Pretendentes a herdeiros do acervo político de Jair Bolsonaro têm pela frente o desafio de ajustar os movimentos que os afastem um pouco do indivíduo, sem que pareça desprezo ou fuga e sem se distanciar do que ainda é o bolsonarismo. Parece contraditório, mas não é.
Bolsonaro conseguiu em 2018 um feito subestimado até pela ciência política mais cautelosa. Deslocou centro e direita para a extrema direita, elegeu-se presidente e teria hoje, mesmo derrotado, uma base expandida de até 25% dos eleitores brasileiros.
É assim que um quarto do eleitorado se define em pesquisas do Datafolha, como bolsonarista. Mas a persistente fidelidade leva hoje a alguns paradoxos aparentes da base e dos políticos profissionais.
O principal, o mais visível no momento, é este: é arriscado para alguns agrupamentos de direita manter ou estreitar laços com a imagem de Bolsonaro, considerando-se quem tem projetos eleitorais para o ano que vem e faz carreira para o futuro de médio prazo.
É complicado estreitar conexões entre ambições políticas e Bolsonaro, no momento em que o sujeito é cercado pelo sistema de Justiça e se fragiliza politicamente, já com um pé na cadeia.
O resumo possível desse cenário lida com deduções oferecidas por fatos e circunstâncias pós-eleição. O eleitor que se diz bolsonarista se mantém fiel a uma ideia de vida, a um conceito, e não mais apenas a uma figura. O político bolsonarista percebe esses movimentos.
Os números explicam. As mesmas pesquisas que citam a fidelidade de 25% ao bolsonarismo mostram que em São Paulo 68% dos eleitores não votariam em candidato indicado por Bolsonaro à prefeitura. Os que votariam são apenas 13%.
A conclusão parece fácil, mesmo que possa ser traiçoeira: o eleitor da base expandida, que se diz bolsonarista, é na verdade o que se acomodou onde já estava como alguém com ideias ultraconservadoras ou de extrema direita, e não só antilulistas.
Mas ele não continua sendo necessariamente alguém com fé incondicional em Bolsonaro. O bolsonarismo, numa simplificação, poderia ser percebido genericamente num quadrado onde cabem ultraconservadorismo, extremismo, fascismo ou algo assemelhado, capaz de acolher esse eleitor negacionista, antiaborto, antigay, antidemarcação de terras indígenas, antimaconha, anticotas, muitas vezes antivacina e tantas outras vezes terraplanista e racista.
A simplificação é dada pelo próprio eleitor e pelos movimentos de quem, em posição de protagonismo ou liderança, percebe que já não é tão vantajoso estar próximo de Bolsonaro hoje.
Tarcísio de Freitas, Romeu Zema e Ratinho Júnior não precisam explicar, porque nem devem, essa tentativa de calibrar a proximidade e o distanciamento com um quase cadáver da política.
Bolsonaro pode ser, em pouco tempo, apenas o dono do ponto, o cara que criou o mercado, tem clientela e consolidou uma marca. Mas sujou o nome.
Bolsonaro é o criador do mercado a ser comprado por Zema, Tarcísio, Eduardo Leite e outros postados ao lado da extrema direita e que tentam herdar a base extremada porque desistiram de se colocar como de direita ou de centro-direita. Que foi de onde muitos saíram em 2018 para cortejar e pegar carona com Bolsonaro.
O bolsonarismo será, talvez logo depois das eleições municipais do ano que vem, esse fenômeno jovem que exigirá outras abordagens. Porque Bolsonaro poderá estar morto como figura pública, sem partido, sem turma, sem militares, sem milicianos e sem expectativas pessoais. Mas o bolsonarismo do interiorzão estará latejando.
Acompanhe Pragmatismo Político no Instagram, Twitter e no Facebook
Um bolsonarismo que, mesmo no auge e no poder, nunca foi parente do que já se chamou de getulismo, brizolismo, peronismo ou chavismo, porque não tem base social de massa ativa e relevante entre os mais pobres e sobrevive como alguma coisa que poderá ou não se liquidificar e escorrer pelos ralos da política.
Ser bolsonarista é um esforço de sobrevivência de ricos, classe média e evangélicos, que ficaram órfãos com a derrota na eleição, o fracasso do golpe, a inelegibilidade, a depreciação dos generais e das Forças Armadas e a possibilidade real de ver o líder encarcerado.
O bolsonarista carrega a incerteza de que poderá se manter agarrado à fé conquistada em 2018. Até porque precisa confiar nos inconfiáveis Tarcísio e Zema para continuar sendo bolsonarista.
O mundo da direita antiLula, mesmo a não extremada, vai deixando de girar só em torno de Bolsonaro. O antilulismo e antitudo precisa sobreviver em outro corpo, mantendo a certeza de que continua sendo bolsonarista.
O eleitor que se diz bolsonarista terá de se afastar da figura de um Bolsonaro moribundo para continuar sendo bolsonarista e sobreviver como tal com outro nome que incorpore o que ele representa. Além da direita, agora também a extrema direita depende do fim de Bolsonaro.
Os políticos que pretendem ser herdeiros do espólio já estão fazendo essa caminhada. Para ficar com o que um dia foi de Bolsonaro, é preciso afastar-se de Bolsonaro e, às escondidas ou não, contribuir para vê-lo destruído e politicamente morto.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).
→ SE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI… Saiba que o Pragmatismo não tem investidores e não está entre os veículos que recebem publicidade estatal do governo. Fazer jornalismo custa caro. Com apenas R$ 1 REAL você nos ajuda a pagar nossos profissionais e a estrutura. Seu apoio é muito importante e fortalece a mídia independente. Doe através da chave-pix: pragmatismopolitico@gmail.com