Câmeras do sistema interno da boate Sutton registraram o momento em que Daniel Alves passa pela mulher que o acusa de estupro, a vê chorando, e segue direto para casa. Ela tinha hematomas e ferimentos. A compaixão inexistente no vídeo volta a se repetir na primeira entrevista do jogador após sua prisão. Se a ideia era reforçar os pontos de sua defesa, o resultado é no mínimo catastrófico
Matheus Pichonelli, TAB
Câmeras do sistema interno da boate Sutton, em Barcelona, na Espanha, registraram o momento em que Daniel Alves passa pela mulher que o acusa de estupro, a vê chorando, e segue direto para casa. Ela tinha hematomas e um ferimento no joelho.
A compaixão inexistente no vídeo foi praticamente plantada na primeira entrevista do jogador após sua prisão. “Eu nunca machuquei ninguém intencionalmente. E nem ela naquela noite. Não sei se ela está com a consciência tranquila, se dorme bem à noite. Mas eu a perdoo”.
Essa e outras declarações foram dadas pelo ex-lateral do Barcelona ao jornal espanhol “La Vanguardia“. Se a ideia era reforçar os pontos de sua defesa, o resultado é no mínimo catastrófico.
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Robinho, outro ex-jogador da seleção brasileira, não sabia que estava em uma ligação interceptada pela polícia ao dizer, a um amigo, por que ria da mulher que o denunciou por estupro. Ele ria porque não estava “nem aí”. “A mina estava extremamente embriagada, não sabe nem que eu sou”, justificou-se.
De maneira consciente, mas em outros termos, Dani Alves demonstrou a mesma consideração do ex-parceiro de seleção ao falar de sua acusadora. Só não estava rindo — até onde se sabe.
Na entrevista, o lateral tentou se mostrar um marido arrependido ao dizer que mentiu em suas primeiras versões à polícia por amor. “Se alguém já amou de verdade, se conheceu o amor verdadeiro, como eu, saberá que para manter esse amor, se faz qualquer coisa”, afirmou.
Ele queria dizer que mentiu por “medo de perder” a esposa, Joana Sanz.
Ela, declarou o jogador, era a única pessoa da história a quem devia desculpas.
A declaração causa choque, mas vai na linha da estratégia da defesa de desumanizar e vilanizar a acusadora, descrita com as tintas de um romance do século passado em que o fim trágico era praticamente uma lição de moral.
Segundo os advogados, tudo o que aconteceu na boate não passou de um “jogo erótico”, subentendido pela maneira com que a suposta vítima se comportava na pista de dança.
“Em algum momento, se vê a jovem colocando-se de costas ao atleta, contorcendo-se e roçando os glúteos em movimento com a zona pélvica do denunciado ao ritmo da música”, descreve a defesa, a certa altura.
Faltou pouco para dizer que toda mulher que dança deve ser castigada. E perdoada, se os predadores da pista tiverem algum senso de humanidade.
Diferentemente de Robinho, condenado em última instância na Itália, onde aconteceu o crime, e à espera do cumprimento da pena no Brasil, Daniel Alves ainda será julgado pela Justiça espanhola.
Mas, caso fique provada a acusação, ele terá entrado para a história por imitar o eu-lírico de uma música antiga que resume o cinismo dos canalhas: “Te perdoo por te estuprar”.
“Ocorre-me que há alguém que lhe deu um mau conselho. Que ela (acusadora) se sentiu mal depois de fazer isso, que deu um passo à frente e que não sabe mais como sair da confusão em que se meteu e na qual me meteu. Apelo à sua consciência. Não houve uma única noite em que eu não dormisse em paz. Nem uma única noite. Estou com a consciência tranquila”, disse, na mesma entrevista, o atleta, como se reivindicasse o monopólio da consciência e a superioridade moral que a suposta vítima não tem.
Na cabeça de Dani Alves, a única mulher da história que merece qualquer consideração é a que estava em casa, no confinamento do lar, enquanto o homem de família caía em tentação pelas mãos e supostas insinuações de quem não tem sequer consciência para dormir.
Argumento parecido foi usado por Robinho para se negar a admitir que cometeu o crime pelo qual foi acusado: a vítima estava “extremamente embriagada” e, portanto, não tinha “consciência”. “Por isso estou rindo”, frisou o ex-santista.
Dani Alves não riu, mas toda a misericórdia que agora ostenta não serviu para ao menos perguntar a uma mulher machucada por que chorava após sair do banheiro com ele — o mínimo que se espera em uma relação consensual.
O acusado levou quase seis meses para pensar e falar tudo o que disse na entrevista. Lidas e relidas, as declarações só deixaram mais evidente o desprezo já flagrado pelas câmeras do circuito interno.
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