Michelle Bolsonaro jogou-se no ativismo político em nome dos valores da família, de Jesus, das mulheres femininas, e não feministas – como disse em comício em Copacabana –, e dos que não contestam “o reino de Deus estabelecido na Terra”.
O marido de Michelle é, na definição do deputado Nikolas Ferreira, um homem cheio de testosterona. Um macho hétero, que precisa da fala de outro macho para que seja reconhecido como um sujeito encharcado de hormônios.
Michelle é um caso único na política brasileira. Refere-se a seguidoras e seguidores como amadas e amados. Fala com o tom de pastora em curso básico para formação de pregadores religiosos.
Repete clichês que podem ser ouvidos em palanques e cultos, como se tudo fosse a mesma coisa (o Brasil é do senhor Jesus, dias melhores virão, é preciso mais amor, este país vai vencer), e anda pelo país como presidente do PL Mulher.
O Brasil nunca teve uma ex-primeira-dama que se anunciasse orgulhosamente como ‘ajudadora’ do marido, pregasse a submissão feminina ao homem e assegurasse ter Deus acima de tudo.
Mas o marido de Michelle é mais do que uma aberração política. Na presidência da República, em nome dos valores da família, cometeu todo tipo de desatino contra mulheres. Um dia, saiu em Brasília atrás de uma menina venezuelana de 14 anos, porque havia sentido um clima.
Viu a menina na rua e foi conferir, na casa onde ela mora, se era uma prostituta. Antes que a informação circulasse e ele perdesse o controle do fato de que saiu atrás de uma criança, apressou-se em dizer que havia ido à casa da menina para conferir se ela fazia programa.
O marido de Michelle, insensível com o drama de uma menina pobre, atacou várias vezes a deputada Maria do Rosário na Câmara e afirmou que não a estuprava porque ela era feia.
Michelle defende Deus e a família, e o marido de Michelle faz, a seu modo, a defesa do macho transbordante de testosterona e sem limites para dizer e fazer o que pensa em relação às mulheres.
Michelle disse no discurso em Copacabana, quando da aglomeração fracassada convocada pelo pastor Silas Malafaia, que estava ali para abençoar cada mulher presente.
A religiosa Michele elevou-se à condição de abençoadora, ao lado do marido que exala testosterona. Michelle defende a liberdade de expressão, como o marido e toda a extrema direita defendem, desde que seja a liberdade da gente deles.
O marido de Michelle, que também teme perder o controle da carreira e da ascensão política da mulher, disse em Copacabana que fala em nome de Deus. Que agradece a Deus pela sua segunda vida, depois do atentado em Juiz de Fora em 2018, e que sua postura é orientada pelos mesmos valores compartilhados com a esposa.
O marido de Michelle, apresentada pelo locutor do comício de Malafaia no Rio como “uma mulher temente a Deus”, já fez as seguintes declarações.
Disse que não imaginava ter um filho casado com uma negra. Que teve uma filha porque deu uma fraquejada. Que entre um homem e uma mulher, as empresas preferem, com razão, empregar homens. Que o Brasil é um país sempre aberto ao turismo sexual. E que meninas pobres não têm, como não tiveram nos seus quatro anos em Brasília, direito a absorvente higiênico fornecido pelo governo.
O marido de Michelle, a quem ela se dedica como ajudadora, porque já repetiu várias vezes que essa deve ser a missão das mulheres, já acusou uma jornalista de fazer sexo em troca de informações.
Jair Bolsonaro já afirmou, em entrevista concedida à revista Playboy: “Seria incapaz de amar um filho homossexual. Não vou dar uma de hipócrita aqui: prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí. Para mim ele vai ter morrido mesmo”.
A presidente do PL Mulher é ajudadora de um macho que repete a piada machista e sem graça de que ela lhe pede dinheiro todos os dias. E Michelle percorre o Brasil, sobe em trios elétricos e abre simpósios do partido, para dizer que o poder é das mulheres.
Na TV, mulheres do PL dizem, em propaganda política, que estão ali porque o partido assegura espaço a elas. E o líder que aparece nos vídeos é Bolsonaro, o chefe do que seria o verdadeiro partido da direita.
O líder hétero, com testosterona para emprestar, riu muitas vezes das torturas sofridas por Dilma Rousseff. Mas esse macho valente já entregou o revólver e a moto a assaltantes, apesar de defender que um homem armado é imbatível.
Por tudo isso, Michelle é uma mulher sem outro exemplo na política. Não há nenhuma outra mulher que tenha se apresentado como ajudadora do marido, mas que ao mesmo tempo é exibida pela extrema direita como mulher poderosa e possível sucessora do ajudado, até com pretensões de chegar ao Palácio do Planalto.
Michelle disse no Rio que precisamos de uma política nova, quando tudo o que o marido dela fez, em quatro anos de governo, é o que existe de mais antigo e abominável na política.
Essa é Michelle, que prega, como pregou no caminhão em Copacabana, que as mulheres tenham funções colaborativas com os esposos. É sua declaração pública, explícita, juramentada como dependente do marido que até nome de perfume é. Uma essência em vidro verde e amarelo que – segundo o maquiador e influencer Agustin Fernández, dono da ideia –, “transmite exclusividade, força masculina e resiliência”.
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Essa é a trajetória e a retórica da mulher que ajuda o marido e deve, como figura pública, ter sua conduta submetida a avaliações. A Michelle política, que investe no marketing do feminino versus feminismo, se submete cada vez mais às regras e aos humores da esfera pública. É do jogo dessa arena. É jogo pesado.
Em outros tempos, diriam que seu discurso não funcionaria. Hoje, funciona bem ser declaradamente subserviente a um homem, mesmo que esse homem seja dependente da fala de outro homem inseguro que o apresente como um macho com muita testosterona.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).
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