Enquanto críticos dizem que o campo da Quiropraxia carece de validade científica, pessoas que se submeteram aos tratamentos quiropráticos afirmam que tiveram redução de dor. Embora a maioria dos casos tenha sido realizada sem problemas graves, médicos alertam sobre as consequências de complicações devastadoras na região das vértebras superiores do pescoço
Dana G. Smith, NYT | Tradução: Clara Allain
Procurar um quiroprata virou uma parte assistência médica, tanto que 15% dos adultos nos Estados Unidos o fazem a cada ano. Críticos dizem que o campo carece de validade científica, mas os tratamentos quiropráticos aliviam a dor de muitas pessoas, e na imensa maioria dos casos são feitos sem problemas.
Contudo, dada a natureza delicada da coluna, especialmente das vértebras superiores do pescoço, as consequências de complicações podem ser devastadoras. Existe uma lesão em especial que provoca preocupação grave: a dissecção arterial, em que vasos sanguíneos que levam sangue do coração ao cérebro são rompidos. Em alguns casos, o paciente pode não perceber a lesão, e esta pode se curar sozinha. Em outras, o rompimento na parede arterial pode levar à formação de um coágulo, resultando em um AVC (acidente vascular cerebral) ou até mesmo levando à morte.
Não está claro até que ponto essa complicação é comum após um atendimento quiroprático. Uma estimativa aponta para uma dissecção arterial em cada mil manipulações do pescoço, outra, para uma em cada 5,8 milhões (três dos quatro autores desse segundo estudo trabalham para associações de quiropraxia).
Devido à gravidade da lesão, porém, muitos especialistas em coluna alertam que a manipulação quiroprática do pescoço pode ser perigosa. Veja o que é bom saber se você estiver pensando em buscar esse tratamento para sua dor no pescoço.
Os riscos da manipulação do pescoço
As manipulações quiropráticas envolvem movimentos de alta velocidade e baixa amplitude com a espinha. “Levamos a articulação até seu alcance limitado e damos um empurrão muito rápido sobre essa junta. Esse é o aspecto de alta velocidade”, diz William Lauretti, professor de terapias quiropráticas integradas no Northeast College of Health Sciences e porta-voz da Associação Americana de Quiropraxia. “Mas a movimentamos num alcance muito pequeno –essa é a baixa amplitude.”
A preocupação com rompimentos arteriais é específica das manipulações do pescoço. Isso é em parte porque o pescoço tem mais mobilidade e, por isso, é mais suscetível a lesões. O tronco é protegido pelas costelas, razão porque a região lombar não gira tanto. As grandes artérias que distribuem sangue do coração para o cérebro passam pelas vértebras do pescoço, e isso torna os vasos sanguíneos nessa região mais vulneráveis.
“Quando você vira o pescoço de um lado para outro, esses vasos giram dentro do osso”, afirma a neurocirurgiã Betsy Grunch, de Gainesville, Geórgia. “Se você virar a cabeça muito rapidamente ou se voltar muito rapidamente, como pode acontecer em um acidente de carro ou numa manipulação manual, o vaso pode sofrer uma torção repentina”.
Os sintomas mais comuns de uma dissecção arterial são dores de cabeça, tontura e vertigem. Também podem ocorrer fraqueza, entorpecimento ou paralisia lateral.
Num caso ocorrido no ano passado amplamente noticiado, uma universitária de 28 anos chamada Caitlin Jensen sentiu tontura e náuseas após um quiroprata manipular seu pescoço. O profissional chamou o número 911 e, no hospital, os médicos determinaram que Jensen apresentava rupturas em quatro vasos sanguíneos, levando a um AVC e uma parada cardíaca.
Hoje, nove meses mais tarde, a estudante está voltando a falar novamente, embora ainda não consiga caminhar ou engolir. O lado direito de seu corpo ficou paralisado, assim como suas cordas vocais. A mãe dela, Darlene Jensen, disse ao New York Times que sua filha está melhorando, mas que o processo é lento.
“É muito animador quando temos dias que são bons e sessões de terapia boas”, diz Jensen. “Mas há outros dias em que Caitlin tem dificuldade com as coisas. É muito frustrante e emocionalmente difícil. Ela só quer sua vida normal de volta.”
É virtualmente impossível saber até que ponto são comuns os casos como o de Caitlin Jensen, porque “não existe um sistema de monitoramento para registrar esses fatos”, escreveu em email Edzard Ernst, professor emérito de medicina complementar na Universidade de Exeter, na Inglaterra.
“Muitos pacientes processam o quiroprata e resolvem com um acordo extrajudicial. Muitos pacientes sofrem um AVC e podem não vincular isso à manipulação.” (Darlene Jensen diz que a seguradora do quiroprata pagou a indenização que foi pedida sem fazer objeção.)
Um estudo abrangendo mais de 50 mil manipulações cervicais constatou que cerca de 16 em cada mil resultaram em desmaios, vertigens e tonturas. Outros pesquisadores procuram avaliar o risco trabalhando de trás para frente: localizando pessoas que sofreram uma dissecção arterial e determinando se uma parcela importante delas teve seu pescoço manipulado por um quiroprata anteriormente. Por exemplo, um estudo pequeno descobriu que 15% das dissecções arteriais ocorrem após uma atividade esportiva e 11% após uma manipulação quiroprática.
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Vários estudos revelaram que o risco de dissecção arterial e AVC é três a 12 vezes maior em pessoas que passaram por uma manipulação recente do pescoço.
Para Grunch, que trata um ou dois pacientes a cada ano com a lesão, a conexão é evidente. “A dissecção arterial é uma complicação conhecida da manipulação da espinha”. Assim, embora o risco seja raro, ela desaconselha fortemente a manipulação do pescoço por um quiroprata.
Alan Hilibrand, diretor de cirurgia da coluna no Instituto Ortopédico Rothman, na Filadélfia, e ex-presidente da Sociedade de Pesquisas da Espinha Cervical, aponta que não há nenhuma prova inequívoca na literatura científica que ligue a quiropraxia à dissecção arterial. Mas acrescentou que se sente “muito desconfortável” com ela e alertou os pacientes que a manipulação do pescoço pode ser perigosa.
Quiropratas são criticados injustamente?
Muitos quiropratas rejeitam a ideia de que seus tratamentos possam provocar dano tão grave. Eles apontam para revisões que não encontraram nenhuma ligação entre manipulações do pescoço e rompimentos arteriais e pesquisas que mostram que pessoas que se consultaram com um clínico geral têm tantas chances de sofrer um AVC nas semanas seguintes quanto pessoas que foram a um quiroprata.
Em vez disso, dizem, uma consulta com um quiroprata é mais frequente uma consequência de uma dissecção arterial, e não sua causa.
“Esses pacientes tiveram uma artéria lesionada de alguma maneira”, diz Lauretti, provocando dores no pescoço e de cabeça. “Algumas procuram o clínico geral, outras vão a um quiroprata. Se o paciente sofre um AVC após a consulta com o quiroprata, a culpa é atribuída ao quiroprata.”
Lauretti acrescenta que, quando um paciente procura um quiroprata porque está com dor no pescoço, o profissional precisa realizar um exame completo para excluir quaisquer sinais de perigo antes de realizar uma manipulação do pescoço.
Reconhecendo a fragilidade do pescoço, alguns profissionais adotam uma abordagem mais conservadora quanto tratam essa área. Philip Cordova, de Houston, aponta que em seu consultório ele não vira muito o pescoço dos pacientes para minimizar o risco de lesões. Alguns lhe dizem “‘não quero que você mexa no meu pescoço’, e tudo bem”, diz Cordova. “A gente trabalha de outra maneira.”
O risco de complicações decorrentes do tratamento quiroprático de outras partes da coluna é baixíssimo, e algumas pesquisas sugerem que a prática é tão benéfica quanto o exercício físico praticado em casa, a fisioterapia e medicamentos. Por isso, muitos neurocirurgiões e ortopedistas –incluindo Grunch e Hilibrand— às vezes encaminham pacientes para quiropratas para tratar de questões não relacionadas ao pescoço.
“Acho totalmente apropriado incorporar o tratamento quiroprático como parte de um plano de tratamento conservador”, pontua Grunch.
Hilibrand concorda. “Eu não hesito em encaminhar os pacientes a um profissional que conheço”, ele diz. “Muitos desses profissionais oferecem um atendimento muito bom.”
O que fazer para amenizar a dor no pescoço?
Os acidentes decorrentes de manipulações quiropráticas são muito incomuns, mas, devido à sua gravidade potencial, pode ser melhor evitar o quiroprata se você estiver com dor no pescoço. Felizmente, existem outras opções.
A primeira linha de tratamento que Hilibrand recomenda são analgésicos vendidos sem receita, juntamente com fisioterapia. “Oitenta por cento das pessoas com dores no pescoço melhoram nas primeiras seis semanas, basta essas duas intervenções”, afirma.
Se a dor persistir, pode ser o caso de optar por terapias alternativas, como a acupuntura ou uma técnica de massagem conhecida como liberação miofascial. Você pode ir ao quiroprata para fazer terapia manual mais suave ou de tração, que envolve alongamentos ou movimentos menos agressivos e mais controlados (mas, segundo Hilibrand, em casos de compressão da espinha as pessoas devem evitar a quiropraxia). Injeções de esteroides também podem ajudar a reduzir a dor e inflamação.
Em algumas situações, como último recurso, pode ser necessária uma cirurgia, mas especialistas dizem que tratamentos não invasivos frequentemente resolvem o problema.
“A maioria dos pacientes com dor aguda no pescoço ou nas costas não precisa de cirurgia”, diz Grunch. “Precisam apenas de um bom plano de tratamento conservador, bem balanceado.”