PSIKUY, CLAUDIO SETO E FRANCO DE ROSA, A BUSCA POR UM QUADRINHO MÍTICO
Eduardo Bonzatto*, Pragmatismo Político
Há algum tempo escrevi um texto homenageando Claudio Seto. Sempre me fascinou sua visão original sobre as histórias em quadrinhos, antecipando muito do que só algum tempo depois seria produzido no Japão.
Nas pesquisas que fiz então, surgiu referência à fase em que ele, já psicólogo, resolveu produzir histórias nessa direção. Mais original que isso não poderia ser.
O artigo que li dizia da história Psikuy e imediatamente iniciei pesquisas para encontrar aquela que seria uma das histórias míticas de minhas buscas.
Minha namorada se tornou especialista em encontrar as raridades de quadrinhos para o meu paladar. Exemplos dessa habilidade pode ser o THTRU, última obra do mestre argentino Rodolfo Zala; a hoje raríssima edição de Masao Ono da obra de Sérgio Macedo, O Karma de Gaargot; e a mais rara de todas as histórias em quadrinhos, Saga de Xam, de Nicolas Deville e Jean Rolin.
Mas a misteriosa obra de Claudio Seto estava inencontrável. Vasculhamos a gibisfera em busca de qualquer informação que pudesse nos dar uma pista e por muito tempo permanecemos na obscuridade de uma obra misteriosa. Faz parte das aventuras dos colecionadores esse tipo de rastreio e de ineficácia. Mesmo para os mais habilidosos.
Recentemente, lendo a publicação de O Judoca, de Fhaf, nos textos introdutórios, a informação que me faltava. Lá pela página 28 a referência. Psikuy havia sido lançada na revista da Edrel, Gibi Moderno 13. Era do que precisava para iniciar uma busca mais refinada.
Na primeira tentativa, eis que a revista estava a venda no mercado livre. Um preço salgado, mas não podia perder.
Fiquei aguardando a chegada, mas eis que recebo um email informando o cancelamento da compra. Sabia que estava muito fácil pelo trajeto comprido até o momento.
Pedi socorro àquela que tem a habilidade eleusiana das descobertas mais difíceis e eis que ela me avisa que falou com Franco de Rosa sobre a revista e que este se prontificou a lhe informar em quais revistas a misteriosa história havia saído. Em pouco tempo veio a informação, uma edição comemorativa dos quadrinhos da Edrel lançada em 1991 pelo ed. Nova Sampa, com o título Estórias Adultas. Segundo ele, toda Psikuy estava ali. E fez mais, deu a ela um contato de um colecionador que tinha a revista.
Em sua postagem no instagram, Franco de Rosa, o editor da revista, afirma:
Quadrinhos Preteridos:
Superalmanaque Keizi Komix Estórias Adultas.
Está edição, lançada pela Editora Nova Sampa em 1991, é uma das que mais tenho orgulho de ter editado. Foi feita em homenagem a Minami Keizi. Então, o maior produtor e escritor de livros da chamada “literatura de bordas” da empresa.
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Neste livro, de 256 páginas, impresso no tamanho 14×21 cm, em papel jornal, reuni obras dos principais autores que mestre Minami dirigiu e editou nas páginas de Estórias Adultas – Gibi Moderno. A revista em quadrinhos da editora Edrel, fundada por Keizi em 1966, e fechada pela Censura Militar em 1974.
Pois… Este volume é um gibizão com obras de Cláudio Seto, Fernando Ikoma e Paulo Fukue. A trinca de artistas que formava o pilar da Edrel.
Mais os quadrinhos pop, inovadores de Liesenfeld. Os cartuns geniais mudos assinados por Rau, FAB e Lucaz.
Com aventuras de samurais, como “Os Fracos Também Matam”, o western “Django Não Perdoa”, séries psicológicas como Psikuy e Neohorror. De humor, como Maria Erótica e Zero Zero Pinga e a dramática A Gang do Playboy.
Os roteiros adultos, inteligentes, inventivos, inovadores, instigantes e provocativos conduziram a revista ao seu fim. Assassinada pela Censura Federal.
Os desenhos, em preto e branco, e, algumas vezes com mais uma cor especial, eram absolutamente inovadores. Completamente diferentes do status quo. Nada a ver com Disney, DC, Marvel, e as tiras da King Features que dominavam as bancas de então.
Estórias Adultas espelhava no Brasil o quadrinho de arte autoral, europeu. E, principalmente o mangá adulto, o gekiga, do Japão. Até no formado da revista: 18 x 26 cm, com 128 páginas. Com grampos. O padrão do formato mangá no Japão até a década de 1970.
O quadrinho de arte, assim como o gekiga, surgiram em meados da década de 1960. Estórias Adultas em 1969. É só publicava quadrinhos brasileiros.
A magnífica capa deste superalmanaque, que mostro aqui, foi pintada por Hector Gomes Alisio, que não fez parte da Edrel. Pois era bem jovem na época daquela editora e ainda morava na Argentina.
Mas as negociações com o colecionador indicado não progrediram e voltamos à caça do quadrinho misterioso, cuja busca só ficava mais intensa e febril.
Procurando pela capa da revista, acabei chegando no Instagram do Franco, com as informações específicas, sem as quais, as buscas na rede são muito complicadas. Eis que no site da estante virtual estava lá, repousando, até mais do que uma, a um preço justo e razoável.
Dessas aventuras vivem os colecionadores, sempre buscando elementos raros que podem não ser cobiçados por muitos, mas cuja pesquisa torna essa parte da nossa vida uma delícia, ligados a teias que espalham sinais por cantos aparentemente obscuros.
Sobretudo, tais jornadas me ligam à essa pessoa que entende e sente minhas idiossincrasias com a mesma alegria, a mesma energia e a mesma amorosidade, que faz das teias os liames de uma toca tão apropriada para um convívio eterno.
Agora, de posse do tão aguardado quadrinho, posso dizer sem sombra de dúvidas, é um quadrinho insular, uma criação única num mar de originalidades.
Psikuy é um quadrinho insular.
*Eduardo Bonzatto é professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) escritor e compositor
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