Redação Pragmatismo
Notícias 27/Fev/2024 às 08:38 COMENTÁRIOS
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PM perfura pescoço de entregador com fuzil ao tentar parar moto em SP

Publicado em 27 Fev, 2024 às 08h38

Imagens registraram o momento exato em que o entregador Matheus Menezes Simões foi atingido quando dirigia moto; vídeo desmonta versão da PM, que havia divulgado outra narrativa. Familiares desabafam: “Se for pobre, a polícia mata primeiro para saber quem é a pessoa depois”

Matheus Menezes Simões
Matheus Menezes Simões

Jennifer Mendonça, Ponte Jornalismo

Fazia três meses que Matheus Menezes Simões, de 21 anos, tinha conseguido comprar sua primeira moto. Ainda pagando as prestações, enxergava nas duas rodas do veículo a possibilidade de realizar o sonho de conseguir, enfim, sua própria renda ao se dividir entre o emprego como abastecedor de ônibus e o de entregador de aplicativo nas horas vagas. “Ele sonhava em conquistar muitas coisas, mas já estava muito feliz por ter conquistado a moto e o carro”, diz a professora Aline Natália Nascimento, 35, tia do jovem.

Matheus perdeu os sonhos e a vida numa abordagem policial na manhã do último domingo (25/2), que durou menos de 10 segundos. Um vídeo de uma câmera de segurança mostra o jovem dirigindo uma moto com um amigo, ambos sem capacete, na Rua Cláudio Ghirelli, na Favela do Pó, na região de Brasilândia, na zona norte da cidade de São Paulo. Um policial militar sai de trás de um poste, com o fuzil apontado, e vai em direção à dupla que passava pelo local. Após o encontro com o PM, o veículo segue desgovernado e bate num carro estacionado. Matheus morreu no local, com o pescoço perfurado pelo fuzil do policial.

Outras filmagens mostram jovens encontrando Matheus caído e tentando reanimá-lo sem conseguir. Alguns tentam tirar satisfação com outros policiais que se aproximam, questionando: “E se fosse com um parente de vocês? Ninguém foi lá estancar o sangue do pescoço do cara”. As testemunhas também gravam um dos policiais que está segurando fuzil e que seria o que atingiu a vítima. Policiais mandam as pessoas se afastarem.

Uma testemunha disse que nessa rua costuma acontecer baile funk nos finais de semana e que o público começa a se dispersar por volta das 7h da manhã. No último domingo, os jovens ainda estavam no local e teria acontecido uma briga no final da rua, onde havia policiais, e algumas pessoas correram. Foi então que Matheus passou de moto, segundo a testemunha. “Ele caiu praticamente sem vida e começou a sangrar muito. Os policiais não deixaram pegar ele e nem tentaram conter o sangue. Uns 15 minutos [depois] chegou um caminhão do bombeiro, uma viatura do resgate e outra do Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência]”, afirma. “A mãe [dele] chegou uma hora depois e falaram para ela que foi acidente de moto.”

A tia de Matheus disse que ele morava em outro bairro, mas que tem parentes na região onde foi morto. Ela não sabe dizer se o jovem estava voltando do baile funk ou de uma noite de trabalho, ou, ainda, se estava indo visitar os familiares.

“Matheus trabalhava durante a noite na empresa [de ônibus] Gato Preto. Trabalhava a madrugada inteira e durante o dia, às vezes, quando ele estava disposto, fazia algumas entregas também pelo iFood e outras empresas de entregas de alimentos”, explica.

A tia conta que, ao chegar no local onde o jovem foi morto, ela e a sua mãe foram ameaçadas de serem agredidas com spray de pimenta por policiais, ao tentar filmar o corpo do sobrinho para mostrar ao pai de Matheus, que não acreditava na morte do filho. Mesmo estando fora da área de isolamento delimitada pela polícia, um dos PMs teria lhe dito “sai fora, aí é área isolada”. Quando a tia insistiu em permanecer, dizendo “sou cidadã, trabalhadora, não sou bandida”, o mesmo policial teria afirmado “ah, vocês não vão sair” e sacado o spray de pimenta para jogar nas duas. “Minha mãe com 62 anos começou a passar mal na hora”, relata.

Apesar de o vídeo mostrar o PM indo de encontro aos motociclistas, o tenente Gabriel Montoro Dantas, do 18º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M), disse no boletim de ocorrência que a moto foi na direção dele e de outros policiais, sendo que o garupa estaria com a mão na cintura, após ter a dupla ter desobedecido as ordens de parada que ele teria dado. “Diante da proximidade com que a moto passou, ocorreu breve contato de um dos indivíduos com a ponta do fuzil do declarante [Gabriel]” e a parte de coronha da arma feriu o tenente no rosto.

O tenente disse que ficou “brevemente desorientado” e que “não percebeu” se tinha ferido os jovens na moto e que não deu tiro. Ele relatou que só soube depois que a dupla na moto havia caído metros a frente porque o veículo tinha seguido para onde havia a dispersão do baile funk. Gabriel Dantas afirmou que foi ao Hospital da PM devido ao ferimento no rosto e que percebeu que o fuzil tinha “vestígios de sangue no quebra chama”, que é a ponta da arma.

Ele e outros PMs afirmaram que estavam no local porque receberam uma denúncia de que haveria uma pessoa portando arma de fogo na Rua Cláudio Ghirelli, mas, no caminho, viram três veículos que estariam vendendo bebidas alcoólicas e “prejudicando o tráfego na via”. Por isso, foram apreendê-los. Com isso, diz o policial, Matheus e o outro jovem na moto teriam ultrapassado uma contenção feita por uma viatura em alta velocidade e ido de encontro com a equipe.

Policiais civis do 72º DP (Vila Penteado) foram ao local e viram um ferimento no pescoço de Matheus, mas, segundo o registro, ainda não seria possível precisar o objeto que o atingiu. Também foram atrás de câmeras de segurança, mas não conseguiram obter na ocasião e só viram as imagens de câmera de segurança que por divulgação em redes sociais. Solicitaram perícia no local, no fuzil, além de filmagens das câmeras corporais dos PMs.

Matheus era o único filho por parte da mãe. Aline afirma que abordagens violentas da polícia são comuns na região. “Primeiro eles matam, primeiro eles machucam, pra depois eles saberem quem é a pessoa. O que mais vemos, infelizmente, é isso. Só que eles pensam que todo mundo da comunidade é bandido. E não é assim. Por exemplo, eu mesmo moro na comunidade e sou professora, pós-graduada. O pai dele não conseguiu concluir, mas cursou direito”, diz, revoltada. “A gente quer jogar o que está acontecendo na mídia, sem medo, para que não aconteça com outra pessoa.”

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