Não há excesso de pessimismo em se imaginar que o sistema de Justiça pode nos oferecer em algum momento as seguintes conclusões: Jair Bolsonaro não liderou o golpe, não comandou a sabotagem contra a vacina da Covid, não ordenou o genocídio dos yanomamis e não mandou matar Marielle.
De todas as hipóteses acima, só uma não resultou ainda em investigação contra o homem que começam a chamar de quase-preso: é a que trata do assassinato de Marielle Franco.
Ainda não. Mas essa hipótese é, por especulações que circulam há anos na internet, uma das que sobrevivem até aqui. Metade do Brasil torce para que Bolsonaro ou alguém da família seja o mandante do crime.
É uma especulação que fica abalada – e que depende de mais uma hipótese complementar, a ser construída, para continuar viva –, a partir do que teria sido revelado na delação do matador Ronnie Lessa.
Mesmo que a Polícia Federal não confirme a formalização da colaboração de Lessa, o que está publicado em toda parte é que o mandante seria o ex-deputado e conselheiro do TCE do Rio Domingos Brazão.
Há uma reversão de expectativas com o que seria o conteúdo da delação. As informações que se acumulam destroem a tese e a intuição dos que veem Bolsonaro implicado na execução.
Temos coincidências que não evoluem para além do acaso. A cidade do Rio de Janeiro tem 3 milhões de domicílios. Mas Ronnie Lessa e Bolsonaro eram vizinhos no mesmo domicílio na Barra da Tijuca, o mesmo endereço em que o ex-policial Élcio Vieira de Queiroz, envolvido na morte de Marielle, apareceu um dia perguntando pelo seu seu Jair.
Bolsonaro, o quase-preso, manteve relações com o entorno familiar de Domingos Brazão e até concedeu passaporte diplomático a parentes do ex-deputado. Mas é mais um acaso.
O que se tem é que o mandante do assassinato de Marielle teria sido Brazão, e não o quase-preso Bolsonaro, como ainda especulam, mas apenas como torcida.
Há indícios de crimes nos casos da sabotagem à imunização na pandemia, da organização do golpe tabajara, da falsificação do cartão de vacinação, das muambas das arábias e do genocídio de yanomamis.
Mas não há indício, apenas acasos e coincidências, sobre o possível envolvimento de Bolsonaro e de alguém da família com a morte de Marielle.
E eles odiavam Marielle. Metade do Brasil esperava que, além de indícios, aparecessem as provas do envolvimento dos Bolsonaros com o crime. Nada aparece.
E o que se noticia da delação não confirmada oficialmente é que Ronnie Lessa joga a culpa no colo de Brazão. Mas Brazão, apesar de já ter sido citado antes até por Élcio de Queiroz, é visto por muita gente como um mandante improvável.
O deputado e vice-presidente nacional do PT Washington Quaquá conhece Brazão e com ele conviveu no Rio. O deputado não vê Brazão como mandante.
Quaquá espera que as acusações “não sejam validadas com base apenas na delação de um assassino ligado ao bolsonarismo”. O próprio Brazão já disse que estão tentando desviar a atenção do verdadeiro mandante.
Para que a suspeita em torno de Bolsonaro se mantivesse, seria preciso que algo novo aparecesse. Por exemplo, que Brazão, acossado, admitisse que agiu em nome de Bolsonaro, que daqui a alguns anos, se nada mudar, pode continuar apenas como quase-preso.
Mas essa hipótese também é somente coisa de torcedor. O que temos agora é Carluxo debochando da viúva e da irmã de Marielle, das quais ele cobra “aquele tom raivoso e metódico conhecido por todos diante da delação do tal de Lessa”.
O tal de Lessa era o vizinho da casa onde Carluxo morava com o pai. Dali daquele condomínio o matador saiu para assassinar Marielle.
O tal de Brazão é de uma família que Bolsonaro privilegiava com concessões da diplomacia, como se tivesse um brazão da República no peito.
O tal de Lessa, o tal de Brazão e o tal de sistema de Justiça nos oferecem uma sequência de desencontros, apenas isso, e o que temos é a sensação de contínuo adiamento de um desfecho que talvez nem venha a existir.
Marielle e Anderson Gomes foram mortos em 14 de março de 2018. Estamos às vésperas dos seis anos dos crimes. Carluxo debocha da irmã e da viúva de Marielle por estar seguro de que pode continuar debochando.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).
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