Moro alega que ministros de instâncias superiores adotaram "idênticos procedimentos" quanto ao dinheiro das multas da Lava Jato
Cintia Alves, Jornal GGN
O senador e ex-juiz federal Sergio Moro ameaçou arrastar decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça para a batalha que enfrentará no plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por conta de uma representação disciplinar instaurada em setembro de 2023, após a Corregedoria realizar uma correição extraordinária na 13ª Vara Federal de Curitiba e levantar uma série de possíveis ilegalidades e arbitrariedades praticadas por magistrados que atuaram na Lava Jato.
A Corregedoria questiona uma série de condutas atípicas adotadas por Moro. Entre elas, a decisão de tratar a Petrobras como “vítima universal” dos crimes investigados, e de ter repassado à petroleira, sem nenhum critério ou transparência, recursos bilionários que a força-tarefa da Lava Jato arrecadou a partir de multas aplicadas às empresas e pessoas físicas que assinaram acordo de leniência ou delação premiada com o Ministério Público Federal, tudo sem aguardar o trânsito em julgado.
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Nas palavras da defesa do senador, diante da “remota hipótese” de o plenário do CNJ decidir transformar a representação disciplinar em PAD (processo administrativo disciplinar), Moro já deixa avisado que vai requerer produção de provas, “adiantando-se que, entre elas, será solicitada cópia dos processos no STF [Supremo Tribunal Federal] e no STJ [Superior Tribunal de Justiça] nos quais foram adotados idênticos procedimentos de destinação de valores que os empregados pelo Reclamado.”
Segundo Moro, “o próprio Supremo Tribunal Federal, nos processos da Operação Lava Jato, ao apreciar recursos e atos de sua competência e nos acordos de colaboração que homologou, também definiu a PETROBRAS como vítima, determinando a transferência dos recursos depositados em contas judiciais pelos colaboradores para a referida empresa estatal.”
Moro citou decisões do ministro Teori Zavascki, primeiro relator da Lava Jato no STF, envolvendo o caso Paulo Roberto Costa; também lembrou do investigado Nestor Cerveró. “Em ambos os casos também não se aguardou o trânsito em julgado“, disparou Moro.
O ex-juiz sustentou que decidiu eleger a Petrobras como vítima dos crimes investigados na Lava Jato porque “doutrina e jurisprudência são unânimes em apontar a entidade da Administração pública direta ou indireta lesionada como vítima”.
Moro ainda argumentou que decidiu repassar parte das multas bilionárias à Petrobras antes do trânsito em julgado para que o dinheiro não perdesse valor monetário parado em contas judiciais. “Assim, a transferência imediata dos valores depositados nas contas judiciais para a PETROBRAS e independentemente de trânsito em julgado foi motivado pelo zelo judicial na preservação dos valores pertencentes à vítima“, disse.
A intenção de Moro de arrastar decisões do STF e STJ para a batalha no CNJ está expressa em sua defesa prévia. Conforme o GGN mostrou nesta reportagem aqui, Moro entregou a defesa prévia ao CNJ ainda em 2023. Os oficiais de Justiça levaram cerca de 2 meses para conseguir notificar o senador, que não era facilmente encontrado nem em seu endereço no Paraná, nem no gabinete em Brasília.
O ex-juiz requereu o arquivamento da representação disciplinar alegando, sobretudo, que deixou a magistratura há 5 anos, logo, está fora do alcance do CNJ, sem contar que a pretensão punitiva supostamente já teria prescrito. No mérito, ele sustentou que não cometeu irregularidades e que seus atos foram estritamente jurisdicionais.
Aliada à estratégia de nivelar suas decisões às decisões do Supremo, Moro ainda solicitou o levantamento do sigilo do processo no CNJ, para que o julgamento no plenário tenha exposição ao público.
Entenda o caso
A correição extraordinária da 13ª Vara Federal, encampada pelo corregedor Luís Felipe Salomão, identificou que Moro teria criado um procedimento ultra secreto para movimentar os recursos das multas de acordos de leniência e delação premiada na Lava Jato. Somente de uma das contas judiciais associadas ao procedimento sob sigilo de grau máximo, Moro teria repassado mais de 2 bilhões de reais para a Petrobras a título de “reparação”.
Ocorre que, segundo apurou a correição, essa devolução de recursos era parte de um esquema de “cash back” criado pelos agentes da Lava Jato para atender a seus próprios interesses privados. Moro e os procuradores de Curitiba sabiam ao menos desde 2015 que a Petrobras enfrentaria processo nos EUA, não na condição de “vítima” como no Brasil, mas sim de “culpada”, o que a levaria a petroleira ao pagamento de multa estratosférica às autoridades americanas – como, de fato, veio a ocorrer em 2018, quando a Petrobras assinou acordo para pagar quase 3 bilhões de dólares e encerrar o processo.
Para a Corregedoria, os repasses autorizados por Moro foram uma forma de ajudar a Petrobras a fazer frente à multa que pagaria nos EUA, para depois a equipe de Deltan Dallagnol tentar “desviar” o dinheiro que voltaria ao Brasil (os EUA decidiram devolver 80% do valor) para uma fundação privada. A juíza Gabriela Hardt também é alvo de representação disciplinar por ter homologado o acordo para a fundação Lava Jato. Na sessão do dia 16 de abril de 2024, o CNJ decidiu julgar a representação contra Hardt primeiro, deixando Moro para um segundo momento.
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