Pressão das Big Techs e ações orquestradas da oposição deram resultado: governo não consegue votos para aprovar o PL das Fake News e relator pede adiamento da votação. Ofensiva dos evangélicos também fez grande diferença. Usando o argumento de que "o PL vai acabar com a liberdade religiosa", grupo conseguiu virar diversos votos. Mas o posicionamento mais surpreendente foi o do PSDB, que de última hora declarou voto contrário ao PL, sendo que o autor da proposta é um tucano
Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, acolheu pedido do relator do PL das Fake News, Orlando Silva (PCdoB-SP), pelo adiamento da votação da proposta. Lira já havia dito que não colocaria o projeto em votação com risco de derrota. Na prática, o adiamento da votação representa uma vitória parcial dos bolsonaristas.
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Mesmo após mais de três anos de discussão sobre o tema, a extrema direita e as grandes empresas que controlam as redes sociais se aliaram para combater o PL. Unidos, plataformas e parlamentares bolsonaristas apelaram para as mentiras. Diante da pressão, o Parlamento rachou. “Peço para retirar da pauta de hoje. Para que possamos consolidar a incorporação de todas as contribuições que foram feitas, em um movimento de combater desinformação”, pediu Orlando.
O relator lembrou, ainda que de forma sutil, que o PL não tem nada a ver com as críticas da extrema direita. Bolsonaristas e bancada evangélica acusam a matéria de censura. Contudo, o foco do PL está na transparência dos atos e manuseio de algoritmos. O projeto busca combater crimes disseminados nas redes sociais e garantir a liberdade de discurso, como explicou Orlando. “Precisamos garantir liberdade de expressão, responsabilidade para as plataformas e transparência na internet. Esse é o tema. Não é do governo nem da oposição. É um tema do Brasil. Queremos produzir o melhor texto possível”.
O líder do Psol, Guilherme Boulos (SP), criticou o adiamento, mas aceitou a demanda do relator. “A cada dia que não votamos esse projeto, é terra sem lei na internet. Na semana do massacre em creche em Santa Catarina, o Ministro da Justiça apresentou mais de 400 perfis do Twitter de gente que estimulava massacre, o Twitter recusou retirar do ar. Vai continuar esse vácuo. A cada dia que essa Casa tarda, é um dia a mais que o Supremo Tribunal Federal (STF) vai tomar decisões. Mas respeitamos o pedido de Orlando de adiamento por mais alguns dias”, disse.
Posicionamento das lideranças
O líder do bloco do União Brasil, PP e demais partidos, André Fufuca (PP-MA), defendeu o adiamento. “É de consenso que fica inviável hoje a aprovação ou tramitação dessa matéria para a votação de todos. O relator recebeu mais de 90 emendas para um projeto que muitos querem se aprofundar. Então, gostaria de, pela boa-fé, que pudéssemos adiar essa votação para construirmos um texto que seja aprovado com ampla maioria. Peço a retirada de pauta, esse é o encaminhamento do maior bloco da Casa”.
Já o líder do bloco Republicanos, MDB, PSD e Podemos, Hugo Motta (Republicanos-PB) destacou a boa condução dos trabalhos por Orlando. Ele frizou o bom diálogo do deputado e concordou com o adiamento.
“Cumprimento o deputado pelo brilhante trabalho. Ele teve a capacidade de, ao longo da relatoria, ouvir sugestões. Procurou ser acessível a todos deputados na construção do relatório. Isso é unânime na Casa, a capacidade de diálogo de Orlando. Mas nosso bloco entende que deve haver regulamentação. Porém, diante da contaminação pela polarização na Casa, fruto do resultado da eleição, está inviabilizada a apreciação dessa matéria”, disse.
O voto contrário do PSDB
Antes do adiamento da votação, o líder da federação PSDB–Cidadania na Câmara, Adolfo Viana (PSDB-BA), publicou um vídeo nas redes sociais do partido tucano declarando sua orientação contrária ao PL das Fake News. A autoria do projeto, porém, é do senador Alessandro Vieira (SE), também do PSDB e favorável ao relatório apresentado por Orlando Silva (PCdoB-SP).
“Nós queremos que a população brasileira tenha total liberdade de expressão. No projeto, com agência reguladora ou sem agência reguladora, esse controle passará pelo Poder Executivo: hoje, do presidente Lula. Amanhã, de outro presidente. Nós não queremos que nenhum presidente tenha o controle da liberdade de expressão da população”, declarou.
Colega de partido de Viana e autor do projeto, Alessandro Vieira rebateu: “A decisão da bancada merece o meu total respeito, mas nada no projeto dá ao governo controle sobre a internet ou sobre os conteúdos postados em redes sociais. Pelo contrário, o projeto assegura ao usuário direitos na relação com as plataformas e protege crianças e adolescentes”.
Os evangélicos
A força-tarefa dos evangélicos foi considerada decisiva para o adiamento da votação. O grupo fez uma ofensiva nas bancadas para virar votos e conseguiu, inclusive com o Republicanos. O presidente da sigla, Marcos Pereira (SP), afirmou que não havia compromisso da bancada na votação do mérito, mas indicou votação favorável na urgência como um gesto a Lira.
O argumento dos evangélicos é de que a regulamentação das redes sociais poderia atingir a liberdade religiosa. Para rebater o discurso, o relator chegou a gravar um vídeo ao lado do deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), ex-presidente da frente, para garantir que a Bíblia é “intocável”.
Pressão das Big Techs
Parte da resistência se deveu à campanha das plataformas contra o projeto. O Google colocou uma mensagem em sua página oficial: “O PL das Fake News pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira no Brasil”.
A atitude gerou reação das autoridades. O Ministério Público Federal encaminhou questionamentos à empresa.
O governo federal acionou a Secretaria Nacional do Consumidor, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, para entrar com uma medida cautelar contra o Google.
A empresa negou privilegiar conteúdos negativos sobre o PL, mas apuração da ‘Folha de S.Paulo’ mostrou que nas buscas no Google foram privilegiados resultados contrários ao PL das fake news.
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