O Brasil leva de 2023 para 2024 muitos dos seus paradoxos à espera de decifradores. Esse é um deles: por que a violência cotidiana, principalmente contra as mulheres, não para de crescer, mesmo com os abalos sofridos pela base política e amoral da qual faz parte a maioria dos agressores?
Por que os agressores invariavelmente identificados com o bolsonarismo e o fascismo estão tão ativos quanto estiveram nos quatro anos de extrema direita no poder?
Uma tentativa de resposta: eles sobrevivem como agressores porque o macho bolsonarista ficou desorientado pela perda do poder político que avalizava suas falas e suas atitudes e não consegue puxar o freio, porque nem freio tem.
O macho bolsonarista dava como certa a vitória na eleição. Depois, já inseguro, apostou no golpe. Deu tudo errado e ele foi abandonado até por seus líderes.
Alguns teimam em se agarrar ao autoengano de que continuam protegidos por um Bolsonaro inelegível, mas ainda protagonista, agressivo e falante. Sabem que essa proteção é precária, mas é preciso enganar-se.
Esse macho se sentia autorizado a fazer o que Bolsonaro inspirava. A desproteção o desorientou. Todas as estatísticas sobre violência contra a mulher, que são agressões típicas de bolsonaristas, e todas as atitudes extremadas de violência física mostram aumento de casos este ano.
Homens violentos das polícias militares continuam batendo, atirando e matando negros e pobres. Homens fragilizados pelas circunstâncias políticas ficaram mais violentos em 2023.
Um exemplo é o dos casos de perseguição, que chamam de stalking, em que quase sempre um homem que se considera rejeitado está perseguindo uma mulher com ameaças psicológicas e/ou físicas.
A polícia do Rio Grande do Sul, segundo Zero Hora, registrou em 2002, de janeiro a outubro, 3.343 casos de perseguição no Estado. No mesmo período de 2023, foram 3.963.
Não param de crescer agressões e assassinatos de mulheres, gays, trans. O macho bolsonarista agressor não se contém e segue em frente, porque está programado para agredir.
Era violento sob a proteção do sentimento de impunidade. Sentia-se à vontade porque a violência era da natureza do grupo que estava no poder.
Esse macho era violento sob o comando de Bolsonaro e, quando esperavam que o resgate da democracia iria conter seus impulsos, tornou-se mais violento.
Todas as estatísticas mostram que, ano a ano, a violência vinha crescendo no Brasil. E, mesmo sem a inspiração do poder de Bolsonaro, não para de crescer.
Para seguir no exemplo gaúcho, são 13 casos de perseguição por dia, fora os não registrados. A violência não foi contida pela perspectiva de reversão da sensação de que nada iria acontecer.
O bolsonarista não tem mais Bolsonaro com o palanque do governo, mas tem Nikolas Ferreira e outros com o palanque da Câmara. É a exacerbação do ativismo misógino, transfóbico e racista com mandato.
O bullying virtual que matou a jovem mineira Jéssica Vitória Canedo deve ser examinado nesse contexto. O extremista incorporou às suas ações, também na internet, a índole necrófila de Bolsonaro.
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O processo de resgate da democracia não é capaz de detê-lo. Para o bolsonarista violento, é preciso mais do que perseguir e humilhar, é preciso matar. E, se o perseguido morrer, dizer que ninguém é coveiro.
Esse macho bolsonarista continua sugerindo que matem Lula, porque o sentimento de parte deles, em meio à desorientação, é mais do que o de impunidade. Eles acham que estão apenas temporariamente fora do poder.
O macho bolsonarista precisa ser reprogramado, para que se submeta à nova realidade. Essa é a missão das instituições que se encolheram nos quatro anos de bolsonarismo.
O fascista inseguro, em crise de autoestima, se esforça para provar a si mesmo e ao seu entorno que, mesmo com seu líder fora do poder, ainda consegue ser fascista e violento e ficar impune.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).
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