"Desembargador tratava melhor os cachorros do que a doméstica", diz testemunha
Testemunhas relatam que doméstica negra era tratada como 'escravinha' por desembargador de SC e que cães da casa eram 'mais bem cuidados'. A vítima, que é surda e nunca aprendeu libras, morava na residência de Jorge Luiz Borba há pelo menos 37 anos sem receber salário e assistência à saúde
Uma ex-funcionária do desembargador Jorge Luiz Borba, denunciado por escravizar uma mulher negra e surda, afirmou que Sônia Maria de Jesus era como uma “escravinha” na casa. Em depoimento, a ex-cuidadora, contratada entre 2020 e 2021, afirmou que os cachorros da família eram mais bem cuidados do que Sônia, contestando a versão da defesa que dizia que a vítima era tratada ‘como se fosse da família’.
A mesma ex-colaboradora relatou às autoridades que Sônia levava uma vida de empregada doméstica, sem receber salário. A testemunha contou ainda que a vítima dormia em um quarto nos fundos da casa e que deu banho em Sônia pois ela sofria de assadura embaixo dos seios porque não tinha sutiã.
Uma ex-faxineira, que trabalhou na casa entre 2015 e 2016, definiu Sônia como “mucama” (escravizadas que faziam serviços domésticos).
Uma outra ex-diarista ouvida também confirmou as denúncias sobre o caso. Ela disse que via Sônia como uma trabalhadora, que não era da família, já que as filhas do desembargador têm tudo, e Sônia não tinha.
RELEMBRE O CASO
A investigação começou após uma denúncia anônima, em novembro de 2022, que reportava a existência de uma trabalhadora sem direitos trabalhistas, segundo o auditor-fiscal Humberto Camasmie.
O MPT (Ministério Público do Trabalho) fez diligências, conversou com trabalhadoras que atuaram na residência por diferentes períodos e confirmou a denúncia. “Existia uma relação de emprego sem quaisquer direitos garantidos sob o manto de uma pessoa que era quase da família”, pontuou o auditor.
Sônia agora vive temporariamente em um abrigo para mulheres vítimas de violência e fará aulas de Libras (Língua Brasileira de Sinais). A mulher residia na casa de Borba há pelo menos 37 anos (desde os 10 anos de idade) sem receber salário e assistência à saúde, segundo a representação do MPF.
Após a repercussão do caso, que causou indignação nacional, o desembargador afirmou que “vai ingressar com o pedido judicial para reconhecimento da filiação afetiva de Sônia, garantindo-lhe todos os direitos hereditários”.
Os Borba afirmam que a mulher era como um ‘membro da família’ e que seus propósitos eram ‘humanitários’.
Pedido de adoção ‘não zera’ o passado
O pedido para adotar a mulher resgatada em regime de escravidão ‘não zera o passado’, observa a procuradora Lys Sobral Cardoso. “Uma criança negra, em uma situação de vulnerabilidade socioeconômica extrema, oriunda de uma família que não teve condições de mantê-la”, diz a procuradora.
O Ministério Público do Trabalho deve se opor ao pedido de filiação afetiva. “É necessário avaliar que tipo de medida vai ser adotada como uma possibilidade de fugir a esse reconhecimento (de trabalho análogo ao escravo). Nenhuma medida adotada agora tem condições de zerar o passado”, acrescenta a procuradora.
➥ Quer receber as notícias do Pragmatismo pelo WhatsApp? Clique aqui e faça parte do nosso grupo!