A facilitação do acesso às armas promovida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro provocou um novo fenômeno no Brasil: Colecionadores de armas, atiradores e caçadores (CACs) se tornaram traficantes para facções criminosas. É o que aponta uma extensa investigação da Polícia Federal e do Ministério Público
G1 e Metrópoles
A Polícia Federal (PF), com apoio de outros órgãos, realizou duas operações, na manhã do último 21, contra CACs suspeitos de fornecerem armas e munições para facções criminosas.
Em São Paulo, junto ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), deflagrou a Operação Baal, para desmantelar uma organização criminosa especializada em roubos nas modalidades “domínio de cidade” e “novo cangaço”.
A investigação começou após uma tentativa de roubo a uma base de valores, em abril de 2023, na cidade de Confresa (MT). Na ocasião, vários criminosos foram presos ou mortos em confronto com as forças de segurança, sendo que um deles morava em São Paulo e integrava a facção paulista Primeiro Comando da Capital (PCC).
No Nordeste, a operação batizada de Fogo Amigo prendeu 20 suspeitos de integrar uma organização formada por policiais militares da Bahia e de Pernambuco, além de CACs e proprietários de lojas de armas e munições.
O grupo é suspeito de vender armamento de forma ilegal para facções da Bahia, de Pernambuco e de Alagoas.
Os elementos colhidos pelos investigadores revelaram que essa e outras ações semelhantes foram financiadas por integrantes do PCC que também atuam com tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. “Além disso, constatou-se que os principais fornecedores das armas de fogo e das munições usadas pela organização criminosa são colecionadores, atiradores desportivos e caçadores (CACs)”, informou a PF.
As equipes cumpriram 13 mandados de prisão temporária e 24 de busca e apreensão domiciliar em São Paulo (SP), Osasco (SP), Santo André (SP), São Bernardo do Campo (SP), Guarulhos (SP), Piracicaba (SP), Mairinque (SP), Buri (SP), Xique-Xique (BA), Timon (MA) e Corrente (PI). A Justiça também autorizou o bloqueio de contas e o sequestro de bens com limite de até R$ 4 milhões.
As ações desta terça-feira (21) contaram, ainda, com apoio operacional de equipes das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), da 10ª Companhia de Força Tática e do 10º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) da Polícia Militar de São Paulo (PMSP).
Segundo o cronograma do governo federal, a responsabilidade pelos CACs, clubes de tiro e lojas de armas será integralmente da Polícia Federal a partir de 1° de janeiro de 2025. Atualmente, a atribuição é do Exército.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, herdou de seu antecessor, Flávio Dino, uma pasta com a política de controle de armas ainda em formatação e com a Polícia Federal sem estrutura para receber os CACs. A instituição quer uma reestruturação nessa área.
Em um aceno à bancada da bala, Lewandowski prometeu reavaliar pontos específicos do decreto que aumenta o controle de armas.
Parlamentares querem que o governo altere quatro pontos: o que trata sobre armas de colecionadores no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), habitualidade para manter uma arma, a mudança do calibre 9mm para uso permitido e permissão de clubes de tiro próximo a escolas.
CACs notificam o Exército sobre o desvio de quase 6.000 armas em seis anos
Quase 6.000 armas pertencentes a CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) foram alvo de roubo, furto ou extravio e tiveram os desvios notificados pelos proprietários ao Exército, responsável pela fiscalização do grupo de 2018 a 2023.
Neste último ano, já sob gestão Lula (PT), foram 1.259 notificações. Isso significa um aumento de 68% em relação aos 750 desvios informados em 2018, ano que antecedeu a chegada de Jair Bolsonaro (PL) ao Palácio do Planalto e a implantação de sua política armamentista.
Para especialistas ouvidos pela reportagem, os dados evidenciam que o crescimento do número de armas nas mãos dos CACs tem contribuído diretamente para o aumento de ocorrências de roubo, furto e extravio de armamentos, alimentando, consequentemente, o comércio ilegal.
A 1ª Região Militar, abrangendo os estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, e a 3ª Região Militar, que engloba o Rio Grande do Sul, registram as maiores quantidades de armas desviadas. Essas unidades da federação também se destacam entre aquelas com as maiores concentrações de armas.
O Exército não fornece dados por estado, mas por Região Militar. As informações foram obtidas e organizadas pelo Instituto Sou da Paz.
Já os maiores aumentos proporcionais de armas desviadas ocorreram em regiões que historicamente não tinham tradição em tiro esportivo e caça, mas que experimentaram um rápido crescimento como a 12ª Região Militar, que compreende os estados de Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima.
A gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Natália Pollachi, chamou a atenção para a subnotificação de dados.
“Embora seja obrigatória a notificação ao Exército, nem sempre isso acontece, pois a omissão não configura crime”, explicou.
Uma prova dessa subnotificação pode ser detectada no relatório do TCU (Tribunal de Contas da União). O documento mostra que pelo menos 3.873 (8%) das armas apreendidas pelas polícias apareciam no sistema do Exército como armas de CACs de 2015 a 2020.
Desse total, somente 86 (2,2%) armas dos CACs constavam no sistema do Exército como roubadas, apreendidas ou extraviadas.
“O problema é ainda maior porque a gente sabe as dificuldades enfrentadas por muitas polícias civis na investigação de ocorrências, especialmente no que diz respeito ao desvio de armas de fogo. Atualmente, apenas Rio de Janeiro e Espírito Santo possuem delegacias especializadas nesse tipo de crime”, destacou Roberto Uchôa, especialista em segurança pública do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O jornal Folha de S.Paulo já tinha mostrado outros problemas envolvendo CACs. Relatório do TCU mostrou ainda que 5.200 condenados pela Justiça conseguiram obter, renovar ou manter o registro de CAC no Exército entre 2019 e 2022. Eles respondiam principalmente a acusações por porte ou posse ilegal de armas, lesão corporal e tráfico de drogas.
Os técnicos do TCU concluíram que o Exército falhou em suas atribuições ao apontar “sérias fragilidades” na fase de comprovação da idoneidade de quem obteve ou renovou o registro de CAC.
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