Relembre a entrevista exclusiva que David Miranda concedeu ao Pragmatismo
David Miranda foi um ser humano combativo, cheio de energia, de coração enorme e que lutou por um mundo mais justo e solidário. Mas não só isso. Nessa entrevista concedida ao Pragmatismo, ao discorrer com maestria sobre os mais variados temas, o ex-deputado deixou claro porque sua ascensão na política não foi por acaso
Era outubro de 2016. Embora já fosse um reconhecido ativista, David Miranda ainda não exercia nenhum cargo eletivo na política partidária. Entrevistamos Miranda na véspera da eleição municipal daquele ano — período em que a esquerda sofria com baixa popularidade após o golpe contra Dilma Rousseff e o protagonismo da Lava Jato.
David Miranda tinha apenas 29 anos quando foi entrevistado pelo Pragmatismo, mas discorreu com brilhantismo sobre os mais variados temas. No dia seguinte à entrevista, quando as urnas se abriram, veio a consagração: Miranda foi eleito o 1º vereador assumidamente gay da cidade do Rio de Janeiro.
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Como forma de homenagear Miranda e seus familiares, republicamos a entrevista exclusiva que ele concedeu ao Pragmatismo. Relembre a íntegra abaixo:
Pragmatismo – De onde surgiu a motivação para candidatar-se a vereador pelo Rio de Janeiro? Por que agora?
David Miranda: Nos últimos anos, a política brasileira passou a chamar mais a atenção dos brasileiros. Tanto por seus aspectos negativos mais evidenciados com a crise econômica e política que abalou o país, quanto através de um maior ativismo/protagonismo de milhares de jovens nos embates da política nacional — junho de 2013 foi um ponto máximo disso.
Eu, assim como esses milhares de jovens ativistas, decidi partir da indignação para a ação, e disputar o sentido da política contra os métodos tradicionais que dominam o regime brasileiro. Há um vácuo de representatividade muito grande. Ao mesmo tempo, para uma parcela da população cresce a vontade de mudar isso através da participação.
Foi em 2013 que conheci o Juntos, um coletivo de juventude que atua na maior parte dos estados do Brasil e que foi linha de frente das jornadas de junho. Foi nesse mesmo ano que fizemos, junto a Edward Snowden, as revelações da espionagem em massa dos EUA, e em seguida fizemos uma grande campanha pelo seu asilo aqui.
De lá pra cá, meu ativismo junto aos movimentos sociais se intensificou e o resultado disso foram inúmeras campanhas, mobilizações por mais direitos e o maravilhoso projeto da Casa da Juventude que fincou raízes na Zona Portuária do Rio de Janeiro e conecta inúmeros ativistas, artistas e mobilizadores de campanhas de várias frentes distintas. Um verdadeiro centro de resistência e produção política e cultural. Enfim, neste ano, o Juntos decidiu lançar candidaturas por dezenas de cidades Brasil afora. E aqui no Rio o meu nome foi escolhido para vocalizar essa construção. É a oportunidade que temos de fortalecer o ativismo que ganhou as ruas da cidade e ao mesmo tempo fazer as disputas e travar os enfrentamentos necessários para fazer da cidade do Rio uma cidade mais humana e participativa.
A gente costuma dizer que o Rio de Janeiro entrou na rota mundial das cidades rebeldes. E agora chegou a hora de entrarmos na rota das cidades democráticas, com novas experiências políticas, novos atores e novas ideias.
Pragmatismo – Como começa a sua relação com o PSOL?
David Miranda: Em 2012 eu acompanhei como um cidadão a Primavera Carioca, protagonizada por muitos jovens em torno da campanha do Freixo para a prefeitura. Aquilo foi impressionante. Balançou as estruturas do cenário político tradicional. No ano seguinte, como disse, minha vida mudou radicalmente.
O trabalho que fiz com Snowden e Glenn me colocou em um patamar de responsabilidade política muito acima do que o de um cidadão comum. Eu tinha em mãos as provas de que o governo americano espionava a presidenta da república, seus ministros, o banco central e a principal empresa do país, a Petrobras. E decidimos mostrar ao Brasil e ao mundo todo que estava acontecendo. E os primeiros a me darem voz aqui foram Luciana Genro e Marcelo Freixo.
Em seguida, o PSOL todo estava encampando as nossas pautas de liberdade na internet e privacidade aos nossos dados. Em 2014, estive ativamente apoiando a campanha da Luciana, foi quando percebi que precisava, definitivamente, tomar lado e defender minhas bandeiras junto àqueles que pensam como eu. E não poderia ser outro partido, senão o PSOL.
Pragmatismo – Como está encarando a nova legislação eleitoral? A proibição do financiamento empresarial de campanhas, na prática, tem refletido numa competitividade menos desigual? Diminuiu o abismo entre as candidaturas mais robustas financeiramente e as menos abastadas?
David Miranda: A proibição do financiamento empresarial sempre foi uma bandeira da bancada federal do PSOL. Este tipo de financiamento perpetuava a desigualdade de competição entre as várias candidaturas e formalizava a lógica do “quem paga a banda, escolhe a música”. Ou seja, o predomínio da grana sobre os interesses políticos é uma das principais portas de entrada da corrupção. Apesar do empenho do PSOL em aprovar esta medida, a proibição do financiamento empresarial de campanha não é fruto direto da nova legislação eleitoral e sim de uma decisão do Supremo Tribunal Federal. Por encomenda de Eduardo Cunha, a nova Reforma Eleitoral – conhecida como Lei da Mordaça – preocupou-se principalmente em restringir ao máximo o espaço institucional de partidos como o PSOL.
Portanto, se por um lado pode haver menos desigualdade com a inibição do financiamento empresarial, por outro aumentou-se muito a desigualdade do tempo de TV. E até mesmo a lei previa dificultar a participação do PSOL nos debates televisivos. Nos debates não há diferença de tempo de TV, de cobertura ou de recursos financeiros. É o único espaço onde podem ser expostas ideias em pé de igualdade entre todos os candidatos. Felizmente, o STF modificou esta parte da reforma também. Mas a desigualdade de condições de exposição de ideias e proposta ainda é gigantesca.
A lei foi construída para impedir o surgimento de um novo ator político. O PSOL tem ocupado um importante espaço político. Nas últimas eleições a contragosto das grandes emissoras e das elites, os candidatos do PSOL trataram de temas proibidos e bandeiras que outros partidos não tiveram coragem de erguer. Desse modo, a minirreforma política aprovada na Câmara tem seu direcionamento voltado especialmente para impedir que o PSOL e outros partidos ideológicos cresçam e se consolidem.
Ainda assim, a proibição do financiamento empresarial de campanha dificultou a vida daqueles que estavam acostumados a fazer política baseado única e exclusivamente no dinheiro. Mas não é medida suficiente. Precisamos de uma reforma política que vá na raiz do problema, que modifique toda a lógica de disputa de poder colocada hoje. Que o eleitor possa de fato escolher entre aqueles que oferecem as melhores propostas de cidade e não entre aqueles que tem mais espaço para reproduzir suas peças publicitárias.
Pragmatismo – Você é tido como uma figura bastante querida pelos que o acompanham. Nomes como Tico Santa Cruz, Clarice Falcão e Joanna Maranhão já declararam apoio à sua candidatura. Caberá no seu possível mandato o debate em torno da Cultura e do Esporte?
David Miranda: A nossa candidatura recebeu esses apoios e muitos outros, como Wagner Moura, Camila Márdila e Gregório Duvivier. O apoio dessas grandes personalidades é também pela identificação de que a política carioca e brasileira necessita de renovação. Mas sem dúvida o engajamento de artistas e esportistas de renome nos traz a responsabilidade de formular políticas públicas para essas áreas.
O programa da nossa candidatura foi construído de maneira coletiva e colaborativa, em reuniões temáticas e em diversos territórios da cidade. Inspirado na metodologia construída pela campanha de Marcelo Freixo. E tanto a cultura como o esporte estiveram presentes nesses encontros. A maior demanda hoje na cidade é pelo incentivo desburocratizado para que iniciativas populares de cultura e esporte possam se desenvolver autonomamente.
Existe um registro interessante, que traz dados da região metropolitana, afirmando que as rodas culturais e batalhas de MCs se multiplicaram de três anos para cá. Este é um exemplo de que a juventude carioca está querendo ressignificar o sentido dos espaços públicos, que tem que voltar a ser ocupado pela população. O problema é que hoje, iniciativas como esta, que pipocam pela cidade, não tem garantia nenhuma de continuidade, seja por falta de incentivo e estrutura ou então por causa da repressão da guarda municipal a mando da prefeitura.
Enfim, o incentivo à cultura não pode ser apenas para os grandes eventos, que tem sua importância para uma cidade do porte do Rio, mas também para o desenvolvimento dessas pequenas expressões que guardam um potencial criativo e libertador, e que inclusive podem movimentar uma economia local.
Em relação ao esporte podemos traçar o mesmo paralelo. Nós recebemos dois megaeventos esportivos, que tiveram dez anos para serem planejados e realizados. O problema é que eles foram planejados para serem apenas espetáculos para um público restrito assistir. Não houve política pública alguma para incentivar a prática esportiva entre os jovens na cidade.
Nós acompanhamos e torcemos para os nossos atletas nas Olimpíadas e ficamos muito felizes quando vimos que uma garota como a Rafaela Silva, com uma história de vida e origem parecida com a minha, chegou ao ápice de um atleta olímpico. Agora imagina quantos jovens atletas não estão escondidos sem nenhuma chance nos bairros e favelas cariocas. Certamente muitos. Mas extrapolando um pouco a questão do esporte de alto rendimento, devemos encarar a prática esportiva também como algo que liberta e educa o jovem. Aproveito para abrir um parêntese sobre o desmonte que o governo golpista quer fazer na educação, ameaçando inclusive o ensino de educação física.
Enfim, certamente esses temas são fundamentais para qualquer vereador legislar. E devemos lembrar que o Plano Municipal de Educação tem a incumbência de apresentar diretrizes educacionais que sejam mais amplas e plurais, abordando estes aspectos.
Pragmatismo – O que é preciso para um município atender as demandas LGBT?
David Miranda: As cidades não costumam ser inclusivas para quem sai do padrão socialmente aceito. Faltam direitos, sobra opressão. E existe uma parcela da população que precisa lidar com isso diariamente. Em sua maioria, as reivindicações principais do público LGBT são de competência do âmbito federal, entretanto, é a administração municipal quem vai efetivar os direitos dessa comunidade nos seus serviços de educação, saúde e assistência social.
Existem diversas demandas LGBT’s. De todo modo, é importante citar que o nome social, a criminalização da homofobia, o debate de gênero na escola, o direito à família, a humanização na área da saúde e a colocação profissional são temas essenciais para serem pensados a nível municipal. O debate sobre o uso do nome social no Brasil não é novo. Inclusive há leis, assegurando esse direito, em esferas municipais. Entretanto, os boletins de ocorrência não têm um campo relativo à orientação sexual, identidade de gênero ou possível motivação homofóbica.
Apesar da responsabilidade direta da segurança pública ser do governo estadual, o município pode enfrentar esse problema com formação adequada e treinamento para todos os seus funcionários, especialmente a guarda municipal e os profissionais da saúde, com iluminação pública e casas de acolhimento para vítimas.
A falta de informação impacta diretamente na formulação de políticas públicas. Por isso, programas como o Rio Sem Homofobia são fundamentais para informar de direitos, formar a população no respeito à diversidade e assegurar uma cidade mais acolhedora às LGBTs. Contudo, a administração atual buscou estrangular este programa com limitação de recursos, indicação de fundamentalistas para sua coordenação e cortes de funcionários. Na contramão disso que buscarei legislar.
Infelizmente, temos um Poder Legislativo muito conservador, que tenta atacar sistematicamente os poucos direitos do público LGBT. O resultado das eleições é muito importante para que haja uma recomposição mais favorável à diversidade nas câmaras legislativas.
Pragmatismo – Por que ainda é raro encontrar na política partidária profissional homossexuais exercendo cargo eletivo? No Congresso Nacional, por exemplo, apenas Jean Wyllys (PSOL) é assumidamente gay.
David Miranda: Infelizmente a política brasileira ainda não é um espaço aberto para as LGBT’s, ou mesmo para mulheres, negras e negros. Esse é um problema estrutural, fundamentado no preconceito histórico que existe em nosso país. Portanto, as instâncias de decisão política revelam este tipo de discriminação tão presente em nossa sociedade. Mas, são capazes de ser ainda mais conservadoras e opressivas. Porque para se chegar nelas é preciso ter muito dinheiro e prestígio, em geral, privilégios resguardados a homens brancos, velhos, representantes das oligarquias econômicas.
É dessa forma que o preconceito transforma-se em dominação, institucionaliza-se através de leis (ou da falta de leis) ou através de aparelhos de controle social (Estado, escolas, mídia, igreja, universidade). Os dominadores possuem órgãos e instituições que proferem seus discursos preconceituosos, que os legitimam e dão força de lei. Assim, é muito importante a existência de parlamentares como Jean Wyllys que quebrem esse paradigma e sejam exemplo para outros também se engajarem. Um mandato LGBT no município do Rio de Janeiro é essencial para garantia de direitos básicos dessa população.
Pragmatismo – Pode nos falar um pouco da origem da parceria entre você e Edward Snowden e da importância de suas respectivas ações?
David Miranda: Essa é uma ótima história, sem dúvida. Senão, não teria rendido dois grandes filmes. Ed me enviou um e-mail. No primeiro momento, desacreditamos de suas denúncias sobre as conspirações dos EUA. Não demos muita atenção naquela época e pensamos que ele talvez fosse mais um daqueles loucos que estavam falando sobre espionagem. Três meses depois, já em 2013, em fevereiro ou março, ele entrou em contato com a Laura Poitras, jornalista que produziu o documentário Citizenfour. Como ela já trabalhava com o tema e com esta tecnologia, ela decidiu saber mais. Então, ele disse: “olha, eu vou passar esses documentos, mas eu preciso que você contate o Glenn, porque eu quero que ele faça parte desse processo de divulgação”. Então Laura nos procurou e nos mostrou o arquivo. Quando vimos começamos a acreditar que poderia ser algo real.
Estávamos com o maior vazamento da História em nossas mãos. Uma enorme responsabilidade. Tivemos medo de ser perseguidos e mortos. Mas eu não expressei essa minha preocupação ao Glenn, porque ele estava muito animado com o processo todo. Dava pra ver que aquilo ali era a paixão dele. Então, eu falei “vamos fazer isso juntos, vamos até o fim e se alguma coisa der errado a gente está junto até o fim”. E foi o que a gente fez.
Bom, a partir daí tivemos alguns encontros com Edward até o momento em que ele conseguiu o asilo na Rússia. Nossa relação sempre foi de muita parceria e confiança, apesar de nunca termos nos visto antes. Algo incrível essa conexão que estabelecemos. Eu fui a pessoa responsável por buscar seus arquivos criptografados. E foi em uma dessas missões que, na volta da Europa para o Brasil, fui detido de maneira ilegal pelo governo britânico no aeroporto de Heathrow e interrogado por 9 horas ininterruptas. Briguei bastante contra eles na justiça e, finalmente, neste ano, venci um processo que fará o Estado britânico modificar a sua lei antiterror para enquadrar-se nas leis de direitos humanos da União Europeia.
Enfim, essa parceria rendeu a maior revelação dos últimos tempos sobre como o império estadunidense domina seus aliados e adversários, através da espionagem em massa e direcionada às áreas estratégicas. Talvez tenhamos nos tornado um dos principais inimigos dos EUA e seus aliados. Mas não me arrependo de nada. Cumprimos com a nossa tarefa de apresentar ao mundo esses abusos e desencadeamos uma onda de debates e soluções para a segurança na internet.
Pragmatismo – A má distribuição das verbas oficiais colabora com a manutenção do monopólio da comunicação; embora relevante, essa não parece ser ainda uma questão de apelo eleitoral. Excetuando-se Marcelo Freixo e Jandira Feghali, não há outro candidato a prefeito no Rio de Janeiro que tenha tratado do assunto. As perspectivas de avanço em torno da democratização da imprensa diminuem muito caso a cidade eleja uma Câmara Municipal majoritariamente conservadora e um prefeito alheio à pauta?
David Miranda: As grandes emissoras, em sua maioria, sempre foram um editorial a serviço dos interesses da elite dominante e dos governos deste país. A grande mídia faz de tudo para favorecer a hegemonia dos donos do poder, reproduzindo estereótipos e preconceitos. Precisamos seguir lutando pela democratização e regulamentação da mídia e enfrentar os grandes oligopólios da mídia brasileira. A democratização da mídia é um direito a ser garantido. O acesso à internet, por exemplo deve ser um direito.
É importante dizer 83% dos jovens usam a televisão aberta como meio de informação, 56% a Internet, 23% os jornais impressos, 21% as rádios comerciais e 17% a TV paga. Computador e Internet são usados por 75% dos jovens e 89% têm celular. Enquanto a TV aberta é o principal canal de informação dos jovens de baixa renda (91%), a Internet é o meio de informação mais acessado entre os mais ricos (73%).
É fundamental que o acesso à internet seja uma garantia para todas as pessoas. A defesa da liberdade da Internet, da privacidade às informações do cidadão e da máxima transparência dos governos e grandes corporações devem ser nossas bandeiras permanentes. Na era da informação digital e do mundo conectado em rede, essas postulações nunca foram tão importantes. Esse aspecto da radicalização das democracia em todas as esferas é o que conecta a luta da juventude indignada no mundo e no Brasil com ativistas como Edward Snowden, Chelsea Manning e Julian Assange.
Vale ressaltar, no entanto, que do ponto de vista municipal muito pode ser feito. A distribuição das verbas oficiais não deve colaborar com a manutenção do monopólio da comunicação. Pelo contrário, ela deve ser feita justamente com vistas a garantir e incentivar a formação da comunicação comunitária, com os coletivos de comunicação alternativa, as rádios dos bairros, os jornais, além dos websites, páginas de facebook etc.
O poder público tem papel crucial de envolver e impulsionar a comunicação no bojo das comunidades e bairros. Por isso, é fundamental que sejam eleitos parlamentares engajados com a pauta, que tenham relação direta com os ativistas que têm formulado e pensado sobre isso.
Pragmatismo – O processo continuado de criminalização da política encampado pelos grandes veículos de comunicação é um empecilho ao financiamento de campanhas por pessoas físicas? As doações à sua candidatura estiveram/estão aquém ou além do esperado?
David Miranda: Falar hoje em participação política muitas vezes parece condenável, uma vez que tudo que se vê é corrupção e uso da máquina pública em benefício próprio. Entretanto, é de total interesse dos grandes veículos de comunicação que essa seja a mensagem reproduzida para as pessoas. Que o lugar delas é longe da política, que política é coisa de ladrão. Isso porque, assim as coisas continuam como estão.
Nesse quesito, o PSOL de Marcelo Freixo, Chico Alencar, e outros, tem sido fundamental. Nossos parlamentares são exemplos concretos de que é possível fazer política de mãos limpas e em benefícios dos de baixo. Mas é claro que esse processo continuado de criminalização da política é um empecilho ao financiamento de campanhas por pessoas físicas.
Pela primeira vez numa eleição, estão proibidas as doações de empresas para candidatos. Isso, com certeza altera um pouco a dinâmica financeira das campanhas. Mas para nós do PSOL a contribuição de cada um é fundamental para superar as barreiras antidemocráticas do sistema político. Acredito na união de pessoas para uma nova forma de fazer política. Sendo assim o financiamento das campanhas por parte das pessoas físicas diz respeito diretamente a participação em uma construção coletiva de um projeto de cidade pautado no diálogo e interação direta. Nesse sentido, somos bastante inovadores e adeptos do financiamento colaborativo utilizando as novas tecnologias a favor da transparência e do diálogo.
Apesar das limitações, a campanha de Marcelo Freixo bateu recorde de doadores. Mesmo com a proibição das doações empresariais de campanha a disputa é bastante desigual, com menos tempo de TV e não garantia de participação nos debates. Portanto temos de equilibrar a disputa política com a força da nossa mobilização. Estou muito satisfeito com o que conseguimos fazer, com as pessoas que envolvemos na campanha e com todas aquelas e aqueles que confiaram em nós suas doações
Pragmatismo – Como explicar a ascensão da extrema-direita no Brasil nos últimos anos, com tanta gente perdendo a vergonha de sair do armário? Esse avanço preocupa? Assim como elegemos o Congresso Nacional mais conservador desde a redemocratização, não é alarmante que isso se repita em todas as esferas legislativas, incluindo a municipal?
David Miranda: Este também não é um tema simples de ser analisado e explicado. É verdade que estamos acompanhando um avanço da agenda conservadora da elite mais atrasada do país. O golpe parlamentar desferido por Michel Temer e seus comparsas são mais uma expressão desse processo. Mas isso por si só não explica a sua questão.
Primeiramente, a extrema direita sempre se expressou na política brasileira, mas de maneira tímida, pois o processo da redemocratização do país impôs uma agenda progressista, ainda que com muitas concessões aos antigos donos do poder. Mas expressões como Maluf, ACM, Jader Barbalho, até mesmo Bolsonaro sempre estiveram muito presentes no cenário político nacional. No entanto, as forças mais progressistas e democráticas foram as que pautaram a agenda do país.
Os últimos anos de governos do PT, que foi calcado na conciliação também com esses setores, de certa forma contribuiu para que essa base mais extremista da direita não tivesse uma representação autêntica com possibilidade de disputar setores mais amplos. Mas o grande fato recente da política brasileira é que se abriu uma fissura no regime, devido ao fracasso dessa política conciliatória com setores mais conservadores da sociedade e até mesmo com os mais reacionários.
Atrelado a isso, há também uma perda de representatividade dos setores mais populares que nos últimos anos viam no partido dos trabalhadores uma expressão da defesa de seus interesses. E isso também está ruindo, por causa dos caminhos escolhidos por este partido. Por isso falamos que há um vácuo político a ser ocupado, o qual é disputado pelos setores extremistas também. Por isso nos impressiona tanto que discursos de ódio ganhem mais espaço nos debates.
O desmoronamento do projeto petista afeta em larga escala a possibilidade de nascer algo novo pela esquerda. Não será fácil para as novas alternativas como o PSOL reconquistar a confiança da população para encampar os projetos históricos da esquerda brasileira. Enquanto isso, setores mais conservadores também se aproveitam deste desmoronamento para alcançar espaços que antes estavam fechados para eles.
Mas não nos enganemos, agendas retrógradas apresentadas pela família Bolsonaro, por exemplo, são incapazes de ganhar uma eleição executiva. O pífio desempenho do Flávio aqui no Rio é exemplo disso. Uma parte da população até pode se deixar levar por uma ou outra questão mais reacionária proferida por esses caras, mas jamais vai respaldar um programa de retirada de direitos.
A população brasileira jamais elegeria um Michel Temer com essa agenda que ele está implementando no país. Portanto, nós precisamos reconstruir o campo democrático da esquerda e dos setores progressistas para evitar que falsos “profetas” ocupem esse vácuo, como Crivella se apresenta aqui no Rio. É fundamental superarmos as experiências desastrosas que nos trouxeram até aqui e construir algo novo, como o que estamos apresentando com o PSOL e Marcelo Freixo. E isso, sem dúvida, passa por eleger uma bancada legislativa que faça frente não somente aos reacionários nas questões dos costumes e direitos civis, mas também para fortalecer a bancada que defenderá os direitos históricos conquistado para imensa maioria do povo brasileiro. E as eleições municipais cumprem hoje essa tarefa fundamental de apontar boas e novas perspectivas para a política do país.
(…)
Por fim, gostaria de pautar algo que tem nos preocupado bastante, que é o caminho que está sendo planejado pelos golpistas em relação a educação.
Já há bastante tempo que os movimentos sociais, inclusive o Juntos do qual eu faço parte, batalha para que a educação seja valorizada na sua totalidade, desde as creches até os incentivos à produção científica na academia.
Sempre com o objetivo de tornar o país mais igualitário e democrático. O que Temer que levar adiante lá no Planalto é um enorme retrocesso para a educação do país. Primeiro porque o processo está sendo feito de maneira totalmente antidemocrática (o que já era de se esperar de quem não tem muito apreço pela democracia), mas que terá um impacto nefasto na vida escolar dos jovens brasileiros. A reforma curricular que retira a obrigatoriedade de Sociologia, Filosofia e até mesmo Educação Física, atrelado ao sucateamento e corte de verbas do MEC nos levará ao abismo da desigualdade social que é o nosso grande desafio há anos.
Esse plano está casado com a política mais ampla de Temer para o país. A ideia deles é aplicar o velho receituário neoliberal, fazer com que a educação deixe de ser um direito de todos a ser garantido pelo Estado, e passe a ser um privilégio daqueles que possam pagar. Atrelado a este plano há também o projeto da escola sem partido e a resistência ao ensino de gênero e sexualidade nas escolas. E essa é uma batalha que deve ser travada no embate direto das casas legislativas municipais. Pois ali conseguimos ao menos traçar as diretrizes pedagógicas para o ensino básico, onde podemos contar de maneira mais direta com a participação dos educadores e estudantes.
O PME estará aí para debate e certamente precisaremos mobilizar muito a população como um todo para que possamos fazer das escolas espaços de cultura, lazer, práticas esportivas e claro, ensino de qualidade dentro das salas de aulas. Mais uma vez, a batalha municipal deve ser a nossa resistência aos planos retrógrados articulados no palácio do planalto por Temer e cia.
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