Um dos homens mais poderosos do Rio de Janeiro: Por que Domingos Brazão foi protegido durante todo esse tempo, mesmo com vários indícios que o apontavam como um dos prováveis mandantes da execução da vereadora Marielle Franco? Quem ajudou a tirar seu nome de cena? Acobertamento do crime teria contado com ex-chefe da Polícia Civil do Rio e até com delegados federais. Além disso, um mês após as primeiras denúncias que incriminavam Brazão, o então presidente Jair Bolsonaro concedeu passaporte diplomático para a família do suspeito. Ministro Flávio Dino garante que a Polícia Federal agora vai até o fim em busca da resolução do caso
O nome de Domingos Brazão reapareceu esta semana no noticiário sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL). Isso ocorreu após a delação premiada do ex-PM Élcio de Queiroz. Brazão, que é ex-deputado, foi citado pela primeira vez como possível mandante do crime em 2019, mas saiu de cena logo em seguida.
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Na última quarta-feira (26), o site ‘The Intercept Brasil’ publicou extensa reportagem sobre o caso. Nela, relata que, em 11 de março de 2019, às 23h, três dias antes de o crime completar um ano, Jomar Duarte Bittencourt Júnior, conhecido como Jomarzinho, filho de um delegado da Polícia Federal, enviou mensagem por WhatsApp ao policial militar Maurício da Conceição dos Santos Júnior.
Jomarzinho dizia que, no dia seguinte, uma operação ligada à investigação do atentado contra Marielle prenderia várias pessoas. “Pelo que me falaram vão até prender Brazão e Rivaldo Barbosa”, afirmou Jomarzinho na mensagem. “Putz”, respondeu o sargento.
Isso já mostrava, primeiro, que a informação havia vazado. A menção se refere a Domingos Brazão, líder de um clã e família de políticos que atua na Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde seria aliado de milicianos.
A operação policial aconteceu como previu Jomarzinho, mas os presos foram os ex-PMs Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, que fez a delação e voltou às manchetes esta semana.
Conselheiro do Tribunal de Contas do Rio, Brazão estava afastado do cargo pela Operação Lava Jato,acusado de receber propinas de empresários do setor de transporte. Em março último, o Tribunal de Justiça do RJ autorizou, por 2 votos a 1, o retorno de Brazão ao TCE.
Rivado Barbosa, citado na conversa, é o delegado e ex-chefe da Polícia Civil do Rio, que foi associado pela PF a um suposto pagamento de propina para impedir avanços na investigação sobre o assassinato de Marielle e Anderson.
Vingança contra Marcelo Freixo?
A suspeita é de que Brazão “mandou matar Marielle para se vingar de Marcelo Freixo, ex-deputado estadual e atual presidente da Embratur na gestão Lula”, diz a reportagem do Intercept. Brazão foi citado na CPI das Milícias, em 2008, presidida por Freixo na Assembleia Legislativa fluminense. Marielle Franco trabalhou no caso como assessora parlamentar dentro no gabinete dele.
Sete anos depois, já em 2015, Brazão foi escolhido por aliados de seu partido na Assembleia, o MDB, para ocupar uma vaga do Tribunal de Contas do Estado. O padrinho da indicação foi o então presidente da Casa, Jorge Picciani (MDB). Freixo tentou sem sucesso impedir na Justiça a posse de Brazão no TCE.
Em novembro de 2017, Freixo se destacou ao auxiliar com informações a Operação Cadeia Velha, que prendeu os deputados estaduais Jorge Picciani, Paulo Mello e Edson Albertassi, que também foi indicado para o TCE. Mas dessa vez Freixo conseguiu uma liminar na Justiça e impediu a posse de Albertassi.
R$ 500 mil pela morte de Marielle
Em 27 de outubro de 2019, reportagem do portal ‘UOL’ afirmou que o miliciano Jorge Alberto Moreth dissera em conversa telefônica com o vereador Marcello Sicilliano (PHS) que Brazão era o mandante da execução de Marielle e teria pago R$ 500 mil pelo atentado.
Havia uma estratégia em curso para encobrir os mandantes. Fazia parte do plano que alguém prestasse falso testemunho sobre a autoria do crime e a notícia falsa chegasse à Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, desviando o curso da investigação em andamento e afastando a linha investigativa que pudesse identificar Brazão como mentor intelectual dos crimes de homicídio.
Moreth é um dos chefes da milícia que atua em Rio das Pedras, na zona oeste do Rio, local onde está a base política dos clãs Brazão e Bolsonaro. Flávio Bolsonaro foi o senador mais votado da região.
Filho 01 de Bolsonaro, ele empregou a ex-mulher e a mãe de Adriano da Nóbrega, miliciano que esteve na reunião onde o assassinato de Marielle teria sido planejada, em seu gabinete na Alerj.
Em outubro de 2019, um mês após virem à tona as denúncias que ligavam o clã Brazão ao assassinato de Marielle, o então Jair Bolsonaro (PL) concedeu passaportes diplomáticos para João Vitor Moraes Brazão e Dalila Maria de Moraes Brazão, filho e esposa de Chiquinho Brazão — que é irmão de Domingos.
Brazão chegou a ser citado pela PGR como mandante
Já em 2019, a então procuradora-geral da República Raquel Dodge afirmou, na denúncia contra Brazão por obstrução de Justiça, que ele “arquitetou o homicídio” de Marielle. Como já fizera antes, Brazão negou qualquer envolvimento. O caso foi amplamente repercutido no jornal El País.
Brazão teve ajuda do policial federal aposentado Gilberto Ribeiro da Costa, que tinha cargo comissionado em seu gabinete, para impulsionar um falso depoimento do policial militar e miliciano Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha. O falso depoimento teria sido articulado com a ajuda da advogada Camila Nogueira, do delegado federal Helio Khristian e de outros dois delegados federais. Khristian, Camila, Ferreirinha e Costa foram denunciados com Brazão ao STJ.
O falso depoimento de Ferreirinha foi posteriormente repassado à Delegacia de Homicídios da Polícia Civil do Rio, que investigava o assassinato da vereadora e serviu de base para que policiais civis tentassem acusar o miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando da Curicica, e o vereador Marcello Siciliano pelo assassinato de Marielle. A armação se desenrolou e a Polícia Civil ofereceu até acordo de delação premiada para que Curicica assumisse responsabilidade. Hoje, já se sabe que Marcello Siciliano e Curicica não tiveram nada a ver com o crime.
Em relatório da ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Corte julgou a federalização do caso em maio de 2020. No relatório da ministra, pode-se ler: “Cogita-se a possibilidade de Brazão ter agido por vingança, considerando a intervenção do então deputado Marcelo Freixo nas ações movidas pelo Ministério Público Federal, que culminaram com seu afastamento do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro”.
Em 27 de maio de 2020, por decisão unânime, a Terceira Seção do STJ julgou improcedente o pedido de federalização do caso Marielle feito pela PGR. O caso voltou a ser investigado pelas polícias do Rio de Janeiro e, naturalmente, não avançou.
Quando Lula assumiu a Presidência, a investigação voltou a ficar sob responsabilidade da Polícia Federal, que é comandada pelo ministro Flávio Dino.
“Quem mandou matar é membro do TCE”
o advogado criminalista Fernando Augusto Fernandes, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e mestre em Criminologia e Direito Penal pela Universidade Cândido Mendes, disse à revista Fórum ter ouvido há algum tempo de uma fonte ligada ao “submundo” das investigações criminosas que um membro do “Tribunal de Contas” teria sido o mandante do assassinato de Marielle Franco.
“Um advogado criminalista, como os padres dos confessionários, acaba escutando confissões de ‘pecados’. E uma dessas confissões, de uma pessoa bem ligada a essas questões vamos dizer ocultas desse submundo, me comentou: olha, eu tenho informação segura de quem mandou matar Marielle foi um dos membros do Tribunal de Contas”, afirmou.
“Não me foi feita no momento uma confissão dizendo que foi fulano, a prova que tenho é essa, e também no momento em que foi falado, eu simplesmente fiquei com isso na cabeça. Agora provavelmente as peças se conectaram”, emendou Fernandes.
Domingos Brazão
Domingos Inácio Brazão é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Ele foi o pioneiro do clã Brazão a se empreitar na política, elegendo-se vereador em 1996. Em 1998 tornou-se deputado estadual — cargo pelo qual foi reeleito por cinco vezes, após ter sido derrotado na campanha à prefeito da capital fluminense em 2000.
Em abril de 2015, em sua última legislatura, foi eleito pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) para ser um dos sete conselheiros vitalícios do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ).
Além de carreira na política, Domingos Brazão tem uma extensa lista criminal e chegou a ser preso em 29 de março de 2017 durante a operação Quinto de Ouro, um desdobramento da Lava Jato que investigava uma organização criminosa, que incluía o filho do ex-governador e prefeito do Rio Marcello Alencar, por suspeita de corrupção e desvio de verbas públicas.
Cerca de 10 anos antes, Domingos Brazão já havia enfrentado um processo de homicídio, quando teria perseguido dois homens e atirado pelas costas — um deles morreu. Ele alegou legítima defesa e o caso foi rejeitado 15 anos depois ela corte especial do Tribunal de Justiça, quando ele já era deputado estadual pelo MDB.
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