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Redes sociais expõem sintomas de adoecimento da sociedade

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Propor que as redes sociais expõem a céu aberto os sintomas de adoecimento da sociedade não significa dizer que o problema está somente nas redes sociais “porque elas são ruins” ou "porque elas “são más”

Fernando Diniz e John Kennedy – Copa Libertadores (foto: Carl de Souza/AFP)

Lucio Massafferri Salles*, Pragmatismo Político

As redes sociais expõem a céu aberto os sintomas de adoecimento da sociedade. E hoje falaremos um pouco sobre isso no campo da cultura do futebol.
Propor que “as redes sociais expõem a céu aberto os sintomas de adoecimento da sociedade” não significa dizer que o problema está somente nas redes sociais “porque elas são ruins” ou “porque elas são más”. A sociedade é que parece adoecer, cada vez mais. E, como apontou Castells, a sociedade está em Rede.

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Já faz algum tempo que o futebol brasileiro entrou em declínio, em mais de um sentido (técnico, violência em estádios, parte da imprensa pouco profissional e por aí vai…). Sei que muitos concordam com isso. E há quem não enxergue assim (sim, tudo que não implica contradição é possível). Dito isso, vale destacar que há mais ou menos dez anos que a camisa da seleção do Brasil se prestou a uma migração de uso curioso. Desde a virada de 2014/2015 ela passou a ser usada como indumentária partidária política. E essa observação visa reforçar a leitura de que, no contexto do adoecimento psicossocial apontado no título desse ensaio, futebol se relaciona, sim, com política. A questão é o que se fez, se faz e se fará com isso.

Esse mesmo período (2014/2015) marcou o início da consolidação de fenômenos em redes sociais que hoje são modus operandi, seja individual ou em grupo. Por exemplo: a lacração, o cancelamento, os ataques de enxames, os ataques de reputação, os haters sistemáticos, as milícias digitais (remuneradas), a disseminação compulsiva de ódio, as guerras de informação/desinformação, entre alguns outros. Tudo isso faz parte das diversas consequências que essa grande revolução tecnológica, no campo das linguagens, chamada genericamente de internet (grande Rede), operou sobre as mentes das pessoas.

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Vivemos em uma era de alta tecnologia digital informatizada que trouxe no seu rastro uma desarmonia psíquica chamada “Síndrome da Fadiga de Informação“. E, a internet, a grande Rede, as mídias sociais e as redes sociais não são “culpadas” por isso. Diante de problemas complexos, nossa humana inclinação talvez seja a de localizar o “bem”, para rapidamente expurgar o “mal, o vilão, o culpado”.

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E num campo cultural como o do futebol, no qual examinamos aspectos que tocam as relações entre clubes, os seus jogadores/componentes, as torcidas e a imprensa, esse desequilíbrio é bem evidente. As pessoas estão adoecendo, consumindo compulsivamente conteúdos de linguagem embebidos em ódio, radicalismos, ressentimentos e outros afetos. Há quem lucre com isso. E essa é uma chave da questão.

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De cara, apontamos para as Big Techs com as suas seduções de monetização e parceria. As tretas lacradoras, em rede, geram engajamento, caçam cliques, promovem agito, movimentação e conflito. A máquina algorítmica surta de felicidade com fofocas, tretas, intrigas, fakenews, polêmicas fáceis/estéreis, assim como uma ou outra reputação destruída viralizando nos feeds.

Uma das motivações desse ensaio, foi ter acompanhado, nos últimos dias, redes sociais diversas sem conseguir compreender como que um coletivo como o da torcida do Fluminense Football Club pode estar apresentando uma agudização desses sintomas, tendo o seu time realizado, no espaço dos últimos quatro meses, conquistas internacionais como a Copa Libertadores da America e a Recopa Sul-Americana; ambas em partidas emocionantes no estádio do Maracanã.

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Ora (vários escrevem algo assim), o time está péssimo, pagou vexame contra o Botafogo. Não jogou nada contra o Flamengo”… e segue … “Fernando Diniz é horrível, é o professor Pardal”, ele “deu sorte em 2023”, “fora Diniz!”. Sim, isso é sério. É como se uma pressão colocada já no início do ano estivesse em um processo crescente e contínuo, disseminando, desproporcionalmente, intolerância e descargas massivas de raiva direcionada, na Rede. Não por acaso, Diniz está há anos apontando que muitos dirigentes de clubes são cúmplices do enfraquecimento do futebol, como um todo. E a imprensa, sendo pouco profissional? Também, pelo menos boa parte dela. Ah, não é assim? Revejam a coletiva de Diniz após a vitória sobre o Boca Juniors, no Maracanã. Apontando que não se considerava como peça fundamental na conquista da Libertadores, Diniz lembrou que o Fluminense podia ter caído antes, como outros caíram, e que os adversários não são menores por terem perdido para o seu time.

Afirmando que não dá bola para elogios e muito menos para críticas fáceis ou depreciativas, Fernando Diniz enfatizou pela milésima vez que a cultura do futebol e de toda a nossa sociedade é a do “só o vencedor importa”, venceu = bom, perdeu = ruim. É assim que se perdem milhares de Jonh Kennedy, jovens talentosos e oriundos de meios tipicamente brasileiros, da periferia ou favelas, todos com histórias de vida bastante difícil.

Porém… “não se pode passar pano para o Fernando Diniz!” Dessa, eu li várias, nos comentários das diversas lives ocorridas após o último Fla x Flu (09/03). O time treinado por Diniz foi mal nos dois últimos jogos? Sim, foi horroroso. Fizeram tudo errado nesses jogos, atuações medonhas. Praticamente todos erraram quase tudo. Na última delas, no sábado (09/02) contra o Flamengo, dominados em quase toda a partida perderam por magros 2 a 0 feitos nos acréscimos de cada tempo, com gols de cabeça, mesmo tendo jogado metade da partida com menos um em campo. É covardia deixar de apontar que esse elenco iniciou sua preparação física/técnica no dia 25 de janeiro, quase vinte dias depois de todos os adversários que não tiveram compromissos como teve o Fluminense no ano passado. Por ter vencido a Copa Libertadores, o Fluminense se classificou para o Mundial de clubes (do qual foi vice-campeão), e a final ocorreu em 22 de dezembro de 2023.

A memória da goleada de 4 a 1, sobre o Flamengo, onze meses atrás, numa final em domingo de Páscoa, parece ter sido embaçada pela “genial” estatística que aponta que, dali em diante o time só empatou ou perdeu clássicos cariocas… Sim, acredite.
Querendo ou não abalar os mais inseguros, alguma alma obsessiva plantou essa baboseira.
Baboseira?
Sim, experimenta perguntar a um botafoguense se ele preferiria ver o seu time empatar e perder 11 clássicos cariocas seguidos e conquistar a Copa Libertadores da America, no Maracanã, e a Recopa Sul-Americana 3 meses depois, também no Maracanã, ou se essa “humilhação” seria terrível demais para o seu coração que só sabe vencer, ser o melhor ou ser o primeiro sempre? Acredite, nas redes isso é capaz de gerar enquete, com envio de PIX e superchat pago…

Se, alguém chegasse ao Brasil no último sábado (dia 9/3) sem saber que parte da nossa população está enferma da cuca, polarizada, em franco desenvolvimento de inúmeras manifestações de depressão, viciada em fluxos de dopamina metodicamente provocados por receitas algorítmicas que são turbinadas com técnicas de psicologia comportamental, jamais acreditaria que o Fluminense de Diniz conquistara, há nove dias, uma Taça importantíssima e inédita, internacional, em cima de um rival que se tornou um fantasma desde 2008 (LDU).

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Vivemos hoje a era das guerras de informação e das “guerrilhas híbridas” internas, que tanto usam meios de comunicação e artifícios de psicologia embutidos em propaganda, desinformação e incitação ao ódio. Há pessoas que agem para desestabilizar, inclusive na própria imprensa que descambou em boa parte para uma imprensa do entretenimento, ao invés da informação. Aí vale o clubismo, assim como fazer propaganda de casas de apostas online/cassinos sustentando a hipocrisia de que “não faz merchandising de bebida alcoólica”.
É sério isso?
Ainda vai dar muito trabalho, compreender essas dinâmicas em uma era na qual a alta tecnologia envolvendo comunicação e linguagens diversas avança mais e mais, a cada dia, a passos largos.
É preciso se afastar um pouco, para enxergar melhor.

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*Lucio Massafferri Salles é filósofo, psicólogo e jornalista (membro da Associação Brasileira de Imprensa). Doutor e mestre em filosofia pela UFRJ, especialista em psicanálise pela USU, realizou o seu estágio de Pós-Doutorado em Filosofia Contemporânea na UERJ. É criador do Portal Fio do Tempo (YouTube).

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