Jovem ficou conhecida como 'bêbada de Curitiba' ao ser detida por dirigir embriagada após comemorar o seu aniversário de 22 anos. Por um período, um dos principais desejos dela era excluir o vídeo que viralizou. Mas amigos e familiares relatam que o meme se tornou conforto no fim da vida dela
texto de Vinícius Lemos, da BBC Brasil
Era setembro de 2017. Stephany Rosa estava em um jantar de formatura quando os olhares na mesa se voltaram em direção a ela. Todos começaram a rir e ela, meio sem jeito, deu um sorriso amarelo. Foi mais um dia em que um episódio de anos atrás havia reaparecido na vida da jovem.
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As risadas naquela mesa de formatura começaram porque uma jovem anunciou quem era Stephany: a “bêbada de Curitiba”, desde 2012 um dos clássicos entre os memes brasileiros.
“Foi desconfortável. Era formatura de uma colega nossa, e as pessoas começaram a falar e rir sobre a Ste”, diz Carol Gaertner, advogada e escritora, amiga de Stephany que também estava naquela mesa.
A jovem se tornou meme ao ser detida por dirigir embriagada após comemorar o seu aniversário de 22 anos. O vídeo da entrevista que ela concedeu em uma viatura policial viralizou e logo alcançou milhões de visualizações. Mais de uma década depois, o meme ainda costuma ser lembrado nas redes, seja por meio de figuras de WhatsApp ou em gifs nas redes sociais.
O reconhecimento pelo episódio que a tornou famosa na internet era comum na vida de Stephany e, quase sempre, causava constrangimento para ela, que tinha vergonha da situação.
Por anos, o registro das imagens foi um pesadelo, e ela chegou até a buscar formas para tentar apagá-lo da internet. Mas no fim da vida, quando descobriu um câncer de ovário, o registro viral se tornou um apoio importante enquanto Stephany enfrentava a doença.
No ano passado, a mãe dela, Nil Silva, publicou um livro que foi iniciado pela filha. Na obra “Nosso Processo de Cura da Alma”, que foi iniciada pela jovem quando começou o tratamento contra a doença, Stephany reflete sobre a própria vida.
O meme
No início da vida adulta, Stephany costumava sair com os amigos para festas e gostava de consumir bebidas alcoólicas. A celebração do aniversário de 22 anos foi um desses dias em que ela quis comemorar intensamente.
A jovem saiu com colegas do trabalho para um restaurante em Curitiba (PR), onde morava. Quando estava indo embora, seguiu cambaleando em direção ao seu carro. Os policiais logo a pararam.
Stephany estava completamente embriagada e foi detida. Equipes da imprensa local acompanharam o caso e registraram o momento. Dentro do carro da polícia, a jovem concedeu uma entrevista na qual proferiu palavras desencontradas e conversou de modo arrastado, evidenciando a bebedeira.
No vídeo da reportagem que viralizou, uma amiga ajuda Stephany a calçar os sapatos enquanto a jovem está sentada na calçada. Em outro momento, Stephany implora aos policiais para não ser detida, mas não adianta: ela é conduzida para a viatura. Dentro do veículo, ela demonstra animação e até brinca com os repórteres que chegam para entrevistá-la.
“Nossa, meu pai vai me matar. Não, ele não vai me bater, ele vai me matar mesmo”, diz a jovem, que logo tenta consertar a situação. “Pai, te amo, não me mata”, diz aos risos. “Hoje é meu aniversário, vim comer no japonês com meus amigos do escritório”, conta.
“E daí eu achei: vou curtir e vou embora. Daí fui presa. E recebi uma suspensão (da carteira de motorista). Tô triste, não tô feliz. Já chorei”, comenta, ainda aos risos.
A reação da jovem diante do episódio arrancou risadas de muitas pessoas e o vídeo foi muito compartilhado nas redes. Assim, ela se tornou a “bêbada de Curitiba”.
Naquela noite, Stephany foi conduzida a uma delegacia e foi liberada pouco depois. Os pais só souberam da situação no dia seguinte.
Nil Silva, a mãe de Stephany, diz que a filha chegou a fazer serviços comunitários após ser detida. “Ela fez isso por um ano aos sábados. Não me recordo o local, mas lembro que ela até gostava de ir”, diz.
A repercussão do vídeo
O episódio que se tornou meme era considerado por Stephany como um erro do qual se arrependia. Mas ainda que tentasse esquecer, ela era obrigada a se lembrar daquele dia com frequência porque sempre era reconhecida por alguém.
Quando o vídeo viralizou, Stephany era estudante de Direito – curso no qual ela se formou anos mais tarde. Para ela, aquilo seria um duro empecilho na futura carreira no meio jurídico.
Ela passou a ser reconhecida na rua. Situações como a da formatura em setembro de 2017 eram comuns na vida dela, principalmente nos primeiros anos após o vídeo viral.
“No início foi bem complicado. Ela sentiu vergonha e muitas vezes deixou de sair, porque sempre era abordada por alguém. Muitas vezes, ela queria se divertir e não lembrar do acontecido”, diz Nil Silva.
O principal incômodo para Stephany era ser rotulada como “bêbada”. Ela considerava que era como se fosse reduzida a uma situação que viveu em uma noite.
“Ninguém gosta de ser reduzida a uma coisa só”, disse Stephany em um vídeo compartilhado em junho de 2020 em seu perfil no Instagram. “Parece que você passou oito anos da sua vida bebendo, a ‘bêbada de Curitiba’. Mas não foi isso que aconteceu, eu fiz muita coisa”, completou.
Ela justificou que aos 22 anos queria encontrar um sentido na vida, mas não sabia como. “De um jeito meio torto e tal, mas sempre estava buscando”, disse a jovem no vídeo de 2020.
Para os amigos, Stephany costumava falar sobre o vídeo que havia viralizado.
“Eu desconhecia o vídeo, só soube quando ela tocou no assunto. Eu já tinha ouvido falar de outros estudantes que haviam sido pegos em blitz por estarem bêbados e sabia que qualquer pessoa estaria vulnerável a uma situação do tipo, mas nem todo mundo havia sido gravado nessa situação como ela foi”, diz Carol Gaertner, que conheceu Stephany anos depois do viral.
Por muitas vezes, Stephany levava o episódio na brincadeira e até costumava chamar de “fãs” aqueles que a procuravam nas redes dizendo que a adoravam por causa do vídeo.
Mas a jovem tinha a principal preocupação de fazer com que as pessoas entendessem que ela não era somente aquele momento que se tornou meme.
Em seu perfil no Facebook, por exemplo, usava uma capa que deixava clara essa mensagem: “Se você me conhece baseado no que eu era um ano atrás, você não me conhece mais. Minha evolução é constante. Permita-me apresentar novamente”, diz uma imagem de destaque no perfil, que hoje é um memorial online para a jovem.
Ela deixava as redes sociais fechadas para evitar que compartilhassem suas fotos recentes e compartilhassem. Em sua caixa de mensagens nas redes, havia diversos recados de carinho de desconhecidos.
Esse cuidado de não ser sempre associada àquele vídeo se tornou ainda mais forte após concluir o curso de Direito, quando Stephany passou a considerar aquele registro como um grande problema.
“Quando ela me falou a respeito do vídeo, era como se ela tivesse um bom jogo de cintura e levasse essa situação na esportiva e com muito bom humor. Mas em certo momento ela se mostrou um pouco incomodada com as pessoas a associarem a isso”, diz Carol.
No episódio da mesa de jantar na formatura, Carol observou um incômodo na amiga. “Era aquela coisa: a gente já sabe (do meme), agora vamos seguir adiante? Porque já tinham se passado anos, e as pessoas amadurecem e evoluem”, comenta a amiga.
Meses após o episódio na formatura, Stephany se cansou de ser associada ao vídeo e quis buscar formas para que aquele episódio fosse esquecido. Mas ela teria uma dura luta judicial pela frente para tentar excluir aquele registro da internet.
“Em 2018, no início do ano, ela me ligou e disse: ‘amiga, o que você entende por direito ao esquecimento? O que você sabe a respeito? Estou pensando bem e não quero mais esse vídeo circulando na internet, não estou mais a fim de ficar associando a minha imagem a esse vídeo'”, conta Carol.
O direito ao esquecimento ao qual Stephany se referiu se trata de um tema que já foi até mesmo pauta no Supremo Tribunal Federal (STF), que em 2021 decidiu que isso é incompatível com a Constituição Federal, porque impedir a divulgação de fatos ou dados verídicos pode ferir a liberdade de expressão.
Mas o STF apontou também que possíveis excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, com base em parâmetros constitucionais e na legislação penal e civil.
Em casos como o de Stephany, ela poderia alegar na Justiça que aquilo lhe causou danos e tentar fazer com que todas as publicações daquele vídeo fossem excluídas.
A doença
Mas meses após decidir buscar formas para excluir o vídeo da internet, Stephany logo passou a ter uma preocupação que tomou todo o tempo dela.
Em meados de 2018, ela estudava intensamente para o exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) quando começou a sentir dores abdominais.
Em um domingo de agosto de 2018, Stephany celebrou o aniversário da mãe e o Dia dos Pais. Após as comemorações, ela chegou em casa e notou uma dificuldade para ir ao banheiro. “Cheguei a vomitar, ali meu corpo enviou um sinal de alerta: há algo errado com você, investigue rápido”, escreveu a jovem em um relato nas redes.
Ela relatou que sentiu um inchaço na barriga, muitas dores e buscou atendimento médico. No hospital, fez diversos exames e após alguns dias recebeu o diagnóstico: câncer de ovário.
E ali começou a jornada mais difícil da vida dela. O diagnóstico era preocupante e o quadro de Stephany era considerado grave. “O chão se abriu mais uma vez, meus problemas referentes ao Exame da Ordem (porque estava estudando como uma louca e nunca estava satisfeita com meu desempenho) acabaram na hora, pois encontrei outra questão maior”, detalhou Stephany em um post nas redes sociais na época.
O câncer de ovário é uma replicação desordenada de células malignas que invadem primeiro o ovário e depois podem se espalhar para os órgãos da pelve e abdome superior, assim como as vísceras como o fígado ou o pulmão, aponta a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
O câncer que Stephany teve é uma das doenças mais comuns entre as mulheres, aponta a Febrasgo. São 6 mil novos casos por ano no país, estima o Instituto Nacional do Câncer (Inca).
Entre as brasileiras, é o 7° tipo de câncer com mais incidência e no mundo é o oitavo. Uma das dificuldades dessa doença, dizem especialistas, é que esse tipo de câncer costuma surgir rapidamente e raramente são detectados em estágios iniciais.
Na maior parte das vezes, aponta a federação, as mulheres que apresentam um tumor no cisto ou no ovário não têm câncer, mas sim uma lesão funcional ou benigna. No tratamento, Stephany passou por procedimentos como cirurgias e diversas sessões de quimioterapia.
Ela começou a escrever um livro durante o período da descoberta da doença. Na obra, Stephany colocou por escrito os seus sentimentos diante do câncer.
“Eu desejo que você não precise passar por um processo tão doloroso quanto um tratamento de câncer para se dar conta que você pode se tratar assim, com compaixão e flexibilidade. Você pode ouvir seu coração e ser guiado por ele”, escreveu Stephany em trecho do livro.
“Sabe, mãe, eu já questionei muito, hoje não questiono mais. Poderia ser com qualquer pessoa, penso ‘por que não eu?'”, refletiu em outro trecho.
O hospital se tornou a casa de Stephany por vários períodos do tratamento. Na unidade de saúde, ela fez algumas amizades, incluindo o psicólogo Sidnei Evangelista. Ele define Stephany como uma pessoa alegre e que tinha muita vontade de viver.
“Eu a conheci na internação, durante os últimos seis meses dela. Ela tinha muita energia e gostava de contar sobre a história de vida dela. Dizia que os 30 anos (que ela tinha na época) pareciam breves, mas era um tempo em que ela viveu muitas alegrias, arrependimentos e conquistas”, diz o psicólogo.
“Ela me disse: hoje você conhece esta Stephany, mas não essa do passado e me mostrou o meme. Nós rimos daquela situação. Ela falou que havia se transformado muito nos últimos anos e amadurecido bastante, principalmente após o diagnóstico de câncer”, comenta.
Sidnei chegou a ajudá-la a encontrar o filho, hoje com 18 anos, que era um dos desejos de Stephany, que foi mãe na adolescência. A dificuldade para encontrar o garoto ocorria, principalmente, porque era o auge da pandemia de covid-19.
“Ela queria muito encontrar o filho, então mobilizamos toda a equipe, a levamos até o jardim e fizemos a surpresa de levar o filho dela lá. Eles não se viam havia uns 45 dias”, conta Sidnei.
Do pesadelo ao conforto
Mas os tratamentos de Stephany deixaram de fazer efeito. Ela se tornou uma paciente paliativa, ou seja, passou apenas a receber tratamento para amenizar as dores e ter mais conforto.
A doença em si, avaliaram os médicos, já havia avançado e se tornado praticamente impossível de curar. “A médica havia avisado que o quadro dela, aos olhos humanos era irreversível, os órgãos estavam parando, mas a gente se recusa a aceitar e vê sempre uma ponta de esperança”, escreveu Nil no livro escrito junto com a filha.
Nesse período, ela decidiu buscar uma qualidade de vida melhor. Para isso, criou uma vaquinha virtual com o objetivo de arrecadar R$ 20 mil.
Com esse dinheiro, ela queria custear itens como terapia, alimentação saudável e fazer adaptações na casa da família para quando fosse liberada pelo hospital.
E foi durante a vaquinha que Stephany viu o vídeo repercutir novamente. Mas dessa vez, de forma positiva.
“Quando a Ste compartilhou a vaquinha, não comentou nada sobre ser a menina do meme. Mas aí alguns conhecidos começaram a compartilhar, contando que a menina do meme estava pedindo ajuda. E aí isso começou a ser muito divulgado e compartilhado”, diz Carol.
A família de Stephany avalia que o vídeo foi fundamental para a vaquinha e ajudou na arrecadação. Ela conseguiu R$ 123 mil, seis vezes mais do que esperava.
“Quando ela conversou comigo em relação a lançar a vaquinha, ela pediu a minha opinião. Claro que respondi que seria uma boa, poderia ser a solução. Ela dizia que não queria fazer nada que eu não aprovasse, principalmente o lançamento da vaquinha, porque sabíamos que o vídeo poderia voltar à tona e ela tinha medo que isso fosse me deixar triste. Mas eu disse que jamais poderia ficar triste por algo que poderia ajudá-la”, diz Nil.
“Tivemos receio, pois não saberíamos como seria a reação das pessoas. Mas pela graça de Deus, foi a melhor reação possível, e isso fez muita diferença para ela, não apenas falando financeiramente, mas pela energia positiva e tanto carinho recebido”, acrescenta Nil.
A vaquinha foi uma ajuda emocional muito importante para Stephany, porque muitos se lembraram do meme de 2012 e mandaram inúmeras mensagens de apoio. Ela e a mãe ficavam horas lendo as mensagens. “Isso, com certeza, alegou muito os dias dela no hospital”, diz a mãe da jovem.
Mas Stephany nunca conseguiu desfrutar dos benefícios do dinheiro que arrecadou, pois morreu logo depois, em julho de 2020.
“É impossível medir a dimensão da dor da perda de um filho. É sentir que a vida nos jogou para o lixo. Não conseguimos mensurá-la, é uma dor única, intensa, egoísta e gigante. A perda de um filho é ferida que não cicatriza. É conhecer a decepção mais profunda. É para toda a vida”, escreveu Nil no livro.
A morte da jovem causou comoção nas redes sociais e repercutiu na imprensa. Muitas pessoas lamentaram o fato e relembraram do meme.
O dinheiro arrecadado pela vaquinha ficou em uma conta do filho dela – 10% do valor é retido pelo site da vaquinha. “Até hoje não mexemos em nenhum valor. Ele vai decidir o que fazer quando estiver mais maduro”, conta Nil.
Hoje, a família já não pensa mais em buscar formas para apagar o vídeo da internet.
“Se retirar o vídeo da internet não era mais o objetivo dela (no fim da vida), também não vai ser o nosso. E isso, que um dia incomodou, não incomoda mais, pois conseguimos ver um lado bom nisso no período em que ela estava doente”, comenta Nil.
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