O Globo plano do reino de Ratanabá
No reino de Ratanabá – ressuscitado como pauta pelo ator Sandro Rocha, que viralizou essa semana ao voltar a dizer que a Terra é plana, Corguinho é o paralelo 19 e há uma malha de campo eletromagnético ainda desconhecida –, cabe até o Globo
Vejam os contrastes de dois títulos publicados este mês, em diferentes dias, na capa do Globo online. Abaixo, o primeiro título:
“Mundo – Governo argentino anuncia sanções severas e toma medidas para limitar protestos contra o plano de austeridade”.
E este é o segundo título:
“Aperto – Cuba anuncia medidas econômicas que aumentarão custo de vida”.
A palavra antes do primeiro título, e que no jornalismo chamamos de cartola ou chapéu, é Mundo. O pacote argentino está no que genericamente chamam de Mundo ou de Internacional e assim está resolvido.
Já as medidas cubanas têm a cartola Aperto, o que já as definem antes do título que vai resumir a notícia. Ao vago Mundo da notícia sobre a Argentina se contrapõe o Aperto da notícia sobre Cuba.
O governo argentino reage aos protestos com sanções severas porque fez um plano de austeridade, uma palavra bonita para o liberalismo e sempre assustadora para a população desprotegida.
O pacote cubano de correção de preços, como aperto que é, segundo o jornal, aumentará o custo de vida, coisa que não é nem mesmo sugerida no título sobre a Argentina.
O que se tem aqui são dois casos exemplares de como a grande mídia aderiu, sem escrúpulos, à tentação de fazer o jogo da extrema direita. Não mais apenas da direita, mas da extrema direita.
Ah, mas sempre foi assim. Sim, sempre foi assim, mas com modulações. Só que agora a Argentina não está, como os liberais brasileiros insistem em dizer, a caminho da implantação de medidas liberalizantes. A Argentina caminha de novo em direção ao autoritarismo político e de mercado.
O plano argentino de Javier Milei é fascista, antes de ser pretensamente liberalizante. É o mais cruel e criminoso conjunto de medidas já adotado contra a população argentina.
Foi na Argentina, e não em Cuba, que o pacote já provocou aumentos de até 100% nos preços dos alimentos. A gasolina subiu 30%. Os planos de saúde aumentaram 40%. A inflação, de 140% em 12 meses quando Milei assumiu, já está em 170%.
Os títulos do Globo não são casuais nem pontuais, são representativos do que os jornalões têm feito nos últimos anos e agora com mais fúria e intensidade desde a posse de Lula.
E assim caminha o jornalismo das corporações no Brasil. Folha, Estadão e Globo estão com outras turmas da direita.
As ideias de liberais com reputação inclusive entre as esquerdas, como Armínio Fraga, Paulo Malan e Luiz Carlos Mendonca de Barros, não contemplam mais as demandas das organizações de mídia preocupadas em sobreviver depois do desaparecimento do eleitor e do leitor de centro.
As turmas de Estadão, Folha e Globo agora são as mesmas de Paulo Guedes, Flavio Bolsonaro, Ricardo Salles, Romeu Zema, Fabrício Queiroz.
Os jornalões que enxergam só austeridade e não veem fascismo na Argentina já pertencem ao reino de Ratanabá. No reino de Ratanabá, o respeito aos contratos, tão caro ao liberalismo, já não vale mais nada.
No reino de Ratanabá – ressuscitado como pauta pelo ator Sandro Rocha, que viralizou essa semana ao voltar a dizer que a Terra é plana, Corguinho é o paralelo 19 e há uma malha de campo eletromagnético ainda desconhecida –, cabe até o Globo.
O jornalismo brasileiro dos jornalões vive nesse reino de Ratanabá, inventado pelos que beberam o chá de cogumelo da horta da extrema direita e potencializaram os delírios dos desorientados com o fim do tucanismo.
O Globo é uma circunferência no centro desse reino das alucinações bolsonaristas, mas não é um globo esférico. O Globo adaptou-se ao bolsonarismo e é plano como uma pizza.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).
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