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Professor de medicina é denunciado por usar camisa do MST em sala de aula

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Doutor em Clínica Médica pela UFRJ, Luciano é professor há 15 anos na UFPB e é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Também tem um projeto de extensão que realiza atividades em acampamentos e assentamentos do MST: "Sempre usei a camisa, nunca tive problema porque não é ilegal! Eu posso me expressar livremente, a Constituição e a legislação vigente me dão esse direito; e o MST é um movimento legal que existe no nosso país e que tem uma pauta, para mim, legítima e que deve ser defendida"

Doutor Luciano Bezerra Gomes

Carlos Madeiro, em seu blog

O professor do curso de medicina da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Luciano Bezerra Gomes está respondendo a um processo interno para explicar o uso de uma camisa do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em sala de aula.

A reclamação foi feita por um cidadão — que não cita se é ou não aluno — à Ouvidoria Geral, ligada à Reitoria da UFPB. O órgão decidiu abrir processo e o encaminhar ao Centro de Ciências Médicas para averiguação. O professor foi notificado do procedimento no último dia 5 de setembro.

Diz a mensagem do dia 31 de agosto que originou o processo:

“Em suas aulas de Epidemiologia no curso de medicina realiza propaganda política, utilizando roupas com logos do Movimento Sem Terra, e utilizando em seus slides no retroprojetor a logo de tal movimento de cunho político-social. Outros professores desse mesmo departamento também utilizam adesivos e alusões envolvendo manifestações políticas”, diz a mensagem enviada à Ouvidoria da UFPB.

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No processo, a própria Ouvidoria diz que “não foram encaminhados elementos de materialidade sobre as supostas irregularidades”, mas cita que o relato “contém os elementos mínimos descritivos para apuração, análise e providências cabíveis.”

Professor atua com MST desde 2020

Doutor em Clínica Médica pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Luciano é professor há 15 anos na UFPB, atua no Departamento de Promoção da Saúde e é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Também tem um projeto de extensão que realiza atividades em acampamentos e assentamentos do MST.

À coluna, ele explica que desde o início da pandemia, em 2020, desenvolve ações em acampamentos e assentamentos para ajudar trabalhadores rurais na prevenção à covid-19.

“Por estar já há mais de três anos ativamente trabalhando com o movimento, em vários momentos eu ganhei camiseta, boné e outras coisas como presentes, que eu tenho utilizado com outras camisas para defender as pautas que acho importantes”.

Luciano usando boné do MST durante visita a área rural

Desde o ano passado, o projeto embrionário se tornou oficial e virou uma atividade de extensão da UFPB, com direito a bolsistas e realização de atividades nos territórios rurais.

“Sempre usei a camisa, nunca tive problema porque não é ilegal! Eu posso me expressar livremente, a Constituição e a legislação vigente me dão esse direito; e o MST é um movimento legal que existe no nosso país e que tem uma pauta, para mim, legítima e que deve ser defendida”.

Quanto ao slide denunciado pelo cidadão, o professor nega que tenha usado.

“Em nenhum momento usei slide com o logo do MST ou de qualquer outro movimento. Eu uso meu computador pessoal em vários momentos na sala de aula porque a Universidade vive um período de depredação das condições de trabalho. Na área de trabalho dele tem imagens do projeto de extensão, e algum estudante deve ter se incomodado”.

Perseguição

Para Luciano, a ideia da Ouvidoria em dar seguimento a um processo, e não o arquivar por falta de base material, é fruto de uma perseguição do atual reitor contra opositores.

Em nota, a reitoria da UFPB informou que não compete a ela “manifestar posicionamento sobre tema que está sob competência da Ouvidoria.”

Segundo a instituição, a ouvidoria deve “levantar elementos mínimos descritivos de presumível ato ilícito, informar ao interessado e, se for o caso, endereçar o processo às autoridades competentes para o juízo de admissibilidade.”

A UFPB foi uma das 20 universidades federais que tiveram reitores nomeados por Jair Bolsonaro diferentes dos vencedores nas consultas internas — os chamados “interventores”. A prática é criticada nas universidades, mas não é ilegal.

Valdiney Veloso Gouveia foi nomeado por Bolsonaro em novembro de 2020 e tem mandato de quatro anos. Ele ficou em terceiro lugar na consulta pública a alunos, servidores e professores e, mesmo sem nenhum voto no Conselho Universitário, constou na lista tríplice.

Relembre: Bolsonaro não nomeia reitores eleitos pela comunidade acadêmica e rompe tradição

Em 2020, o professor Luciano fez campanha para a professora Teresinha Domiciano, a mais votada na consulta para escolha de reitor. Ele também integra um movimento de oposição ao reitor indicado por Bolsonaro.

“Isso vem no cenário da perseguição aos movimentos sociais, especialmente o MST; mas também tem a ver com conjuntura que vivemos há mais de dois anos com um reitor interventor. Há servidores sendo perseguidos, e a Ouvidoria tem sido usada para fazer isso. A situação tem sido repetida”.

No processo, ao qual o Uol teve acesso, a Ouvidoria sugere ao Centro de Ciências Médicas que, caso não veja irregularidade na reclamação, que tome ações para evitar novas “falhas” do servidor.

“Caso não seja necessária a apuração de potenciais irregularidade, recomendamos que a autoridade superior hierárquica realize ‘medidas de gestão’ para corrigir e evitar o cometimento de falhas por parte do servidor público, com a finalidade de manter a regularidade na execução e prestação dos serviços públicos e prevenir a ocorrência de ilícito disciplinar”.

Associação questiona, e reitor responde

O processo foi alvo de protesto da Adufpb (Associação dos Docentes da Universidade Federal da Paraíba), que publicou uma nota defendendo Luciano, mas também denunciando “repressão e perseguição pelos instrumentos institucionais e administrativos, que deveriam servir ao bem comum e à exigente transparência de uma sociedade democrática.”

“Estamos diante de uma cultura de embrutecimento e esgarçamento das relações sociais, que incentiva de forma irresponsável o conflito social, a intolerância, o preconceito e até mesmo a violência como meio de interação social. Tão grave quanto é o uso dos aparatos de Estado, sejam aqueles administrativos ou de segurança pública, que são hodiernamente acionados como formas de admoestar movimentos sociais, coletivos ou individuais que não se alinhem ao modelo ideológico vigente”, comunicou a Adufp.

Sobre as denúncias de perseguição, o reitor afirmou ao Uol que, “se há acusações de perseguição de professores ou técnicos administrativos, ou de uso da Ouvidoria por parte do Reitor, penso que precisarão ser investigadas essas condutas pouco republicanas.”

“Agora, dada a gravidade das acusações, é importante que se mostrem as provas irrefutáveis. Quaisquer outras especulações ou acusações não passarão de narrativas enviesadas. Em definitiva, vivemos tempos difíceis, recheados de mentiras contadas e calúnias, difamações e injúrias propagadas, que se espera serem impostas sem contestação, pese à sua natureza delituosa”, pronunciou Valdiney Veloso Gouveia.

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