LE TEMPLE
Eduardo Bonzatto*, Pragmatismo Político
“Através deste asqueroso cemitério do universo, ouvi um estrondo abafado, vindo de camadas escuras e inconcebíveis localizadas muito além do tempo…
Onde dançam lenta e desajeitadamente os últimos deuses, gigantescos e sombrios”.
Em 2008, o designer argentino Hernan Rodriguez lança por Edições Emmanuel Proust-Atmosferas, Le Temple, contendo cinco contos do mestre do terror cósmico Howard Philips Lovecraft.
Sob muitos aspectos é uma obra única. E isso não é dizer pouco, já que muitos foram aqueles que adaptaram os contos lovecraftianos. Para citar apenas alguns, Estevan Maroto, Alberto Breccia, Gou Tanabe, François Baranger.
A opacidade dos cenários lovecraftianos é uma das características mais desafiadoras para qualquer um que tente enfrentar os contrafortes de ilustrar seus contos.
Manter uma atmosfera sombria sem que as linhas narrativas se percam em grandiosas elocubrações visuais só pode ser conquistada com uma invenção de luzes diáfanas que invadem a página e encubram os traços, coisa que o quadrinista argentino consegue sem aparente esforço, apenas delineando sobre as formas o grotesco e o assustador que escapam pelos olhares.
Uma luminosidade que se alterna de um conto a outro, ora azulada, ora esverdeada, ora pálida luz amarelada como se tudo ocorresse no subterrâneo de uma mina de sal, transfere todo o poder da sugestão que é a força dessa obra visual.
Difícil entender sua linhagem como quadrinista. Mas certamente o expressionismo alemão marca presença no modo teatral das feições e os cortes rápidos devem sua pertença aos woodcuts de Frans Masereel.
Hernan Rodriguez sabe muito bem recriar os universos através dos roteiros deixados pelos contos, sem desvalorizar em nenhum momento a obra de Lovecraft.
As dificuldades de encontrar a obra valem a pena, pois as imagens criadas por Hernan são como mapas que se ocultam sob a luminosa reverberação das mais incógnitas paisagens subterrâneas imaginadas pelo autor de Providence.
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Sei como é difícil tecer comparações quando tratamos de quadrinistas que se debruçam sobre as mesmas obras, mas o caso de Hernan Rodriguez é bem singular.
Seu traço apurado é ao mesmo tempo grandioso e depurado de exageros, marcando a página com uma aura de mistério.
Sabemos que Lovecraft tinha expurgado de sua obra qualquer vestígio de erotismo, mas Hernan, diferentemente de Alan Moore quando ousa enfrentar os limites de Lovecraft, mantem sob a pele uma ambientação sempre potente, com ares saturados de volúpia, em que os personagens transitam densos, oprimidos pelo ar rarefeito de erotismo.
Será nos corpos que essa potência há de se revelar e curiosamente, a suposta homossexualidade nunca assumida do autor, vive nesses contos em latência, vibrando em cada músculo, em cada ruga, em cada olhar com uma sensualidade sempre contida.
Observe a capa e vai sentir a extensão que Hernan Rodriguez impõe a esse Lovecraft ainda pouco conhecido.
*Eduardo Bonzatto é professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) escritor e compositor
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