Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
O Governo do Estado do Rio Grande do Sul criou o Projeto Professor do Amanhã. Em suma, para tornar mais atrativa a formação de docentes no estado, o acadêmico receberá uma bolsa de R$ 800,00 por mês durante quatro anos, assim como a instituição de ensino receberá este mesmo valor pelo mesmo tempo.
Percebam, a preocupação do governo é com a baixa procura dos vestibulandos aos cursos de licenciatura, mas nada diz sobre tornar atrativa a profissão em si.
O mesmo governador Eduardo Leite, aliás, parece ter uma preocupação, e somente com isto, com a resolução paliativa das emergências, quando se trata de Educação. Embora ele propagandeie que elegeu a Educação como prioridade, suas ações não combinam com isso.
Ele fez uma reforma no plano de carreira do magistério estadual em que deu um pouco de aumento aos mais novos, mas, à medida que o tempo vai passando, o professor, mais experiente e, portanto, em tese, melhor profissional, não tem seus salários majorados. Fez uma manobra contábil-argumentativa para alegar que paga o risível Piso do Magistério. Não paga. Não como piso, pelo menos.
A pergunta é tão simplória e automática que é compulsória de se fazer: por que não paga esses R$ 1.600,00 diretamente aos professores estaduais, tornando mais atrativa a carreira?
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Evidente que para os mais pobres ganhar R$ 800,00 por mês para ter um curso superior é uma oportunidade talvez única na vida. Nisso, aliás, já se está determinando a classe social da categoria. É sintomático. Antes mal remunerado por, entre outros, ser “profissão de mulher” (“não se precisa pagar muito a elas. Os maridos é que deveriam ganhar bem e sustentar a casa”), agora, o magistério, pela ideia do governo gaúcho, vai ser “profissão de pobre” (“não reclame do seu salário. Você ganhava menos antes e ainda recebeu bolsa”).
Por que o governo não paga bolsa para cursos de medicina, em que faltam médicos no interior, por exemplo? Simples. Porque, por baixo, um médico ganha dez vezes mais que um professor. São dezenas a disputar uma vaga nas universidades públicas. E, embora a classe negue, essa falta de médicos em redutos longínquos é sim falta de interesse em sair dos grandes e movimentados centros.
“Amanhã” teremos professores. Eles estarão motivados e empolgados. Mas, e “depois de amanhã”, quando eles pararem de receber a bolsa e o seu salário não ser muito mais do que os R$ 800,00? Quando a realidade lhes vier e eles perceberem que a única valorização que tem é um “muito obrigado” da sociedade, mas que essa gratidão, embora as promessas de campanha, não se traduzem em benefícios financeiros?
Quando eles tiverem um sem-número de planilhas pra preencher e outros trabalhos burocráticos cada vez mais numerosos, talvez para mascarar a falta de qualidade da Educação; quando eles serem cobrados e culpados pelas secretarias de educação de que os estudantes, cada vez menos interessados, mais indisciplinados e até agressivos, não aprendem; quando perceberem que sua autonomia didática e pedagógica está cada vez menor e que não podem, a partir do seu poder de diagnóstico, reprovarem os estudantes sem condições, pois isso macula os dados e números das prefeituras, tirando, inclusive, o direito que essas crianças e jovens têm de repetirem o ano e efetivamente aprenderem; quando eles serem perguntados, até mesmo por familiares, se só dão aula ou também trabalham… Enfim, quando tudo isso acontecer, os “professores de amanhã”, que já serão de ontem, ainda vão querer estar na profissão?
Paliativamente, teremos professores para amanhã. E para depois de amanhã, como fica?
*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”
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