Extrema direita pisoteia os mortos da catástrofe
Lula tem meio século de intuição política, com sabedoria de sobra para saber que a extrema direita continuará pisoteando os cadáveres dos gaúchos para tentar reconstruir suas trincheiras políticas.
O fascismo usará a tragédia no Rio Grande do Sul como atalho para se recuperar da derrota na eleição, do fracasso do golpe e da fragilização física, emocional e política de Bolsonaro.
Foi em meio a essa guerra que Lula fez a terceira visita ao Estado e produziu, no tempo certo, a resposta mais poderosa do governo às demandas e expectativas das vítimas. Antes, Lula havia sido protocolar, quase um não-Lula.
Desta vez, esteve perto de quem perdeu familiares, casas, bens, bichos e em alguns casos a perspectiva de futuro. Anunciou as medidas de socorro ao povo e instalou o ministro Paulo Pimenta no comando do plano federal de reconstrução do Estado.
Assim, tudo fica resolvido? Não. Eduardo Leite é o governador do Rio Grande do Sul, legitimado por uma eleição decidida com a ajuda dos votos do PT e das esquerdas.
Mas é fraco como figura pública. É inseguro e não pode ser considerado aliado de nada que signifique compromisso com mudanças em relação a tudo que fez até hoje no Estado.
Nem Leite nem Sebastião Melo, o prefeito de Porto Alegre, são aliados de ideias e projetos de mudanças. Ambos são o que são e não vão mudar. Privatistas, entreguistas, destruidores de tudo o que trate de proteção ambiental e social. São capatazes da extrema direita.
É nesse ambiente que Pimenta irá se movimentar. O representante de Lula vai conviver com figuras que não inspiram nenhuma confiança e que ele conhece bem.
E vai enfrentar o projeto maior dessa gente: a rearticulação do bolsonarismo também a partir das oportunidades criadas pela catástrofe, o que inclui, já na arrancada, a disseminação de fake news.
Lula mobiliza ministros, os chefes das Forças Armadas e navios de guerra. O bolsonarismo gaúcho aciona uma candidata a vereadora de Araranguá, para que espalhe nas redes sociais que o Exército está indo embora e abandonando os flagelados.
E a fake news da candidata a vereadora tem maior alcance do que a notícia de que o Exército traz navios, hospitais de campanha, soldados, engenheiros, barcos e caminhões com toneladas de alimentos.
As fábricas de fake news, com a regência de políticos com mandato, fidelizam a base e suas audiências, mantêm a torcida mobilizada e fazem com que o governo federal gaste energia com respostas às mentiras.
As fake news podem até não alargar a base bolsonarista, mas mantêm o ativismo acordado e tumultuam as estruturas de socorro, inquietam voluntários e servidores públicos, afrontam o sistema de Justiça e dão o recado que as matilhas cobram dos seus líderes: é preciso sabotar tudo o que for feito para salvar e reconstruir vidas.
A estratégia é implodir o socorro emergencial e as medidas de médio e longo prazos, para que cada ação governamental tenha a correspondência de ações bolsonaristas destrutivas. Todo o plano de Lula precisa ser destruído.
Pimenta será a voz de comando num Estado sob desgoverno e onde a distopia da tragédia, potencializada pelas ações da extrema direita, pode estar só começando. O governo, o Ministério Público e o Judiciário terão respostas à altura da capacidade de destruição do bolsonarismo?
É o que saberemos quando as águas baixarem e as misérias ainda encobertas ficarem expostas. Teremos os chefes das hienas disputando os cadáveres dos gaúchos e aperfeiçoando crueldades que desenvolveram na pandemia.
Por isso a reconstrução do Estado terá de passar também pelo enfrentamento do fascismo, considerando que todos os seus líderes sob investigação, incluindo os do Rio Grande do Sul, estão impunes. Eduardo Leite construiu suas bases com a ajuda dessas facções.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).
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