A diplomacia falhou: notas sobre Israel e o povo palestino
Um dia o povo judeu perceberá que estão fazendo com o povo palestino, neste conflito e entendendo que são contextos históricos diferentes, o mesmo que o nazismo fez com eles entre 1935-1945. É evidente que o horror virou espetáculo, a diplomacia virou um misto de vaidades e de fotos
Israel Aparecido Gonçalves* e Maria Aldenora dos Santos Lima*
A última reunião realizada, antes mesmo de finalizar este texto, entre os vários países para chegarem a um acordo sobre a guerra entre Israel e o Hamas foi a cúpula do Cairo (capital do Egito) no dia 21 de outubro. Evento filmado por vários canais de TV do mundo (AFP, 2023) e que repercutiu na grande mídia brasileira (FSP, 2023). Nela, eram 19 países participantes e que tentaram uma solução para o conflito entre Israel e o Hamas, iniciado de fato em 7 de outubro, quando o grupo terrorista massacrou, pelas contas do governo israelense, mais de 1.400 pessoas que foram mortas e mais de 4 mil feridas. Os objetivos da reunião no Cairo ficaram divididos entre os países do Oriente Médio, que pediram o fim dos ataques israelenses ao povo de Gaza, e a abertura de corredores humanitários solicitada pelos países Ocidentais.
O Brasil enviou o chancelar Mauro Vieira, que buscou um acordo para abrir em Gaza corredores humanitários. “Vieira descreveu os ataques do Hamas como “terroristas” e disse que Israel, com o “poder ocupante”, tem responsabilidades específicas em relação aos direitos humanos dos civis envolvidos” (FSP, 2023).
Certamente, a busca por uma solução diplomática é a mais acertada e foi pautada pelo Brasil em outras duas reuniões e que, também, preside neste segundo semestre de 2023 o Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU). O país procurou criar uma resolução, que deveria ser aprovada no mínimo por 9 países de 15, sem o veto dos 5 países permanentes no Conselho – Rússia, China, Estados Unidos (EUA), França e Inglaterra – para se obter algum efeito. Entretanto, é um fato difícil, pois a polarização entre os EUA e a Rússia está estressada devido à guerra da Rússia contra a Ucrânia, aliada dos americanos. Já os países árabes, em especial os membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), fingem não entender o problema humanitário dos palestinos, como a Arábia Saudita, Kuwait, Iraque, Líbia, Catar e Emirados Árabes Unidos. Pior mesmo é o governo persa que, com seus chiliques extremistas, só consegue aumentar a tensão na região e instiga o Estado israelense a manter o cerco em Gaza.
O fato é que, sem esforço diplomático, assistiremos à morte de 2.3 milhões de pessoas, ao vivo. Importante destacar que o escritor Guy Debord, no livro “A Sociedade do Espetáculo” (2003), já analisou que os fenômenos sociais, na atual sociedade, tornam-se espetáculos, mesmo sendo o inaceitável. Em boa medida a grande mídia e em especial as redes sociais mostram imagens de corpos ou de feridos sem censura e de forma sensacionalista. Do lado palestino já foram assassinadas 4.651 pessoas, incluindo 1.873 crianças, 1.101 mulheres, 1.677 homens.
Após uma primeira tentativa sem sucesso, em 13 de outubro, no Conselho de Segurança da ONU, o Brasil reelaborou seu projeto de resolução, acolhendo ideias e até parágrafos prontos de outros países, para buscar uma solução consensual ao conflito de forma rápida, visto que uma proposta de resolução da Rússia não foi aprovada no dia 16 de outubro. Vale ressaltar que o Conselho de Segurança reunir-se-ia novamente em 17 de outubro, mas o pedido de uma reunião urgente dos Emirados Árabes Unidos e da Rússia acabou transferindo-a do dia 17 para 18 de outubro. Então, no grande dia, mesmo com apoio de 12 países, a resolução que poderia arrefecer o conflito entre Israel e o povo palestino foi vetada pelos EUA, que tem tal poder e demonstrou desdém com as mortes ocorridas entre as crianças palestinas. É evidente que o governo americano apoia o massacre do povo palestino, e mais, financiam e vendem armas à Israel, movimentando sua indústria da guerra. (OLIVEIRA, 2023).
Os ataques de Israel de forma planejada a civis e bairros residenciais configuram, de forma explícita, um flagrante desrespeito aos grupos civis, gerando sofrimento e morte de pessoas sem relação com o grupo terrorista Hamas. A ordem de deslocamento de milhões de pessoas palestinas do norte de Gaza para o sul colabora para afirmar que Israel comete crime contra a humanidade, conforme o Estatuto de Roma. O Estado de Israel, além de bombear toda a Faixa de Gaza, cortou o fornecimento de água, luz e comida (BBC, 2023). A diplomacia falha em não reconhecer essas infrações do Estado israelenses.
Destaca-se que a Cisjordânia e a Faixa Gaza são regiões isoladas, em especial, o território de Gaza, o qual é cercado geograficamente por Israel e ao sul faz uma pequena fronteira com o Egito. Antes da guerra, o desemprego em Gaza chegava a 50% de uma população de 2.3 milhões de pessoas. Além disso, antes do ataque terrorista do Hamas, Gaza já recebia muita ajuda humanitária (400 caminhões por dia) de diversos países, porém, com o conflito em andamento a ajuda cessou por 13 dias.
Foi no dia 20 de outubro que o primeiro comboio com 20 caminhões chegou no sul de Gaza, trazendo ajuda humanitária – comida, água e remédios (CNN, 2023). O acordo foi feito por Israel, EUA e Egito e, coincidentemente, um dia antes da ajuda humanitária, o Hamas libertou duas americanas, que eram refém do grupo.
Mas retornando à diplomacia, considera-se importante que a demora de uma resolução rápida do conflito entre Israel e o Hamas, com o qual o povo palestino vem sofrendo ataques diretos e indiscriminados pelo Estado Judeu, é relevante para os russos e israelenses. Com a guerra dos russos contra os ucranianos se tornando cada vez menos noticiada pela imprensa internacional, a Rússia poderia usar mais armas de alto impacto e, por sua vez, a Ucrânia teria menos chances de ter seus pedidos atendidos pelos EUA e Europa, isto é, haveria uma demora para serem enviadas armas e dinheiro. Já Israel deverá ocupar mais uma parte de Gaza e transformá-la em seu território como faz na Cisjordânia, ao incentivar assentamentos ilegais em terras palestinas.
Como é noticiado pela grande mídia, a guerra de Israel contra o Hamas, essa que virou contra a população civil da Faixa de Gaza, é a mais mortal em vista do seu pouco tempo, estimando-se mais de 6 mil o número de mortos em menos de duas semanas de massacres de ambos os lados do conflito. É fato que a mãe judia sofre pela filha morta, assim como a mãe árabe, e nenhuma dessas filhas ou filhos mortos são culpados pela guerra sem fim na região. Portanto, proteger as crianças, em qualquer lugar, deveria ser (e é) um direito inalienável desse ser indefeso (Convenção sobre os Direitos da Criança, 1989).
Por outro lado, o infanticídio das guerras não comove os países. No caso do atual conflito no Oriente Médio, todos os países estão protelando para realmente cobrar as responsabilidades do Estado de Israel e punir de forma séria todos os grupos terroristas do mundo e de seus massacres à população civil. Quando um estado com leis e burocracia modernas mata e desloca crianças, mulheres e homens em um êxodo forçado, sem água, sem comida ou energia, comete um crime contra a humanidade (Estatuto de Londres, 1946; Estatuto de Roma, 1998). E tudo isso foi filmado e registrado por meio de comunicações formais, oficiais e pelas redes sociais.
O Estado Israel viola o Estatuto de Roma e comete crime contra a humanidade ao punir de forma coletiva os palestinos (SANCHES, 2023). É certo que o Hamas cometeu um ato terrorista e isso é considerado terrorista pelos EUA, por alguns países da Europa e também por Israel. A ONU, já no dia 10 de outubro afirmou:
A Comissão insta as forças de segurança israelitas e os grupos armados palestinianos a respeitarem estritamente o direito internacional humanitário e o direito internacional dos direitos humanos” [e] “abordar as causas profundas do conflito, nomeadamente pondo termo à ocupação ilegal do território palestiniano e reconhecendo o direito do povo palestiniano à autodeterminação. (PORTAL G1, 2023).
É provável que após o ataque à Israel, a ONU considere também o Hamas um grupo terrorista. Ressalta-se que como grupo terrorista que é, o Hamas não tem responsabilidade internacional (e, pelos fatos, nem em Gaza), por isso, cobrar desse grupo um acordo pautado nos Direitos Humanos é quase impossível. Assim, o Hamas deve ser eliminado financeiramente, porque ele recebe muito dinheiro de vários países (Catar e Irã, como exemplo) e possui armas e foguetes. Somado a isso, outra ação é julgar, de forma rápida e com o rigor das leis, os membros desse grupo já presos em Israel ou pelo Tribunal Internacional Penal, sediado na Holanda. Em uma guerra, como ocorre neste momento entre o Hamas e Israel, é legítimo a morte desses membros terroristas, visto que foram eles que fizeram o primeiro massacre e continuam lançando foguetes em várias localidades de Israel. E mais, segundo o governo de Israel, o Hamas está com 212 reféns, o que deixa a situação ainda mais complexa. No entanto, os reféns devem ser liberados, porque são inocentes, assim como suas famílias. Também não é possível concordar com o cativeiro a céu aberto que estão os palestinos neste momento, Israel isolou os civis de Gaza do mundo. Enfim, Israel deve se defender e pode fazer muito, contudo, perante o Direito Internacional e a civilidade não poderia fazer tudo.
Não podemos aceitar a falta de corredores humanitários, ao cerco feito pelo Estado de Israel ao povo palestino. O Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos (ONU), Volker Türk afirmou:
A imposição de cercos que põem em perigo a vida de civis, privando-os de bens essenciais à sua sobrevivência, é proibida pelo direito humanitário internacional” […]. “Sabemos, por experiência amarga, que a vingança não é a resposta e, em última análise, os civis inocentes pagam o preço. (O Globo com AFP, 2023).
É relevante concordar com Türk e dizer que não se revolve um massacre com outro; em nenhum caso. A diplomacia, ao falhar, não aponta apenas contradições políticas entre os países ou o fracasso da ONU, mas a morte diária de centenas de civis. Sendo assim, o Direito Internacional e seus tratados e convenções devem prevalecer sempre, pois sem o Direito e a diplomacia é a barbárie que vai imperar.
Karl Marx (1997), na abertura da obra “O 18 de Brumário de Luís Bonaparte”, de 1852, afirmou que “A história se repete como tragédia ou como farsa” e, neste atual contexto, a diplomacia se apresenta como farsa, porque os países se juntam para buscar tentar resolver o conflito, mas na realidade é para postergar a paz e reforçar os interesses americanos e israelenses na região. Certamente e, em breve, será possível analisar e entender melhor se a diplomacia trabalhou para resolver os massacres na região ou foi, em boa medida, uma farsa para Israel ficar com 50% ou mais do território de Gaza sob o seu domínio.
Um dia o povo judeu perceberá que estão fazendo com o povo palestino, neste conflito e entendendo que são contextos históricos diferentes, o mesmo que o nazismo fez com eles entre 1935-1945. É evidente que o horror virou espetáculo, a diplomacia virou um misto de vaidades e de fotos para o mundo, por fim, a retórica vazia das grandes potências é mais importante que vidas humanas em Gaza ou em Israel.
Referências
CASEMIRO, Poliana; STABILE, Arthur. ONU diz ter ‘claras evidências’ de que crimes de guerra podem ter sido cometidos por Hamas e Israel. Portal G1. G1: 10/10/2023. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/10/10/onu-diz-ter-claras-evidencias-de-que-crimes-de-guerra-podem-ter-sido-cometidos-por-hamas-e-israel.ghtml Acesso em: 23 out. 2023.
Cúpula no Egito discute guerra Israel-Hamas e termina sem avanços. FSP: 21/10/2023 [online]. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/10/cupula-de-paz-no-egito-reune-liderancas-para-discutir-guerra-israel-hamas.shtml Acesso em: 23 out. 2023.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
Israel diz que água e luz só serão religados em Gaza após Hamas liberar reféns. BBC: 10/10/2023. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c51je4r6rm9o Acesso em: 22 out. 2023.
Líderes internacionais reunidos em uma ‘Cúpula da Paz’ pedem cessar-fogo e ajuda para Gaza. AFP – Português. YouTube: 21/10/2023. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8shbtvwHyzA Acesso em: 22 out. 2023.
MARX. Karl. O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
OLIVEIRA, Debora. Israel investiu US$ 23,4 bilhões em aparato militar, o equivalente a 4,5% do PIB do país em 2022. CNN: 13/10/2023. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/10/cupula-de-paz-no-egito-reune-liderancas-para-discutir-guerra-israel-hamas.shtml Acesso em: 23 out. 2023.
ONU condena ‘cerco total’ de Israel à Gaza e cita violação de direito internacional humanitário. O Globo com AFP. O Globo: 10/10/2023 [Online]. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2023/10/10/onu-cita-a-vida-de-civis-e-diz-que-cerco-total-de-eletricidade-agua-e-comida-a-gaza-e-proibido-pelo-direito-internacional.ghtml Acesso em: 21 out. 2023.
SANCHES, Mariana. Há dois pesos e duas medidas na posição dos EUA sobre Israel e sobre Ucrânia? BBC: 17/10/2023. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cv2e137vzxwo Acesso em: 23 out. 2023.
Sem combustível, ajuda humanitária que chegou à Faixa de Gaza é insuficiente, dizem autoridades palestinas. CNN: 21/10/2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/sem-combustivel-ajuda-humanitaria-que-chegou-a-faixa-de-gaza-e-insuficiente-dizem-autoridades-palestinas/ Acesso em: 23 out. 2023.
*Israel Aparecido Gonçalves é mestre em Ciência Política (UFSCar) e doutorando em Sociologia e Ciência Política (UFSC) e *Maria Aldenora dos Santos Lima é doutora em Educação (UFPR), professora do Centro de Educação e Letras-UFAC. Mestre em Educação (UFAM) e graduada em História (UFAC).
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