Cunhada do prefeito de Maceió denuncia violência doméstica, mas é forçada a mudar versão
Cunhada do prefeito JHC (PL) telefonou para a polícia, mas o marido foi mais rápido e acionou militares lotados no gabinete da prefeitura, um delegado amigo da família e a mãe, que é suplente de senador e capitã da PM. Quando a polícia chegou no apartamento, todas essas pessoas estranhas à cena já estavam lá. Os PMs que atenderam a ocorrência afirmam que a vítima foi sequestrada por 45 minutos e, nesse período, foi 'convencida' a mudar de versão. Os esforços para acobertar a violência doméstica estão sendo desmascarados e dois policiais já foram presos. Áudio em que a vítima denuncia a agressão é revelado
por Carlos Madeiro, em seu blog
Dois policiais militares que participaram da ocorrência que atendeu uma denúncia de agressão doméstica contra a cunhada do prefeito de Maceió, João Henrique Caldas, o JHC (PL), acabaram presos nesta terça-feira (21), três dias depois do caso, ocorrido no último sábado na capital alagoana.
Eles foram detidos em “flagrante transgressional” por terem agido com “desídia” (falta de zelo) ao permitirem que o policial militar Gilvan Cabral —que é lotado na assessoria militar da Prefeitura de Maceió e não estava de serviço— retirasse do local da ocorrência a dentista Isadora Martins, noiva do médico João Holanda Caldas, irmão do prefeito, em um carro antes de ela ser levada para a Central de Flagrantes.
Cabral — que teria atuado para intervir e induzir a vítima a mudar de versão — também tem ordem de prisão do comando da PM, mas conseguiu um habeas corpus hoje. A PM informou que vai recorrer e, independentemente disso, terá um processo aberto por deserção. Já João Holanda, alvo da denúncia, não foi preso porque a noiva negou as agressões na delegacia.
ENTENDA O PASSO A PASSO
Na noite do sábado, por volta das 21h, o serviço 190 recebeu uma ligação de Isadora. O áudio com a gravação dessa ligação vazou e circulou em vários grupos de WhatsApp. Fontes policiais afirmam que o áudio é legítimo (ouça aqui).
Nele, a dentista cita que teria sido “jogada no chão” e agredida pelo noivo e pede a presença da PM. Segundo o boletim policial, a PM foi então até o apartamento no bairro da Jatiúca, em Maceió, e ao chegar se deparou com diversas pessoas estranhas à cena. Entre elas, dois militares do gabinete da prefeitura, um delegado que não estava de serviço e a mãe de João, Eudócia Caldas, que é capitã da PM e suplente de senador.
O outro militar que estava no local foi identificado: é um major bombeiro cedido à prefeitura e que também vai responder a inquérito policial militar.
Já João Holanda estaria trancado em um quarto quando os militares chegaram. O PM que foi cuidar da ocorrência começou então a conversar com ele e explicou que ele teria de ir prestar explicações na Central de Flagrantes. Após uma ameaça de ter a porta arrombada, ele aceitou e foi levado.
Durante esse período em que quatro militares estavam no apartamento, dois dos policiais de serviço desceram até a garagem do prédio para ficarem com Isadora. Esses dois militares foram os que acabaram sendo detidos: Sivanilson dos Santos e Fabrício de Souza.
O PM lotado na prefeitura e o delegado — que não teve nome revelado — teriam colocado a mulher em um carro e saíram com ela do prédio.
A PM diz que a ação deveria ter sido impedida pelos policiais, já que na condição de suposta vítima, ela deveria ter ficado sob guarda dos militares da ocorrência, nunca de terceiros. Por isso, a apuração vai analisar se agiram “mal intencionalmente ou por falta de atenção durante o serviço.”
A informação repassada pelos militares é que o carro circulou por cerca de 45 minutos, momentos em que ela teria sido convencida a mudar de versão.
Depois disso, Isadora foi levada à Central de Flagrantes, prestou depoimento e negou a agressão, contrariando a informação dada na ligação ao 190. João também negou, e não teve prisão decretada.
Como denúncias de violência doméstica têm de ser investigadas, mesmo que a suposta vítima não queira mais o curso, um inquérito foi aberto para apurar o caso. Duas delegadas foram designadas e vão apurar o que ocorreu naquela noite.
“O objetivo é apurar a narrativa de violência doméstica. O procedimento já foi instaurado por mim e pela delegada Paula Mercês. Todas as circunstâncias do fato estão sendo devidamente apuradas”, disse Ana Luiza Nogueira, delegada da Mulher de Maceió.
O governador Paula Dantas (MDB) se manifestou sobre o caso e anunciou a ordem de prisão disciplinar dos três militares: “A Corregedoria da PM já está tomando todas as providências e já determinou a prisão de dois policiais militares que estavam naquele momento fazendo uma ação para defender o acusado. Tenham certeza que as providências estão sendo tomadas. Será preso o outro policial militar que sequestrou a vítima. O governo não aceita e nem admite homem bater em mulher, marmanjo bater em mulher. Se acontecer isso, será preso e devidamente punido”.
O prefeito João Henrique Caldas (PL) adotou o silêncio, assim como seu irmão, o médico João Holanda Dantas. A prefeitura também não quis se posicionar sobre o ocorrido. A única a se pronunciar foi Isadora, que afirmou que tudo não passou de um “mal-entendido” do casal e lamentou o uso do caso. Diz que o casal está bem e que continua junto.