Igreja de André Valadão anuncia 'retiros espirituais para cura gay'. Pacotes variam de três a oito dias e custam até R$ 3 mil: "Muita gente sai restaurada. Eles entendem que essa não é a vida que agrada ao Senhor", diz uma das pastoras. Ex-fiel relata passou pelo processo: “Fui levada a uma sessão de exorcismo”
Fernanda Tubamoto, EM
A Igreja Batista da Lagoinha, cujo líder global é o pastor André Valadão, está promovendo uma espécie de ‘cura gay’ em retiros espirituais em Sabará, na Grande BH. As atividades são lideradas pela pastora Ezenete Rodrigues na Estância Paraíso, e os pacotes podem variar de três a oito dias, custando até R$ 3 mil. As informações são da revista “Veja“.
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Com sede em Belo Horizonte e 700 filiais em cinco continentes, a igreja comandada por André Valadão defende e promove uma suposta “reorientação” de sexualidade – sem chamá-la como tal. “Nossos retiros não são só para homossexuais, lésbicas, essas coisas, mas sempre trabalhamos a cura e a libertação interior, e muita gente sai restaurada. Eles entendem que essa não é a vida que agrada ao Senhor”, disse uma atendente do local à revista.
Experiências
A reportagem da “Veja” escutou pessoas que passaram pelo processo, a cargo de pastores da Lagoinha. A publicitária Cláudia Baccile, que já abandonou a igreja, conta que a comunidade LGBTQIAPN+ é demonizada no local. “Na época, já me via como lésbica e fui levada a uma sessão de exorcismo”. De acordo com ela, os participantes são bombardeados com ideias como as de que “a homossexualidade é o pecado extremo”, e que quem se envolver em ato sexual dessa natureza “será condenado à morte eterna”.
Fundador da organização “Evangélicxs pela Diversidade”, o pastor gay Bob Botelho ainda era missionário quando mergulhou numa crise e buscou o retiro para “anular” sua homossexualidade. “Eles tentam te convencer de que, para ser filho de Deus, é necessário negar sua orientação. O trabalho é tão forte que as pessoas são induzidas a acreditar que estão demonizadas”, explicou, na reportagem de “Veja“.
Para além da Estância Paraíso, o “tratamento” também é feito no Ministério Clínica da Alma, localizado no bairro Floresta, Região Leste de Belo Horizonte. Com o objetivo de “alcançar todos os indivíduos que necessitam de restauração, seja com problemas espirituais ou emocionais, os fiéis da Igreja Batista da Lagoinha são encaminhados para o local, onde recebem ajuda de psicólogos. “Aqui, os profissionais defendem que o homem foi feito para a mulher, e vice-versa. São princípios cristãos”, explicou um funcionário.
A prática, no entanto, é proibida pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) desde 1999. “Não existe psicologia cristã: ela é laica e todas as vertentes precisam obedecer às mesmas resoluções”, explica o presidente da entidade, Pedro Bicalho. A Resolução nº 01/1999 determinou que a sexualidade faz parte da identidade de cada sujeito e, por isso, práticas homossexuais não constituem doença, distúrbio ou perversão.
Polêmicas de André Valadão
André Valadão, líder global da Igreja Batista da Lagoinha, é filho de Márcio Valadão, que ficou à frente da entidade por 50 anos. Ele é visto como um líder radical por mesclar fé e política com frequência e sem pudor. Aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), fez campanha aberta nas últimas eleições e chegou a ter suas contas no Twitter e no Instagram suspensas a pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) após ser acusado de fake news.
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Mais recentemente, passou a atacar a comunidade LGBTQIAPN+. Em junho, mês do Orgulho LGBTQIAPN+, Valadão criou o movimento “Deus odeia o orgulho” e o conteúdo foi parar no Ministério Público Federal em Minas Gerais (MPF-MG) por ter bradado aos fiéis que “Deus mataria” a população LGBTQIAPN+ e os incentivou a “ir para cima” deles. “Foi um ato criminoso. Ele usou o poder de líder religioso para incentivar os fiéis a promoverem agressões e execuções contra a comunidade”, disse Erika Hilton (PSOL-SP) – primeira mulher trans eleita deputada federal no país –, que levou a denúncia ao MPF.
Suas falas repercutiram extensivamente entre diversos públicos. Entre mensagens de apoio e de repúdio nas redes sociais, também houveram manifestações públicas, como na Parada do Orgulho LGBT+ de Belo Horizonte.
“Nós não vamos nos calar, não use sua igreja, senhor André Valadão, para tentar nos diminuir. Queria uma vaia para esse pastor, bem sentida, gente”, bradou a presidente do Centro de Luta Pela Livre Orientação Sexual (Cellos) de Contagem, Evellyn Loren, prontamente atendida pelo público.
Procurado pela reportagem da Veja, o pastor alegou, em nota, que suas palavras contra a comunidade LGBTQIAPN+ foram distorcidas, e que jamais teria estimulado a violência nem tampouco a morte de homossexuais, a quem diz dar auxílio espiritual. Leia na íntegra:
Nota do pastor André Valadão:
“A Igreja da Lagoinha se dedica ao acolhimento cirstão e fraterno de todos aqueles que buscam auxílio espiritual, incluindo a comunidade LGBTQIA+, presidiários, prostitutas e pessoas marginalizadas. Esse acolhimento é oferecido com amor e respeito, levando em consideração a história individual de cada fiel.
Em relação ao inquérito, é importante ressaltar que o pastor afirmou repetidamente que suas palavras foram distorcidas e que ele nunca incitou qualquer forma de violência física ou verbal contra a comunidade LGBTQIA+ ou qualquer outro grupo. É fundamental deixar claro que o sermão do pastor foi dirigido exclusivamente aos fiéis, dentro de um contexto religioso e no interior de um templo. O sermão proferido em 2 de julho teve como base ensinamentos cristãos, afirmados por evangélicos e católicos. Em momento algum, o objetivo do sermão foi incitar crimes contra qualquer grupo. A liberdade de expressão durante cultos religiosos inclui o direito de pregar sobre temas sensíveis à sociedade, seja a favor ou contra, de acordo com os ensinamentos de cada denominação.
É importante enfatizar que o pastor jamais afirmou a frase “e Deus deixou o trabalho sujo para nós”, que faz referência à falsa ideia de que ele estava se referindo à morte de homossexuais. Por esse motivo, o pastor tomará medidas legais contra aqueles que inventaram tal declaração. É válido lembrar que os religiosos têm o direito de se posicionar em relação a temas controversos, como o aborto e a homossexualidade, desde que fundamentem suas opiniões em seus princípios religiosos e não incite a violência ou a discriminação”
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