Mulheres violadas

Empresário flagrado estuprando a ex-esposa é absolvido pela Justiça por “falta de provas”

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Juiz absolve ex-marido de mulher que gravou o próprio estupro em SP. Ameaçada de morte e vítima de espancamentos até na gestação, a mulher conseguiu obter as imagens do crime e as divulgou como última esperança para conseguir Justiça; a sentença deixa a vítima ainda mais vulnerável

A Justiça de Praia Grande (SP) absolveu o empresário Ricardo Penna Guerreiro, de 56 anos, preso em janeiro deste ano acusado de ter estuprado a ex-mulher, que estaria desacordada e sob efeitos de remédios antidepressivos e calmantes. Em fevereiro, o Pragmatismo publicou uma extensa reportagem sobre o caso.

Na decisão que absolveu o homem, o juiz Vinicius de Toledo Piza Peluso, da 1ª Vara Criminal de Praia Grande, justificou que há “ausência de provas”, mesmo a mulher tendo divulgado as imagens do próprio estupro. Ainda cabe recurso.

Em nota, o advogado de Juliana, Fabrício Posocco, afirmou que recebeu a decisão de 1° grau com surpresa e ressaltou que, na qualidade de assistente de acusação, ingressará com o recurso cabível.

Os advogados do empresário trabalharam com um argumento baseado principalmente no depoimento prestado pela médica psiquiatra do casal à Justiça. A profissional informou que os medicamentos prescritos para Juliana não alteram o nível de consciência.

A defesa do ex-marido apontou que não existiriam provas de que a vítima não poderia oferecer resistência ou que a relação sexual foi forçada.

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Apesar da absolvição por estupro de vulnerável, Ricardo Penna Guerreiro segue preso por outro crime. Ele foi condenado a mais de 37 anos por tentativa de homicídio contra seis pessoas em 2000 e estava em liberdade devido a um habeas corpus.

No entanto, ele teve a prisão preventiva decretada novamente. “Por conta do não cumprimento das medidas cautelares devido à prisão preventiva ilegal [por estupro]”, explicou o advogado dele, Eugênio Malavasi, que já está tomando os procedimentos legais para que o cliente seja solto.

ENTENDA O CASO

O empresário Ricardo Penna Guerreiro foi preso no dia 27 de janeiro deste ano por estupro de vulnerável cometido contra a ex-mulher. A mulher revelou também ter sido espancada pelo homem diversas vezes e ameaçada de morte. “Ele [Ricardo] me colocou no fundo do poço. Abusou de mim de todas as formas, com requintes de crueldade. Hoje eu e meu filho estamos nos curando”, disse Juliana Rizzo, de 34 anos.

A vítima contou ter começado a namorar com Ricardo em 2018 e casado com ele em 2019, mesmo ano em que nasceu o filho do casal. A princípio, segundo ela, o ex-marido aparentava ser amoroso, mas passado um tempo começaram as agressões verbais.

As agressões físicas tiveram início durante a gestação, logo no terceiro mês. Ela revelou que naquele mesmo período começaram as ameaças de morte contra ela o bebê.

“Estava grávida de três meses e no dia do meu aniversário ele me agrediu. A gente saiu para comemorar e ele achou que eu estava rindo de uma piada que os amigos dele fizeram, mas eu nem tinha escutado. Ele me espancou de um quarto para o outro porque achou que eu estava rindo de uma piada”.

Depois disso, a vítima disse ter saído de casa, mas retornou sob a promessa de que não seria mais agredida. As humilhações, no entanto, continuaram. O casamento estava ‘ladeira abaixo’ e piorou quando o filho nasceu. Ela disse ter sofrido depressão pós-parto, que foi agravada pela morte da mãe em 2021.

A vítima contou ter tentado se separar diante das agressões físicas contra ela e o filho. A mulher até chegou a fugir para o interior, mas Ricardo descobriu e foi atrás dela.

Conforme noticiado pela imprensa em agosto de 2021, um carro de luxo, avaliado em cerca de R$ 275 mil, ficou completamente destruído após o motorista perder o controle e bater no estacionamento de uma clínica na Avenida Marechal Mallet, em Praia Grande. Segundo testemunhas, o motorista estava em alta velocidade e escapou após a colisão.

O motorista era Ricardo, que estava atrás de Juliana. Mensagens mostram que o homem ainda tenta culpar a mulher pelo acidente que foi responsabilidade dele. “Neste dia [do acidente] ele estava na rua tentando me matar […] Ele é um perigo para a sociedade. Eu lamento muito, porque é o pai do meu filho”.

Durante o casamento, Juliana diz que o marido proibia ela de trabalhar e chegou a estuprá-la algumas vezes quando ela estava sob medicação psiquiátrica. “Uma vez eu disse que queria fazer concurso para a Polícia Federal e ele me disse; ‘Você não vai. Você não vai ter arma porque você é louca’”.

Com depressão, ela resolveu buscar ajuda psiquiátrica. “Estava com depressão pós-parto, em um casamento horrível e a minha mãe estava com um câncer terminal, que ninguém sabia identificar onde era o tumor. Eu não denunciei porque fiquei com medo de ele me matar. Passei a ter crises de ansiedade. Comecei a tomar a medicação e tinha alguns efeitos colaterais, então comecei a me medicar à noite, numa tentativa de dormir pesado.”

Foi durante essa época que a mulher diz que Ricardo começou a violentá-la. “Eu nunca deixei de comparecer como esposa, mesmo brigados, eu sempre acreditava na família, achava que com o tempo ia melhorar, sempre fazia de tudo para estar tudo bem. Mas, por prazer, ele começou a me estuprar”, disse ela.

Segundo Juliana, Ricardo acordava-a no meio da noite, depois de que ela havia ingerido os remédios. “Eu tentava impedir, mas ele não parava. Foram diversas vezes. Alguns dias acordei sangrando, porque ele me machucou. Se eu tinha noção do que estava acontecendo? Algumas vezes, sim, outras nem tanto, mas eu realmente não tinha forças para uma luta corporal.”

As cenas foram gravadas por uma câmera de segurança que o próprio ex-marido de Juliana instalou na casa. Nas imagens, é possível observar que ela estava dormindo quando Ricardo se aproxima e começa a puxar o corpo dela à força. “Quando eu olhava essas imagens, eu me dava conta do que estava acontecendo e salvava isso para servir de prova. Foi tudo muito violento.”

Em uma postagem recente no Instagram, Juliana Rizzo divulgou trechos das imagens que mostram ela sendo estuprada por Ricardo enquanto dormia. Na legenda da publicação, ela desabafou sobre a situação.

“Estupro no casamento existe sim. Quando uma mulher não quer ou quando ela está dopada de remédios (como era o meu caso) é estupro. Diversas vezes fui violentada, machucada enquanto estava sob efeito de antidepressivos e ansiolíticos devido a toda depressão e crises de ansiedade que eu adquiri nesse casamento. Esse monstro me destruiu durante muito tempo”, relatou Juliana.

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Juliana afirma que a decisão de falar sobre o caso é uma forma de pressionar a Justiça e garantir proteção para ela e os filhos. “Me expor dessa forma é algo muito duro. Reviver tudo isso mexeu demais comigo. Eu fiz isso porque ele já foi preso outras vezes, por outro crime, mas acabou saindo. Ele sempre ria disso, acreditando na impunidade. Eu tenho muito medo mesmo com ele preso, não me sinto segura”, diz ela.

Imagens: