturas poderiam chegar a 30°C a 35°C durante o dia, o que ainda seria considerado quente, mas menos extremo do que na região do Nordeste brasileiro.
Em relação ao custo da água e de outros alimentos básicos, Johnny também sentiria o impacto, mas provavelmente em menor escala do que João. A escassez de recursos e a pressão sobre a produção agrícola e a disponibilidade de água poderiam levar a aumentos nos preços dos alimentos em geral.
Apesar de sua cidade, Vancouver, não estar completamente imune às mudanças climáticas, a região possui um clima relativamente ameno e não sofre com eventos climáticos extremos, como furacões, tornados ou secas prolongadas.
Atualmente, Vancouver é uma cidade que tem se destacado por seus esforços na adoção de políticas de sustentabilidade e redução de emissões de carbono. Ela tinha investido em um plano ambicioso para se tornar a cidade mais verde do mundo ainda em 2020 (o que pode explicar a previsão da IA como um lugar ameno para se viver em 100 anos). A cidade investiu em transporte público, ciclovias, parques e áreas verdes, além de incentivar práticas sustentáveis em empresas e residências.
O que dizem os especialistas?
O portal Ecoa apresentou parte dessa projeção a Sandro Faria, biólogo doutor em evolução e sistemática e Membro do CPMAMA (Centro de Pesquisa e Monitoramento Ambiental da Mata Atlântica), que considerou os apontamentos e projeções pertinentes e afirma que os impactos em algumas partes do globo seriam bem próximos ou iguais aos que foram apontados pelo ChatGPT.
“A questão é que esse mecanismo não consegue prever tantas características sociais, pois, locais mais pobres serão afetados muito antes, e os desdobramentos dessas fragilidades ainda não são totalmente mensuráveis pela ciência ou por inteligências artificiais”, afirma Faria.
O biólogo alerta que o fracasso na redução do uso dos combustíveis fósseis e em outras estratégias que barrem as mudanças climáticas irão desencadear uma série de eventos climáticos de proporções ainda desconhecidas.
“Algumas catástrofes mais drásticas, agressivas e pontuais podem acontecer em diversas regiões do globo e não de uma maneira gradual como previsto na IA. No geral, o mecanismo se mostrou bastante coerente”, avalia.
Por fim, a IA nos deixa um recado, tal qual um oráculo que prevê e alerta ao futuro: “Ainda há tempo para agir, mas é necessário que governos, empresas e sociedade civil trabalhem juntos em busca de soluções sustentáveis e justas para enfrentar esse desafio global”.
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