Produtor belga acusou criança negra de roubo durante Festival em Lisboa. O agressor só mudou o tom quando soube que o pai da menina era um dos palestrantes do evento. "É muito triste saber que uma criança de 8 não pode ser criança se tem a pela negra. Pois se corre, é confundida com uma ladra", desabafou a mãe
Isadora Santos, Mundo Negro
Um caso de racismo ocorrido com uma criança negra brasileira em Portugal está repercutindo na imprensa. Na última quinta-feira, 28, durante Festival MIL, em Lisboa, uma criança paulista negra de apenas oito anos foi perseguida, acusada injustamente de roubo e arrastada a força por um homem branco, identificado como o produtor musical belga Marc Van Eyck. Os pais da criança procuraram a justiça.
O casal brasileiro, Viviane Rodrigues, de 37 anos, e Bruno Constante, de 38, que reside em Portugal há mais de um ano, estava participando de uma atividade de lazer no Hub Criativo do Beato, área reservada para os participantes do Festival MIL. O pai da menina, que trabalha com marketing digital, era um dos palestrantes do evento.
O incidente ocorreu enquanto duas crianças brincavam livremente pelas mesas da área de lazer. Em determinado momento, a mãe perdeu a filha de vista, e outra criança e um garçom informaram que um homem branco estava perseguindo a criança, acusando-a de roubo. Viviane começou imediatamente a procurar a filha e a encontrou num dos galpões do local, cercada por adultos, incluindo o agressor, que a acusava de ter roubado um cartão da sua mochila.
“Quando abri um dos galpões desse espaço estava lá com a minha filha do lado, e mais três ou quatro pessoas. Quando eu entro ele [Marc] estava dizendo que ela tinha roubado um cartão de dentro da carteira dele. Eu entrei e falei que ‘ela não mexeu em nada e, se tivesse mexido, você não poderia ter procurado a produção do evento, ou a pai e mãe da criança?’. Ele olhou para mim, e disse que iria chamar a polícia. Respondi ‘não é você que vai chamar a polícia sou eu, então pedi para a produção chamar a polícia”, contou a mãe da criança. Ela ainda questionou: Se fossem duas meninas ruivas correndo lá, ele teria essa atitude?”.
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A mãe questionou por que o agressor confrontou a criança em vez de procurar os responsáveis ou a equipe do evento. A polícia foi chamada pela produção do festival, e cerca de 40 pessoas estavam presentes, todas indignadas com a situação. No entanto, a mãe da criança criticou a condução da polícia portuguesa, afirmando que o agressor recebeu escolta para deixar o local em segurança, enquanto a família não teve nenhum apoio ou direcionamento.
Ao site Bantumen, a organização do evento afirmou que: “Mal a equipe toda de produção e comunicação teve conhecimento do que estava a acontecer, parámos todas as nossas comunicações e ficámos a aguardar ordens, para termos também noção legal de como é que nos poderíamos posicionar e porque queríamos claramente nos posicionarmos”. Gonçalo Riscado, fundador e diretor da Cultural Trend Lisbon (CTL), empresa responsável pela produção do festival, também destacou: “O que não há dúvida nenhuma é que, de facto, uma criança foi perseguida, foi tocada, foi confrontada. E aquilo de que também não tenho dúvidas nenhumas é que foi uma atitude racista”.
O Festival MIL também emitiu uma nota sobre o caso nas redes sociais: “Nenhuma criança pode ser interpelada por um adulto e tratada com violência. É mais grave ainda quando existe motivação racial. Condenamos e repudiamos o ato a que essa criança foi lamentavelmente exposta. Os procedimentos legais possíveis estão em curso. As autoridades policiais foram chamadas e o MIL assume desde já a sua responsabilidade de apoiar os familiares neste acontecimento”
A mãe da vítima relatou a angústia que a família está vivenciando desde o ocorrido. “Minha filha está psicologicamente destroçada. Quando ela chegou em casa na quinta-feira perguntou ‘oh mamãe o que eu faço quando um próximo homem branco correr atrás de mim’. Isso mudou a forma dela de olhar o mundo, tirou a pureza de uma criança. É um abuso físico um homem grande ter puxado uma criança pelo braço, como ainda imprime traumas na vida de uma menina”.
Ela ainda criticou a condução do caso pela polícia, apontando que os agentes ofereceram proteção para o agressor: “O estado português ainda fez escolta para ele sair de lá em segurança. Eu, minha filha e meu marido não tivemos escolta. Não direcionaram a gente se precisava fazer algum exame ou qualquer coisa”.
A família da criança também vai procurar a Embaixada em Portugal para denunciar o caso. “Qualquer brasileiro aqui passa por situações de preconceito. Infelizmente não é raro, não é difícil, mas eu nunca tinha presenciado uma situação assim, quanto menos com uma criança tão nova”, disse Viviane.
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