Mãe de brasileiro foragido nos EUA diz que ele foi treinado para sobreviver: "Nunca foi à escola e começou a trabalhar aos 5 anos". Ainda segundo a mulher, se for para o filho ir para a prisão 'é melhor morrer logo'
Ana Ionova e Jack Nicas, The New York Times
Danilo Cavalcante, o fugitivo da prisão da Pensilvânia, está vagando por áreas de bosques e pequenas cidades suburbanas há quase duas semanas, presumivelmente sem abrigo e com pouco para comer ou beber, tentando escapar das centenas de policiais que o procuram desesperadamente.
No interior do Brasil, sua mãe, Iracema Cavalcante, vê um filho cuja vida o treinou para viver sozinho e superar dificuldades, preparando-o para sua longa fuga das autoridades após ser condenado pelo assassinato de sua ex-namorada.
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Iracema, mesmo sabendo que seu filho esfaqueou a ex-namorada na Pensilvânia em 2021 e assassinou um homem no Brasil em 2017, insiste que o rapaz, mesmo armado, “não representa uma ameaça para ninguém”. Ele está apenas lutando para sobreviver, como fez durante grande parte de sua vida, disse ela.
“Seu treinamento foi seu sofrimento”, disse a mãe, em sua primeira entrevista desde que Danilo escapou da prisão, no mês passado. “Ia dormir com fome. Quando acordava, eu me perguntava com que iria alimentá-los.”
Danilo nunca foi à escola, disse ela, e começou a trabalhar aos 5 anos. Primeiro engraxou sapatos, depois vendeu legumes no mercado e, aos 7, já trabalhava nos campos de outra pessoa, disse ela.
“Somos pobres. Humildes. Mas somos trabalhadores”, disse ela numa entrevista de quase uma hora na manhã desta terça-feira (12). “O que nós temos, lutamos para conseguir.”
As autoridades da Pensilvânia disseram que a criação de Danilo provavelmente tornou muito mais difícil capturá-lo.
“Não me surpreende que ele consiga sobreviver lá”, disse o tenente-coronel George Bivens, da Polícia Estadual da Pensilvânia, a repórteres na semana passada. “O objetivo aqui não é uma competição de quanto ele pode aguentar? É quanto podemos estressá-lo? Quanto podemos pressioná-lo para que cometa um erro e nós o capturemos?”
Até agora, Cavalcante não cometeu esse erro. Na noite de segunda (11), porém, ele se arriscou, ao entrar numa garagem aberta para roubar um rifle e depois ser atacado pelo dono da casa. Mas ele escapou novamente e agora está armado, aumentando os temores de que represente um risco ainda maior para o público.
Cavalcante está fugindo desde que escalou um muro para escapar da prisão do condado de Chester, na Pensilvânia, em 31 de agosto. Ele acabara de ser condenado à prisão perpétua por assassinar sua ex-namorada na Pensilvânia em 2021. As autoridades acreditavam que ela havia descoberto evidências de que ele tinha assassinado alguém no Brasil em 2017.
Iracema Cavalcante não contestou a culpa do filho nos dois assassinatos. Mas também argumentou que, em ambos os casos, ele estava encurralado, sugerindo que sua ex-namorada ameaçou entregá-lo às autoridades e que o homem que ele matou a tiros em 2017 pretendia matar Danilo.
No caso da ex-namorada, ele foi condenado por esfaqueá-la quase 40 vezes na frente dos filhos.
“Isso aconteceu? Aconteceu”, disse Iracema Cavalcante. “Mas foi por causa do controle que ela exercia sobre ele, da postura que ela assumiu com ele.”
Ela acrescentou: “Não foi feminicídio. Ele tinha de fazer isso. Não teve outra escolha”.
Ela disse que seu filho deve enfrentar as consequências por seus crimes. Mas argumentou que a prisão perpétua —ou a morte nas mãos da polícia— é injusta.
“Se eu dissesse que meu filho não cometeu um erro, estaria mentindo”, afirmou. “Sei que o que ele fez foi errado. Eu sei que ele deveria pagar por seu erro. Mas quero que meu filho pague por seu erro com dignidade —e não com a vida.”
A polícia está tocando de seus veículos e helicópteros uma gravação de Iracema, falando português, pedindo que o filho se entregue. Ela disse que nunca falou com a polícia, mas que eles solicitaram o áudio por meio de sua filha, que morava nos Estados Unidos, mas agora está sendo deportada.
Mais tarde, na entrevista com Iracema Cavalcante, ela disse que realmente acha que, diante da prisão perpétua, talvez seja melhor ele morrer agora do que se entregar. “Se for para ir para um lugar sofrer e morrer naquele lugar, é melhor morrer logo”, disse. “Você não precisa sofrer tanto.”
Ela disse que, dadas as opções de Danilo, já está perdendo as esperanças. “Hoje, vejo meu filho como morto”, disse ela. “Em um lugar estranho, pisoteado, todo mundo mentindo sobre ele, dizendo que ele é algo que não é.”
Ela disse que, se pudesse enviar uma mensagem ao filho agora, não seria um apelo para que ele se entregue, mas sim que “ele peça a Deus que o perdoe pelo que fez”.
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