Eduardo Leite se recuperou, no Roda Viva, do fracasso das duas entrevistas que havia dado à Folha e ao Globo, que foram publicadas nessa segunda-feira.
Foi mais enérgico, disse várias vezes ter certeza de que o Estado será reconstruído (o que falava sem convicção), enrolou sobre suas posições definidas como não-negacionistas e tentou atirar uma granada no colo do ministro Paulo Pimenta.
Referiu-se a Pimenta como uma espécie de embaixador do Rio Grande do Sul em Brasília e disse que o ministro tem agora a missão de buscar a ‘anistia’ de parte da dívida do Estado junto ao governo federal.
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Leite deu uma tarefa a Pimenta, como se avisasse que o eventual fracasso dessa anistia esdrúxula será debitado na conta do ministro.
A anistia significaria a extinção de pelo menos três anos da dívida gaúcha (uma anistia de mais de R$ 12 bilhões), após o período de suspensão do pagamento por 36 meses, decidido por Lula este mês. É uma ideia sem sentido e sem base legal. Mas Pimenta passa a ser, na cabeça de Eduardo Leite, um mandalete dele.
A definição de Pimenta como ’embaixador’ teve um tom depreciativo das atribuições do ministro, que vai coordenar a gestão federal da reconstrução do Rio Grande do Sul.
Leite deve ter sido chamado por uma junta de marqueteiros para ajustar a fala e a entonação antes da entrevista. A bancada de jornalistas, que começou bem, foi murchando ao final diante do crescimento do tucano.
Mas Leite não conseguiu convencer que tenha condições de liderar a reconstrução do Estado. É vacilante (tanto que recuou da ideia de adiamento das eleições municipais no Estado, diante da reação do próprio TSE).
É enrolador (disse que não atentou contra o meio ambiente ao revogar parte da legislação ambiental do Estado) e é reticente quando questionado sobre suas ligações com a extrema direita (diz apenas que é contrário à polarização).
Ficaram faltando pelo menos duas pautas relevantes. A primeira sobre o impacto das privatizações, em especial a que entregou a CEEE ao grupo Equatorial, que não tem condições de gerir os serviços de energia elétrica.
E a bancada não teve coragem de perguntar nada sobre os ataques que o tucano sofre da extrema direita por ser gay, como aconteceu de novo com o vídeo de uma fundamentalista religiosa dias atrás.
Leite fez declaração pública de que é assumidamente gay, antes da campanha da eleição de 2022, como se estivesse fazendo uma aposta no marketing das diferenças, o que é legítimo sob todos os aspectos.
O governador vem sendo atacado com frequência por extremistas simpatizantes dos grupos que o apoiavam (e que fizeram parte do seu governo), o que ainda o expõe como um alvo do fascismo homofóbico. Não é um tema qualquer a ser ignorado numa entrevista de mais de duas horas.
Outros dois detalhes. O governador disse cinco vezes a palavra resiliência, que a direita tem usado com frequência e que começa a gastar, como a palavra narrativa.
E narrativa foi citada por ele por três vezes. Narrativa é a palavra preferida da extrema direita para desqualificar ideias e posições dos adversários. E foi assim que Leite a usou no Roda Viva.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).
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