Bolsonarismo do ódio: Nosso mea culpa
Bolsonarismo do ódio: Nosso mea culpa
Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
Sou franco. Agora, temos que revisar os fatos sem esconder as verdades. Já havíamos avançado o século XXI. Não quero mentir, mas, pra piorar, acho que eu já estava formado, dando aulas. Não que um diplomado seja melhor que alguém, mas a população paga pelo menos em parte os nossos estudos. Mínimo que se espera é que, quanto mais estude, mais consciência o indivíduo devolva a quem, direta ou indiretamente, bancou sua formação: a sociedade.
Eu ouvia as “piadas” de negros, de homossexuais, de gordos, de mulheres e achava graça. Vez que outra, alguma me causava algum desconforto, mas eu ensaiava um sorriso forçado. Vou além, já contei piadas homofóbicas e machistas. Inclusive pra mulheres, querendo ser engraçado, tentando pegá-las. E sim, já tive o pensamento de que as mulheres são para “pegar”.
Nunca esqueço uma conversa com familiar bem próximo que defendeu, de verdade, que, para acabar com a pobreza e violência, dever-se-ia explodir as favelas, obviamente com todos os moradores dentro. Os inocentes seriam mártires infelizmente irremissíveis. Eu achei a ideia estúpida e indefensável. No entanto, continuei a discutir. Ora, tamanho descalabro não merece a honra do contraditório. E, ainda que merecesse, essa discussão estava fadada ao fracasso, já que meu interlocutor e eu não partíamos da mesma premissa de o que é justo, de que é ético.
O exemplo acima é parecido com outras tantas vezes que debati contra defensores da Ditadura Militar no Brasil. A premissa da democracia, neste caso, não era observada. Logo, não há que se falar em debate. Debatem-se ideias de como melhorar a democracia. Anulá-la não pode ser pauta de nenhuma conversa. O contra-argumento também é uma forma de legitimar o argumento.
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Falei de piadas, mas também já presenciei falas racistas que, a depender da época, me causava indiferença e, depois, no máximo, contrariedade. Mas não me levantei da roda e saí do ambiente criminoso.
Já concordei realmente que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Mesmo que o marido estivesse metendo a mão na cara dela.
Já presenciei falas xenófobas de vereadores, sem que isso me causasse repulsa. Só depois, refletindo, me indignei. Mas o pronunciamento, se não em ata, já estava nos anais da propagação da ignorância. E nenhum dos demais edis presentes na sessão solicitou questão de ordem por falta de decoro ou o que o valesse. Foi nessa mesma legislatura que o Presidente disse que negro deve casar com negra. Se se casar com loira é racismo reverso.
Li anúncio no jornal que vendia terrenos em praia do litoral norte gaúcho. Entre os predicados da cidade, estava que se tratava de “cidade sem bolsões de pobreza”. Ou seja, construa sua casa tranquilamente. A diarista e o caseiro moram longe. O jornal de grande circulação permitiu a veiculação da propaganda.
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Foi isso. Mesmo os pretensamente progressistas, em vários momentos, calaram-se ante absurdos, preconceitos, ódios e crimes. Talvez achássemos que, por criminosas e absurdas, essas falas não encontrariam representantes capazes de serem eleitos.
Enganamo-nos.
E já que o texto trata de sensos comuns, cito outro: “quem cala consente.”
É isso. Mesmo sem querer, consentimos. E eles foram intensificando os discursos e falas. Conseguiram adeptos e fidelizar os que já se inclinavam a esses pensamentos.
Que aprendamos, pelo menos.
E ainda outro suposto ditado alemão: “Se há dez pessoas numa mesa, um nazista chega e se senta, e nenhuma pessoa se levanta, então existem onze nazistas numa mesa.”
Que, doravante, não fiquemos mais constrangidos de nos levantar quando algum deles chegar.
*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”
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