Educadora que combate lei de alienação parental já foi alvo de atentado e ameaças de morte
Educadora do RS estava no carro quando o veículo quase pegou fogo. Na oficina, descobriram que a mecânica do automóvel havia sido modificada para que explodisse. A ideia era assassinar Sibele Lemos, que continua recebendo ameaças de morte por ser uma das líderes na luta pela revogação da Lei da Alienação Parental
Universa
A educadora especial Sibele Lemos, 48, não fala o nome da cidade onde mora no interior do Rio Grande do Sul. Finalista do Prêmio Inspiradoras na categoria Justiça para Mulheres, ela teme por sua segurança —é alvo de ameaças de morte e, há quatro anos, chegou a sofrer um atentado.
Em 2019, estava no carro do namorado quando o veículo quase pegou fogo. Na oficina, descobriram que a mecânica do automóvel havia sido modificada para que explodisse. A ideia era assassinar Sibele. “Quem quer me matar sabe minha rotina, onde moro. Vivo sendo perseguida”, diz.
Sibele Lemos é uma das líderes do Coletivo Proteção à Infância Voz Materna. Ela luta pela revogação da Lei da Alienação Parental (LAP), que prevê punição para pai ou mãe que coloca filhos contra o genitor. Segundo críticos da lei, a regra, na prática, impede mulheres de denunciar situações de violência, além de permitir que agressores se mantenham próximos de suas vítimas.
Em 2020, o coletivo liderado por Sibele denunciou a lei brasileira à CEDAW (Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres), da ONU, por violência de gênero. Os peritos da organização responderam o relatório feito pelo coletivo e questionaram a justiça brasileira sobre seus efeitos na sociedade.
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Para Sibele Lemos, não há “distorção” ou “mau uso” da lei da alienação parental.
“O argumento para a criação da lei era de que mulheres poderiam prejudicar os homens. Ela tem o propósito claro de silenciar as mulheres”, afirma Sibele.
Ela observa que a LAP surgiu pouco tempo depois da Lei Maria da Penha, que protege mulheres de violência doméstica.
Uma violência sempre presente
A educadora especial tem especialização em violência doméstica contra crianças e adolescentes pelo Laboratório de Estudos da Criança, da USP, e em direitos humanos. “Em dado momento, isso deixou de ser parte da minha vida profissional e passou a envolver minha vida pessoal.”
Ela sofreu abusos psicológicos e violência física do ex-marido desde a gestação da filha, atualmente com 13 anos. Depois da separação, em 2015, começou a perceber que, quando a criança voltava da casa do genitor, estava sempre nervosa. “Ele era violento, gritava com ela, e ela ficava com medo.” Por isso, Sibele pediu que as visitas fossem monitoradas, com acompanhamento de algum familiar. O ex não aceitou e decidiu processá-la usando a lei de alienação parental.
“Em uma audiência, eu mostrei fotos da Isabella Nardoni, perguntei se queriam que a minha filha fosse mais uma vítima”, relatou Sibele.
Enquanto estava na batalha nos tribunais, Sibele Lemos começou a se reunir com outras mulheres em situação parecida. Era a origem do coletivo, que se tornou oficial em 2017 ao organizar um ato pela revogação da lei de alienação parental em frente ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
“Nosso papel é proteger a infância. Proteger nossos filhos não é crime”, afirma.
Mães lutando para que os filhos não se matem
Sibele Lemos afirma que mulheres que enfrentam processos pela LAP têm a saúde mental afetada, bem como seus filhos. “Estamos falando de mulheres que tentam viver um dia de cada vez para evitar que filhos se matem. Há muitos casos de suicídio. É um sofrimento constante”, lamenta Sibele.
Depois de ser vítima de violência doméstica, a assistente social e pedagoga Claudia Sampaio*, professora de universidade carioca, ingressou na Justiça com pedidos de separação e medida protetiva. Na ocasião, o ex-marido foi preso em flagrante, enquanto se manteve trancado com o filho (então um bebê de 14 meses) dentro de um quarto.
“Como muitas mulheres, fui acusada de falsa denúncia e alienação parental”, afirma. Seu filho, hoje com 11 anos, tem uma deficiência cognitiva e o pai relegava todos os cuidados à esposa, além de praticar outras formas de violência cotidiana, como a psicológica.
Durante a pandemia, Claudia conheceu o coletivo Voz Materna. Na época, o filho estava sendo agredido pelo pai. “Sibele foi uma importante interlocutora, uma mulher acolhedora. E o coletivo me fez uma mulher mais forte para conseguir enfrentar as empreitadas contra um homem agressor.”
O caso ainda não se resolveu. Atualmente, o ex-marido desfruta de uma guarda compartilhada e passa seis dias contínuos com o menino. Claudia continua na disputa para mudar a situação, com o apoio do coletivo.
Outra violência, a psicológica
O caso de Sibele Lemos teve um desfecho positivo. Em 2022, aos 12 anos, a própria filha pôde dizer ao pai que não queria estar na presença constante dele. Assim, o homem encerrou o processo contra a educadora.
Mas ela continua a jornada contra a legislação em nome de outras mulheres e crianças. Está na comissão da mulher do Conselho Nacional de Direitos Humanos e inspirou, por meio do trabalho no coletivo, a elaboração de um projeto de lei para revogação da LAP, entregue à Câmara dos Deputados. O Voz Materna deve, ainda, traduzir o relatório entregue à ONU e encaminhá-lo à Convenção de Haia.
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