Rodrigo Juste Duarte e rede de pesquisadores do Observatório da Cultura do Brasil
Diversas polêmicas envolvendo leis de incentivo à cultura tiveram início no país desde setembro, por ocasião do lançamento de editais da Lei Paulo Gustavo (LPG) e até mesmo por uma questão envolvendo a Lei Aldir Blanc 2 (LAB 2). As controvérsias acabaram rendendo em uma mudança nas políticas públicas por parte do MinC (Ministério da Cultura), em uma vitória do meio artístico e das expressões culturais para diminuição de um problema histórico em editais de cultura.
Porém, a mudança não foi resultado apenas de episódios recentes. Desde o começo deste século, estes mecanismos são fruto de discussões, em especial a Lei Rouanet, que até passou por CPI e operação da PF em 2016. Enquanto críticos culpam artistas famosos, os defensores não aceitam qualquer reflexão ou análise quanto à boa ou má aplicação.
Nos governos Temer e Bolsonaro, o segmento passou por forte desmonte de leis e queda do montante de recursos para o setor. Enquanto o segmento cultural ainda se recupera de uma crise sem precedentes, foi observado que durante a pandemia as políticas públicas assistenciais e emergenciais da Lei Aldir Blanc 1 (LAB 1) dedicadas a apoiar os trabalhadores da cultura, mantiveram um caráter excludente de editais de artes com análise de mérito.
Leia aqui todos os textos de Eduardo Bonzatto
Um estudo de caso confirma um problema histórico da concentração de recursos, que se reproduz em níveis nacional e local. O estudo foi realizado pelo Observatório da Cultura do Brasil (OCB) em um comparativo de 192 editais de cultura entre 2015 e 2023 (incluindo recursos da LAB 1 entre 2020 e 2022), que aponta que uma ínfima parte do setor (0,1%) recebeu até 20 prêmios, enquanto uma minoria (3%) recebeu apenas um auxílio da Lei Aldir Blanc e a grande maioria dos trabalhadores do setor simplesmente não recebeu recursos. Este estudo de caso comprova um problema que se repete por todo o Brasil. O relatório preliminar está disponível no painel de dados da LAB:
https://linktr.ee/PainelDeDadosDaLAB.
Um panorama semelhante foi visto a partir de 2020 quando foi criada a LAB 1 para sanar o impacto da pandemia no setor. Pelo Brasil afora foram relatados casos de aplicação inadequada de seus recursos emergenciais e assistenciais, com denúncias da sociedade civil de que as verbas não chegaram à maior parte dos detentores de direitos culturais e trabalhadores do entretenimento e da cultura mais necessitados, devido à forma de distribuição por meio de editais burocráticos. Também foram denunciados casos de servidores públicos premiados, concentração de prêmios de editais em determinados proponentes, exclusão de segmentos, entre outras irregularidades. Muitas destes casos foram confirmados por auditorias realizadas pela CGU (relatório nº 1274864/2023) e pelo TCE-PR (em setembro de 2021). Recentemente, em 30/09, integrantes da sociedade civil do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC, do MinC) publicaram uma carta pública confirmando que houve erros na Lei Aldir Blanc 1 em todo o país.
Segundo especialistas ouvidos pelo OCB, erros da LAB 1 podem se reproduzir na LAB 2 e LPG. Recentemente, houve questionamentos em diversas partes do Brasil. Por exemplo, na Bahia entidades do audiovisual baiano contestaram uma consulta pública da LPG e questionaram a previsão de valores que serão distribuídos pela Lei. No estado de São Paulo, artistas e produtores culturais pediram a revogação de editais da Lei Paulo Gustavo, alegando “arbitrariedades”, como prazos inviáveis, burocracias e exigências que excluem produtores locais e podem causar concentração de recursos. A secretária da Cultura, Marilia Marton, informou (em 26/09) ser favorável a mudanças, se o prazo para o repasse dos recursos for estendido. Em resposta, foi apresentado pedido de urgência ao PL 3942/2023, protocolado em 26/09 pelo deputado federal Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), que prorroga o prazo de execução de recursos para 30/06/2024. Em 25/10, os editais foram suspensos até que seja realizada uma audiência de conciliação, após determinação da Justiça.
A Lei Aldir Blanc 2 foi regulamentada por decreto em 23/10. Antes, passou por alterações questionadas pela classe: o Projeto de Lei 4.172/2023 (aprovado no Congresso e que aguarda sanção) repassa 30% dos 3 bilhões previstos para obras e serviços de engenharia, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e para o fomento à Política Nacional Cultura Viva (um fórum alegou que o projeto foi feito sem consulta pública).
A aprovação foi comemorada pelo MinC como vitória da cultura, mas foi mal vista pela classe que, em reunião online em 05/09, com cerca de 300 lideranças de todo o Brasil, fizeram duras críticas diretamente aos secretários do ministério. Os membros da sociedade civil do CNPC lançaram carta informando que não foram consultados sobre o PL.
Como consequência destes e de diversos outros episódios pelo Brasil, o Ministério da Cultura (MinC) fez o Comunicado CGLPG/MINC N. 4/2023 em 20/09 orientando gestores públicos de cultura dos estados e municípios para que executem editais menos burocráticos, mais inclusivos, e ainda incentivando o controle social e fiscalização dos recursos, enquanto informa o risco da responsabilização de gestores. Os membros da sociedade civil do CNPC/MinC solicitaram que erros da LAB 1 não se repitam na LPG e LAB 2.
“O MinC recuou diante de anos de pressão popular, na soma de sociedade civil, pesquisadores e imprensa. Os resultados mostram que mudanças representativas estão ocorrendo”, afirma o Observatório da Cultura do Brasil.
“Os estados e municípios passam a se obrigar a alterar as políticas culturais para que sejam mais transparentes, mais inclusivas e menos burocráticas. É uma vitória de todos os envolvidos nas apurações do caso da Lei Aldir Blanc após a realização de denúncias, pesquisas, reportagens, relatórios e proposições. As propostas foram incorporadas com 3 anos de atraso em relação à demanda popular. Mas agora, com pressão social, o MinC promoveu mudanças há muito esperadas”.
→ SE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI… Saiba que o Pragmatismo não tem investidores e não está entre os veículos que recebem publicidade estatal do governo. Fazer jornalismo custa caro. Com apenas R$ 1 REAL você nos ajuda a pagar nossos profissionais e a estrutura. Seu apoio é muito importante e fortalece a mídia independente. Doe através da chave-pix: pragmatismopolitico@gmail.com