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Música-Corpo

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Eduardo Bonzatto*, Pragmatismo Político

Para minha doce Anie

Os elementos fundamentais da música são melodia, harmonia e ritmo.

Ouvir a música não significa separar esses elementos. Eles compõem um todo cuja experimentação é plena.

A recepção será exercida por qual elemento fraturado em nós? Será que recebemos a música com algum órgão especialmente dotado para identificar sua totalidade? Quando a ouvimos, tratamos de distinguir em nós mesmos os elementos de nossa própria separação?

Aqui estamos na fronteira entre o corpo e a mente, tantas vezes glorificado pelos modos do império cognitivo.

A música-fluxo é a condição de um corpo integrado, iletrado, irreverente em sua compostura elegante. Pois não ouvimos com a mente, ouvimos com todo o corpo e eis que por vezes ele começa a se mover, ritmadamente, consoante os acordes e a harmonia.

A sincronia corpo-música como elemento ancestral irradiado por extensões que não podemos imaginar é a composição de uma percepção que a mente não pode conter, não consegue analisar, não permite reduzir.

Como a música não se fragmenta, o corpo também não pode se fraturar em elementos distintivos. O corpo é tudo com o mundo.

Por mais que pretenda dissimular o audível, o corpo se integra em cada parte no azimute modal da audição plenamente.

Na música, o horizonte está na mesma conexão que o observador, em graus difusos e convergentes.

Somos a música e plasmamos a sonoridade como parte singular da vibração celular. E nesse mais íntimo dado de nossa existência, emergimos até que o corpo todo se integre na experiência corporal da audição.

Importante notar que não há necessariamente uma disposição para o gosto, assim como não há uma seletividade para o barulho, pois todo som terá em nós ressonância.

O meio de propagação do som no meio líquido de nossa composição da mesma forma harmoniza estados de espírito inesperados. Somos água, somos líquidos com o som, produzindo uma música muito diversa da que ocasionalmente escutamos

Leia aqui todos os textos de Eduardo Bonzatto

O que quero dizer é que não podemos garantir a identificação oitiva com o repertório que carregamos ao longo da vida. Apenas por uma redução operamos com o gosto.
O refinamento de Bach e a grosseria do funk estão no mesmo nível auditivo para o corpo. Não separamos no nível celular as emissões sonoras e em todas operamos de modo conectivo. Claro que podemos promover incômodos ou acomodações, mas isso está reservado a dispositivos de ausência apenas.
Se a pele é nossa grande boca, cada célula é um ouvido, uma distração sonora, um replicador tonal.
Nosso corpo é a sinfonia perfeita do cosmos emitindo, transmitindo, retransmitindo, percutindo filamentos sonoros de modo ininterrupto.
E não são apenas as mínimas ou semimínimas, mas os imensos glossários cujos constructos sonoros edificam catedrais.
O corpo compõe com todo entorno, dinâmica produtiva em cada linha sonora que emitimos, coração, sucos gástricos, dores de cabeça. Utilizando ocasionalmente o fade.
Fade, em engenharia acústica, é o aumento ou diminuição gradual do nível de um sinal de áudio. Uma canção gravada pode ser gradualmente reduzida ao silêncio durante sua conclusão ou ter seu volume gradualmente aumentado durante o início. Fade out ou fade in, segundo desejamos aumentar ou diminuir a frequência com que o corpo promove sua interação.
Frequentemente, o padecimento do corpo acontece quando as interações produzem ruídos e desconfortos. Quando o entorno promove esforço para aceitação, para o reconhecimento ou o julgamento em que o conglomerado sonoro rebate insistentemente os abraços, incomodado com sua indesejável condição no mundo.
Todo estresse que submetemos ao corpo pode ser fruto das insatisfações musicais vibrando sem ressonância. Mas igualmente, toda amorosidade que tecemos produz uma música desejante, vibracional e que transforma o corpo num receptáculo amoroso de reciprocidade harmônica.
O amor harmoniza os corpos produzindo sempre novas canções, em que cada célula se une para expansão criativa, distributiva, não abrasiva, tornando a vida numa dimensão multiespectral capaz de romper os limites mesquinhos de qualquer sistema em proveito de renovações espirituais.
Meu corpo toca a mesma música que o teu e assim, juntos, criamos harmonias que ainda não foram compostas para a realidade, gerando dimensões novas e intrigantes e quando nos amamos na presença e em dobras quânticas, ouvimos essas filigranas sonoras que vibram de prazer e desejo, ampliando sempre as harmonias integrais para uma vida boa.

*Eduardo Bonzatto é professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) escritor e compositor

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