Sócios dos supermercados Hiperideal e do Atakarejo, João Gualberto e Teobaldo Costa arremataram áreas da prefeitura
Uma área de mais de 5 mil metros quadrados que a prefeitura de Salvador leiloou à iniciativa privada em março deste ano foi parar nas mãos de uma empresa de Teobaldo Costa – empresário com patrimônio de mais de R$ 340 milhões, sócio e fundador da rede de supermercados Atakarejo.
Segundo a Agência Pública apurou, Costa arrematou dois terrenos da prefeitura através da empresa Damrak do Brasil.
Costa é filiado ao União Brasil, mesmo partido do prefeito Bruno Reis e do seu antecessor na prefeitura, Antônio Carlos Magalhães Neto, o ACM Neto. Foi a gestão de Reis que sancionou o projeto, aprovado na última sessão da Câmara de Vereadores em 2023. O leilão de uma parte dos terrenos, que é uma Área de Preservação Permanente (APP) com vegetação da Mata Atlântica, foi suspenso após ação do Ministério Público Federal (MPF).
O Atakarejo, rede varejista baiana, ficou conhecido nacionalmente em abril de 2021 quando Bruno Barros e Yan Barros, tio e sobrinho, foram torturados e mortos, após terem sido entregues por seguranças do estabelecimento a uma facção criminosa no bairro do Nordeste de Amaralina. O motivo: eles teriam furtado cinco pacotes de carne do supermercado para consumo próprio. As imagens de Bruno e Yan, antes de serem mortos, sentados no pátio do Atakarejo ao lado dos pacotes furtados, circularam nas redes sociais.
Por que isso importa?
A venda de terrenos públicos da prefeitura de Salvador tem sido questionada judicialmente. Uma parte dos terrenos, que tem área de preservação de Mata Atlântica, foi suspensa na Justiça.
Teobaldo Costa, dono do Atakarejo, é do partido do prefeito de Salvador, Bruno Reis, que sancionou o projeto de venda de terrenos.
Já uma empresa de João Gualberto, dono do Hiperideal, também comprou terrenos e fechou sociedade com o ex-prefeito ACM Neto para construir um prédio de luxo.
Empresa de Teobaldo comprou terrenos pelo lance mínimo
Os dois lotes comprados pela Damrak, de Teobaldo Costa, foram na região de Moradas da Lagoa, próximo à Base Naval de Aratu – área protegida pela Marinha e local tradicionalmente escolhido como repouso oficial do presidente da República durante as férias.
A empresa Damrak do Brasil, cadastrada como especializada em compra e vendas de imóveis, cobriu apenas o lance mínimo para adquirir os dois lotes, desembolsando R$ 85 mil e R$ 1,3 milhão, respectivamente. Juntos, os terrenos possuem 5 mil metros quadrados de extensão.
No registro da Receita Federal, Teobaldo Costa aparece como sócio administrador da Damrak, ao lado do seu filho, Gabriel Nascimento da Costa.
Teobaldo é pré-candidato à Prefeitura de Lauro de Freitas, cidade da região metropolitana de Salvador. Em 2020, ele chegou a concorrer ao cargo, mas foi derrotado por Moema Gramacho, do PT.
Nessa mesma campanha, seu filho foi seu maior doador, empenhando R$ 600 mil na candidatura do pai. Na prestação de contas da Justiça Eleitoral, Teobaldo declarou um patrimônio de R$ 341,2 milhões.
Em contato com a Pública, Teobaldo disse que os terrenos que ele adquiriu em leilão já estavam sob sua posse e que detinha até a escritura dos mesmos. “Eu nem deveria ter pagado por eles, porque já eram meus. Mas a prefeitura disse que eram públicos e, por isso, eu fiz os pagamentos para regularizá-los”, afirmou.
Questionado, então, sobre o motivo de não ter reclamado o terreno na Justiça para comprovar que já detinha a posse, o empresário afirmou que “brigar com esse pessoal [a Prefeitura] é muito problema” e optou por uma solução “mais simples”, com o pagamento.
Teobaldo também foi questionado sobre sua proximidade com ACM Neto, seu correligionário no União Brasil. Ele negou manter relações próximas, mesmo tendo tirado foto e elogiado bastante o ex-prefeito de Salvador, quando definiu sua filiação no antigo Democratas, em 2020.
“Não existe essa proximidade. Eles só prejudicam a gente. Digo isso na cara deles. Eu nunca pedi benefício algum nem na prefeitura nem no estado. Sou independente”, garantiu.
Atakarejo patrocina grande parte da mídia baiana
Quando tio e sobrinho foram mortos há três anos, a imprensa baiana demorou para entrar no caso. O Atakarejo é um importante anunciante de jornais, TVs e portais da mídia local, e paga diversos anúncios e informes publicitários nos veículos.
Integrantes do Movimento Negro fizeram seguidos protestos em frente e dentro do supermercado no Nordeste de Amaralina cobrando respostas. A Polícia Civil da Bahia prendeu ao todo 21 pessoas – sendo quatro seguranças do Atakarejo. O Ministério Público indiciou os envolvidos por homicídio qualificado, omissão de socorro e ocultação de cadáver.
Em setembro do ano passado, a Defensoria Pública da União (DPU), fechou um acordo para o Atakarejo pagar R$ 20 milhões, em 36 parcelas, por danos morais e coletivos pelo assassinato dos dois homens.
O valor foi destinado ao Fundo de Promoção do Trabalho Decente ( Funtrad), com o compromisso de ser usado preferencialmente em “iniciativas que guardem afinidade com o combate ao racismo estrutural”.
Antes mesmo desse acordo, os portais baianos foram inundados com uma sequência de notícias positivas sobre o Atakarejo – variando desde a inauguração de novas lojas, geração de empregos, realização de eventos com promoções especiais e prêmios aos quais Teobaldo Costa passou a concorrer.
Um mês depois do acordo firmado com a DPU, foi anunciada a venda do supermercado para o Grupo Pátria, com a compra de mais de 51% das ações majoritárias. Na negociação ficou acordado que Teobaldo Costa e seu filho continuariam com uma “participação relevante” nas ações da empresa.
Em 2022, mesmo após a crise de imagem gerada com os assassinatos de Bruno e Yan Barros, o Atakarejo fechou o ano com crescimento de 24%, registrando receita líquida de R$ 3,2 bilhões.
Prefeitura já tinha vendido áreas públicas para empresa de outro dono de supermercado
Teobaldo Costa não é o primeiro dono de rede de supermercados a arrematar terrenos públicos em Salvador através de uma empresa. Ele repete os movimentos do também milionário João Gualberto, dono do Hiperideal e três vezes prefeito da cidade de Mata de São João, pelo PSDB.
Numa manobra que pegou os moradores da cidade de surpresa, Gualberto renunciou ao cargo em dezembro do ano passado, quando ainda tinha mais um ano de mandato e a possibilidade de concorrer à reeleição. Deixou o posto com Bira da Barraca, do União Brasil, escolhido por ele para ser vice na chapa.
Em 2017, ainda na gestão de ACM Neto, Gualberto pagou R$ 21 milhões para adquirir um terreno de 8,2 mil metros quadrados no bairro do Itaigara. Dois anos depois, gastaria R$ 9,5 milhões por um terreno de 10 mil metros quadrados na avenida Orlando Gomes, na orla da cidade. As duas compras foram feitas via a empresa Atual Participações, da qual Gualberto é sócio.
Sua compra mais recente foi em 2021, primeiro ano da gestão de Bruno Reis, quando pagou R$ 3,6 milhões por terrenos no bairro do Caminho das Árvores, outra região de Salvador — compra ele admitiu para esta reportagem. Em todas essas aquisições, instalou sedes físicas das suas lojas nos terrenos.
Diferentemente do Atakarejo de Teobaldo, mais popular, o Hiperideal de Gualberto tem um perfil voltado para a classe média alta, com preços mais altos e produtos sofisticados.
À Justiça Eleitoral, Gualberto declarou um patrimônio de R$ 170 milhões em bens como: uma aeronave avaliada em R$ 2,9 milhões; uma casa em Praia do Forte de R$ 7,4 milhões; uma conta do Banco do Brasil em Miami, com R$ 7,4 milhões guardados; um apartamento em Salvador, de R$ 22 milhões.
Sócio de Gualberto é doador de campanha de Teobaldo
Além de ambos serem empresários do ramo de alimentos e terem empresas que compraram terrenos públicos, Teobaldo e Gualberto guardam outra semelhança: o mesmo doador de campanha.
A Pública levantou dados que mostram que, em 2020, o empresário José Humberto de Souza abriu o bolso para doar dinheiro a diferentes candidaturas políticas na Bahia. Ele doou R$ 24,2 mil para a campanha vitoriosa de Gualberto. Na mesma eleição, fez um aporte de R$ 310 mil para Teobaldo.
“José Humberto Souza é meu amigo. Conheço ele há mais de 40 anos. Foi por isso que ele doou esse dinheiro para minha campanha. Mas não tenho relação com Gualberto, além da amizade que temos e de atuarmos no mesmo negócio de supermercados. Nós, que somos desse ramo, quando sabemos de um terreno à venda, seja público ou privado, vamos atrás para comprar. É apenas isso”, disse Teobaldo Costa.
Souza ainda desembolsou R$ 75 mil para ajudar a eleger a jornalista Cris Correia, do PSDB, para a Câmara Municipal de Salvador – ela votou a favor do projeto da desafetação das áreas públicas da cidade. Correia foi assessora de comunicação de João Gualberto em seu primeiro mandato em Mata de São João. Depois, foi alçada ao cargo de chefe de gabinete, quando Gualberto assumiu uma cadeira na Câmara dos Deputados, em Brasília.
Além de doador de campanha, José Humberto Souza é sócio de João Gualberto em diversos empreendimentos: como o Hiperideal, a construtora Enseada Castelo Empreendimentos e a Eco Fazenda Praia do Forte. Eram sócios também na empresa Praia do Castelo Empreendimentos Turísticos Ltda. – a sociedade, que tinha Renata Magalhães, irmã de ACM Neto como integrante, no entanto, foi desfeita.
A Pública tentou falar com João Gualberto contactando a assessoria da prefeitura de Mata de São João, da qual ele fazia parte até dezembro do ano passado, mas não conseguiu localizá-lo. A reportagem tentou contato também com José Humberto Souza pelo e-mail que aparece registrado nas empresas que ele administra. Ele não respondeu a nossa tentativa de contato.
ACM Neto também tentou se beneficiar de leilão de áreas públicas de Salvador
No último leilão de terras públicas da cidade – o mesmo em que a empresa de Teobaldo arrematou dois terrenos –, João Gualberto e ACM Neto fecharam uma sociedade para construir um prédio de luxo em um dos metros quadrados mais caros de Salvador.
Vale lembrar que o prefeito Bruno Reis tem ampla maioria no legislativo municipal. Um legado deixado por ACM Neto, seu padrinho político, quando o alçou à sucessão, em 2020.
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Uma das áreas contempladas no projeto de desafetação foi um espaço de 6,6 mil metros quadrados de Mata Atlântica no nobre bairro do Corredor da Vitória. O terreno seria leiloado pelo valor inicial de R$ 10,9 milhões, mas foi suspenso por decisão da Justiça Federal.
Esse espaço foi doado à prefeitura de Salvador em 1988 como compensação fundiária pela construção da Mansão Costa Pinto – um prédio luxuoso que tem como ilustre morador o cantor Gilberto Gil.
Até a desafetação, a área de Mata Atlântica estava registrada em cartório como espaço que não poderia ser edificado. Antes mesmo de a Câmara de Salvador autorizar a desafetação, empresários e políticos se organizaram em sociedade para comprar terrenos em volta da área.
O objetivo era construir um arranha-céu no bairro. Pela lei municipal, caso adquirissem o espaço preservando a área verde, poderiam ampliar o potencial construtivo do espigão para até 40 andares, tornando o negócio ainda mais lucrativo.
A empresa, chamada Largo da Vitória Empreendimentos Imobiliários, além de ACM Neto e João Gualberto, foi formada por Sidônio Palmeira, marqueteiro de Lula na eleição de 2022, e Tiago Coelho, da família dona da TV Aratu, afiliada do SBT na Bahia.
A obra seria tocada pela Novonor, antiga Odebrecht, que mudou de nome após a Operação Lava Jato.
“Essa é uma área fundamental em Salvador porque é uma reserva de Mata Atlântica em um local de muito adensamento na cidade. E passa ser uma sinalização muito negativa do poder público colocar áreas verdes em leilão de venda, pois é como se não tivesse preocupação em preservar esses espaços”, critica Tiago Brasileiro, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo da Bahia.
Após a Justiça ter suspendido o leilão da área de preservação da Mata Atlântica, Sidônio Palmeira saiu oficialmente da sociedade com ACM Neto. Tentamos contato com ACM Neto via sua assessoria de imprensa. Eles pediram que enviássemos as perguntas – o que fizemos –, mas elas não foram respondidas até o fechamento desta reportagem.
Durante um evento público na cidade, o prefeito Bruno Reis criticou a decisão da Justiça baiana e prometeu recorrer. “A prefeitura quer desafetar esse terreno para vender o potencial construtivo, mas vamos preservar a área de proteção ambiental. Não vai ter um paralelepípado, uma pá de cimento, um bloco lá. A área vai continuar intacta. […] A gente nem sabe se a Justiça Federal tem competência para processar e julgar matérias inerentes a essa, então vamos recorrer com naturalidade e segurança”, disse.
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