Estudo publicado pela revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences revela que as civilizações humanas realmente envelhecem e sua propensão a se extinguirem aumenta gradualmente ao longo do tempo
Luke Kemp*, BBC
A ascensão e a queda das grandes potências são um clichê da história.
É comum a ideia de que as civilizações, os Estados e as sociedades crescem e entram em declínio. Mas será verdade?
Somos um grupo de arqueólogos, historiadores e cientistas da complexidade. Nós decidimos avaliar a veracidade dessa noção.
Para isso, realizamos o maior estudo já feito para determinar se o envelhecimento das sociedades pode ser observado nos registros históricos. Nossos resultados foram publicados pela revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences.
O estudo sugere que os Estados realmente envelhecem e sua propensão a se extinguirem aumenta gradualmente ao longo do tempo. Que lições podemos tirar para os dias atuais?
Os Estados são mortais
Definir civilizações ou sociedades é uma tarefa incômoda. E o termo “civilizações”, muitas vezes, carrega uma bagagem repulsiva.
Por isso, restringimos nossa análise aos “Estados” pré-modernos – organizações centralizadas que impõem normas sobre um dado território e população (muito parecidas com os Estados-nações dos Estados Unidos e da China, atualmente).
Adotamos uma abordagem estatística sobre dois bancos de dados diferentes.
Criamos nosso próprio banco de dados sobre a “mortalidade dos Estados” (que chamamos de Moros, o deus grego do destino). Ele contém 324 Estados que existiram ao longo de um período de cerca de 3 mil anos (de 2000 a.C. até 1800 d.C.).
Estas informações foram compiladas com base em diversos outros bancos de dados, uma enciclopédia de impérios e várias outras fontes.
Também organizamos o banco de dados Sehat, o maior depositário online de informações históricas do mundo, curadas por arqueólogos e historiadores. Ele inclui 291 unidades políticas.
Nossos estudos usaram uma técnica denominada “análise de sobrevivência”. Nós compilamos o período de vida desses Estados e analisamos sua duração. Se não existir efeito de envelhecimento, podemos esperar uma distribuição “atemporal”, em que a probabilidade de término de um Estado é a mesma no primeiro ano e dali a 100 anos.
Um estudo anterior, envolvendo 42 impérios, chegou exatamente a essa distribuição atemporal. Mas, no nosso banco de dados maior, encontramos um padrão diferente.
Nos dois bancos de dados, o risco de término do Estado aumentou ao longo dos dois primeiros séculos, até ficar estável em nível alto.
Nossas descobertas confirmaram outra análise recente de mais de 168 eventos de crises históricas. A duração média dos Estados no banco de dados de crises foi de cerca de 201 anos.
A tendência de envelhecimento pode ser observada até mesmo quando excluíamos as dinastias. Essas são construídas com base em linhagens sanguíneas familiares e tendem a ter vida curta, muitas vezes devido a disputas pela sucessão ou à perda de poder da linhagem familiar.
Estudos promissores sobre a “desaceleração crítica” sustentam nossas conclusões.
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Antes que um sistema complexo passe por uma alteração de estrutura em larga escala, ou um “ponto de virada”, muitas vezes ele começa a se recuperar mais lentamente dos problemas enfrentados. É um fenômeno similar ao envelhecimento do corpo humano – as lesões podem trazer consequências mais duradouras quando você é mais idoso.
Temos agora evidências dessa desaceleração crítica para dois grupos históricos diferentes: os primeiros agricultores da Europa neolítica e as sociedades Pueblo, do sudoeste dos Estados Unidos.
Cerca de 4 a 8 mil anos atrás, os agricultores do período neolítico se espalharam pelo território que hoje forma a Turquia, até chegarem à Europa. Eles enfrentaram crises periódicas, causadas por guerras e conflitos, seguidas por quedas da população e dos campos agrícolas, além da redução da produção de cereais.
Já as sociedades Pueblo eram produtoras de milho. Elas construíram as maiores edificações sem terra dos Estados Unidos e do Canadá, antes dos arranha-céus com estrutura metálica de Chicago, no século 19.
Os povos Pueblo também enfrentaram diversos ciclos de crescimento e retração, que terminaram em crises perto dos anos 700, 890, 1145 e 1285. Em todos esses eventos, a população, o milho e o urbanismo sofreram redução e a violência aumentou.
Em média, esses ciclos levaram dois séculos, o que está de acordo com o padrão encontrado nos nossos estudos. E, tanto para os primeiros agricultores da Europa quanto para as sociedades Pueblo, as populações se recuperaram mais lentamente dos choques enfrentados, como as secas, pouco antes do seu colapso.
Existem inúmeros ressalvas que precisamos conhecer. Em primeiro lugar, os Estados podem terminar de diversas formas.
Pode ser simplesmente uma mudança das elites dominantes, como um golpe dos senhores da guerra. Ou pode ser um colapso da sociedade, que envolve uma sólida perda de governança, escrita, estruturas monumentais e declínio da população, como ocorreu na Grécia micênica.
O término dos Estados não é necessariamente algo ruim. Mesmo entre as civilizações que realmente sofreram um colapso total, muitas comunidades sobreviveram e até prosperaram.
Muitos Estados pré-modernos eram gravemente desiguais e predatórios. Um cálculo indica que o Império Romano do Ocidente, no seu final, estava a 75% do caminho rumo ao nível máximo de desigualdade de riqueza teoricamente possível (no qual um único indivíduo detém toda a reserva de riqueza).
Além disso, os nossos números são baseados nas datas de início e fim geralmente aceitas nos registros históricos e arqueológicos. Mas estas datas, muitas vezes, são questionáveis.
O Império Romano do Oriente (Bizantino), por exemplo. Terá ele realmente terminado com a queda da sua capital, Constantinopla, em 1453? Ou com o saque de Constantinopla e a repartição dos seus territórios pelos cruzados, em 1204? Ou com a perda de grandes territórios para os califados islâmicos no século 7°?
Para ajudar a solucionar estas questões, usamos duas estimativas, superior e inferior, para o início e o final de cada Estado.
Apesar das limitações, este é o maior estudo já realizado sobre o tema e as conclusões entre os dois grandes conjuntos de dados foram similares. Por isso, esta é a resposta mais abrangente que temos até agora.
As próximas etapas serão pesquisar o que incentiva a longevidade das sociedades e o que causa o aumento da sua vulnerabilidade.
Os Estados podem perder sua resiliência ao longo do tempo devido a uma série de fatores. O crescimento da desigualdade, instituições extrativas e conflitos entre as elites podem amplificar o atrito social ao longo do tempo.
A degradação ambiental pode prejudicar os ecossistemas que sustentam os Estados. Ou talvez o risco de doenças e conflitos aumente à medida que as áreas urbanas ficam mais densamente povoadas.
E a perda de resiliência também pode se dever a uma combinação de diversos fatores.
O nosso mundo moderno está envelhecendo?
Os padrões de envelhecimento dos Estados pré-modernos têm alguma relevância para os dias atuais? Acreditamos que sim.
É difícil saber se todo o sistema mundial atual está sujeito aos mesmos padrões que identificamos no nosso estudo. Mas o mundo dificilmente é imune ao crescimento da desigualdade, degradação ambiental e à competição entre as elites – fatores que já foram apresentados como sendo precursores de colapsos anteriores na história humana.
Globalmente falando, o 1% mais rico detém quase a metade da riqueza do mundo, enquanto a metade inferior possui cerca de 0,75%.
As mudanças climáticas atuais não têm precedentes e são uma ordem de magnitude mais rápidas do que o aquecimento que causou a pior extinção em massa da história do planeta. E seis dos nove principais sistemas que sustentam a Terra se transformaram em zonas de alto risco.
Enquanto isso, os conflitos entre as elites econômicas ajudaram a criar a polarização e a desconfiança em muitos países.
Ao contrário dos Estados que estudamos, o mundo agora é globalizado e hiperconectado. Mas isso não deve ser motivo de conforto.
Um único Estado que se fragilize e tenha fim, normalmente, não trará maiores consequências para o mundo como um todo, mas a eventual instabilidade de uma superpotência, como os Estados Unidos, pode criar um efeito dominó além das suas fronteiras.
A covid-19 e a crise financeira global de 2007-2008 mostraram como a interconectividade pode amplificar os choques em tempos de crise.
Nós observamos isso em muitos outros sistemas complexos. Ecossistemas densamente interconectados, como recifes de coral, conseguem se proteger melhor contra pequenos choques, mas tendem a sobrecarregar e disseminar golpes maiores.
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A maioria dos Estados atuais é sensivelmente diferente dos impérios de séculos atrás. A produção industrial, imensas capacidades tecnológicas, burocracias e forças policiais profissionais provavelmente tornaram os Estados mais estáveis e resilientes.
Mas a nossa tecnologia também traz novas ameaças e fontes de vulnerabilidade, como armas nucleares e a rápida difusão de patógenos. E também precisamos ter cuidado para não comemorar nem incentivar o entrincheiramento de regimes malévolos ou autoritários.
O fato é que a resiliência e a longevidade não são necessariamente positivas. Esperamos que a compreensão da história antiga possa ajudar a evitar os erros do passado, incluindo as possíveis fontes de envelhecimento das sociedades.
*Luke Kemp é pesquisador do Instituto de Estudos Avançados Notre Dame e do Centro de Estudos sobre Riscos Existenciais da Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Seu primeiro livro – Goliath’s Curse: A Deep History of Societal Collapse and What it Means for our Future (“A maldição de Golias: história profunda do colapso das sociedades e o que ela significa para o nosso futuro”, em tradução livre) – será lançado pela editora Penguin Random House em maio de 2025.
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