Luiza Vidal, VivaBem
O nascimento de Rhuan foi marcado por alegria, mas também por tristeza e despedida. A mãe Halana Santos Souza, 29, teve morte cerebral durante a gravidez e, até que o filho ganhasse peso suficiente na barriga dela, a equipe médica precisou mantê-la em aparelhos por 42 dias no Hospital Infantil Francisco de Assis, em Cachoeiro de Itapemirim (ES).
O dia em que o bebê nasceu, em junho de 2023, também marca a data em que os aparelhos foram desligados pela equipe e a mãe partiu.
“No dia 27 de junho, sabíamos que ela iria para o centro cirúrgico e que não a veríamos mais. Doeu e dói muito até hoje. Não sei quando vai passar. Mas o importante é que o Rhuan está bem”, relatou a mãe de Halana, Adailda Benedita.
“Fui a única a assistir ao parto. Foi um misto de sentimentos: sabíamos que a chegada do Rhuan seria a despedida da Halana. Foi muito triste”, disse avó paterna de Rhuan, Aline Vicente Maria da Silva.
Quadro infeccioso e hemorragia
No começo de maio, Halana estava grávida e começou a sentir febre, dor no corpo, náusea, diarreia. Ela foi levada ao hospital depois que os sintomas não passaram.
Halana foi atendida e medicada, mas, com o passar dos dias, começou a sentir falta de ar e as dores pioraram. Ela precisou de uma transfusão de sangue, segundo Adailda.
O médico, então, explicou que, por causa das complicações, Halana deveria ser intubada.
“Não queria contar para Halana porque ela ficaria nervosa. Mas ela percebeu e falou que eu não sabia mentir. E essas foram as últimas palavras com ela. Quando voltei ao quarto, estava intubada”, admitiu Adailda.
Segundo Adailda, Halana teve um quadro infeccioso que resultou em AVC hemorrágico. “Os médicos disseram que o antibiótico estava combatendo a infecção, que tinha dado respostas, mas o estado era grave”, diz.
Quando os médicos tiraram a sedação, Halana não apresentava mais sinais vitais. Ela teve morte cerebral, quadro irreversível, em que há ausência das funções cerebrais.
“Para mim, acabou tudo naquele momento. Sabia que ela não estava mais ali. A expectativa era se desligava ou não os aparelhos. Fizemos uma reunião com os médicos e foi muito difícil. A decisão, no final, era deixar o Rhuan na barriga de Halana até ele ganhar peso e nascer”, explicou Adailda.
“‘Nunca esqueci a fala do meu filho [pai do bebê]: ‘Não vamos desligar. Onde há vida, há esperança'”, disse Aline, avó paterna de Rhuan.
Início da gravidez
Halana tinha anemia falciforme, uma doença caracterizada pela alteração dos glóbulos vermelhos do sangue, e, por isso, decidiu se consultar com a médica que a acompanhava para saber como seria a gravidez.
“A médica disse que a Halana poderia engravidar, mas seria algo de risco (…) Ela conheceu várias meninas com anemia que engravidaram e tinha dado tudo certo”, disse Adailda.
Halana ficou feliz quando os profissionais de saúde disseram que o útero dela estava pronto para receber a gravidez e que não havia impedimento, segundo Adailda. Em março, ela descobriu que estava grávida de dois meses e meio.
“Foi só alegria. Ela iria reformar a casa para a chegada do neném. Durou pouco tempo, mas todo mundo ficou muito feliz pela gravidez”, afirmou Adailda.
136 dias internado
O bebê, prematuro extremo, nasceu quando a mãe completou 26 semanas de gestação. Rhuan pesava 825 gramas.
Ele recebeu alta no dia 9 de novembro depois de passar 136 dias (quase 5 meses) internado no hospital.
“Rhuan é um milagre de Deus, com a ajuda da medicina e da tecnologia. Quando ele nasceu, era tão pequeno que cabia na palma da mão. Pedíamos muito para que o corpo da Halana aguentasse e não parasse para ele conseguir viver”, contou a avó materna.
“Rhuan poderia não sobreviver mesmo com toda a assistência do hospital”, afirmou Aline, avó paterna de Rhuan. “Eles foram bem realistas sobre as possibilidades: ele poderia nascer, mas não aguentar ou ainda ter sequelas. Uma situação dolorosa principalmente para meu filho e a mãe da Halana”.
Bebê teve algumas complicações por causa da prematuridade, mas que foram tratadas durante o tempo internado.
Tecnologia entre dois hospitais
O caso de Halana contou com a ajuda do projeto TeleUTI, iniciativa do Ministério da Saúde com o Hospital das Clínicas, na USP. O TeleUTI surgiu na época da pandemia para atender gestantes e puérperas, mas teve continuidade para reduzir mortes maternas. Assim que Halana teve morte cerebral, a equipe do Hospital Infantil Francisco de Assis entrou em contato com profissionais do HC.
“A ideia é compartilhar nossa experiência em casos raros e complicados com outros hospitais. A gente só discute o caso com a equipe que está acompanhando a paciente. Quem toma todas as decisões são eles –e não nós”, explicou Rossana Francisco, professora da Faculdade de Medicina da USP e diretora da Divisão Obstétrica do HC.
Com um diagnóstico como o de Halana, a pessoa perde todas as funções cerebrais. Se for desejo da família, é possível controlar o quadro com medicamentos e equipamentos, segundo Rossana.
“Com uma gravidez, é preciso manter o fluxo sanguíneo até o útero e controlar a parte nutricional do bebê em uma tentativa de que a gestação avance até tempo suficiente para a criança nascer e sobreviver”, esclareceu a professora Rossana.
Parte emocional é muito difícil para a família. É necessário explicar todos os riscos que o procedimento envolve e que, apesar de todo esforço, a criança pode não sobreviver, explica a médica.
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