Rui Martins, Revista Será
Há muita gente preocupada com a insistência das redes sociais de extrema-direita e evangélicas em continuar reprisando velhas mentiras ou criar novas versões sem perda de seguidores. Essa fidelidade capaz de reunir meio-milhão de vistas e centenas de milhares de curtidas em algumas horas foi reforçada com a atualidade das críticas do proprietário do twitter, agora X, Elon Musk ao ministro Alexandre de Moraes do STF e poderá chegará chegar a um máximo com o encontro de domingo em Copacabana, reunindo o ex-presidente Bolsonaro, o Pastor Silas Malafaia e os mais representativos políticos bolsonaristas. Embora no encontro de 25 de fevereiro, na avenida Paulista em São Paulo, o clima tenha sido comedido com o ex-presidente propondo anistia para todos, a recente intervenção estrangeira de Elon Musk relançou o clima de polarização e deverá trazer de volta os discursos de ódio contra o presidente Lula e o STF.
Alguns canais de esquerda se perguntam por que o governo de Lula não é mais ativo nas redes sociais para mostrar as realidades positivas de seu governo, a fim de estancar esse constante desgaste provocado por fake-news e discursos de ódio.
Ou é simplesmente impossível chegar até aos adeptos bolsonaristas, mesmo se grande parte são negros, pardos, pobres e nulheres, insensíveis aos alertas de que seu líder é racista, indiferente às medidas contra a pobreza e mesmo contra à liberdade para as mulheres?
Só alguns começam agora a perceber haver uma impermeabilidade impedindo aos bolsonaristas a recepção de “narrativas” ligadas aos direitos sociais. Essa impermeabilidade é criada pela maneira como funcionam as seitas neopentecostais. Elas funcionam como comunidades, incentivam atividades capazes de criar proximidade entre as pessoas e são como células ativas com reuniões periódicas toda semana. As pregações, as escolas bíblicas para crianças e jovens são constantes, semanais ou bi-semanais, não deixando espaços para outros tipos de preocupações depois do trabalho. Nisso lembram as antigas células do partido comunista com atividades para estudantes, donas de casa e operários. Hoje, nenhum partido faz isso, porém os evangélicos além de religião se tornaram partido político fundamentalista.
Numa longa entrevista concedida ao Uol, o líder petista José Dirceu afirma que Lula e o PT devem ir ao encontro dos evangélicos. Não deixou nada preciso, mas lembrou que a igreja católica entrou em decadência ao reprimir a teologia da libertação, que ia ao encontro do povo, e deixou o caminho aberto para os neopentecostais.
Muitos bolsonaristas esqueceram de que foi Lula quem favoreceu a criação da marcha para Cristo, facilitou os alvarás de funcionamento para as igrejas evangélicas funcionarem em garagens e da presença oficial da então presidente Dilma na inauguração do Templo de Salomão, de Edir Macedo. A ideia de Lula ir ao encontro dos evangélicos não é assim tão simples, pois não houve retorno favorável aos esforços petistas do passado. Muito ao contrário, para impedir a eleição de Lula, em 2022, os líderes evangélicos usavam as redes sociais para amedrontar seus fiéis com a chegada do comunismo e o fechamento de igrejas caso Lula fosse eleito. Ainda hoje a bancada evangélica procura boicotar o governo de Lula.
Embora a maioria evangélica continue sendo bolsonarista, existe mesmo uma minoria de esquerda, como o atual e combativo do Psol, o deputado federal Henrique Vieira, e a ministra verde Marina Silva.
Entretanto, quando se fala na maioria de pastores e seguidores evangélicos ela é fundamentalista, foi golpista e se confunde com a extrema-direita. Recentemente, o canal Opera Mundi dedicou um grande espaço para dois pesquisadores com livros publicados, João Cezar de Castro Rocha e Bruno Paes Manso, explicarem quais são as linhas mestras do evangelismo ou neopentecostalismo brasileiro, seguidas também por grande parte de igrejas protestantes tradicionais, como presbiterianos, metodistas e batistas.
Na verdade, quase se poderia falar num desvio evangélico ou numa refundação da teologia evangélica, por influência da igreja assembléia de Deus e de teólogos fundamentalistas norte-americanos, cujos seguidores nos EUA apoiam Donald Trump para a presidência. Trata-se da Teologia do Domínio, que num rápido resumo consiste numa recalibragem da mensagem cristã evangélica misturando-se com os preceitos básicos do Deus de Israel do Velho Testamento. O cristianismo deixa de ser só mensagem de paz e amor, como se pregava, para juntar conceitos guerreiros do Deus de Abrãao. Quem seguiu pela televisão o encontro bolsonarista do 25 de fevereiro talvez tenha percebido: não se falava nunca em Jesus Cristo, mas sempre em Deus, subentendido o Deus de Israel, donde uma identificação dos evangélicos com os israelenses (embora não sejam cristãos) a ponto de ostentarem e respeitarem a bandeira de Israel.
Nessa linha, os novos evangélicos são guerreiros do Bem contra o Mal, ou seja, defendem os valores vigentes ainda na metade do século passado sendo contra o aborto, contra o homossexualismo e contra o feminismo. Nos EUA, onde a colonização foi guerreira e a posse e o uso de armas é comum na população, há o risco de guerra civil, no caso de Trump ser derrotado ou não puder disputar a eleição presidencial. Ao que parece, pelo menos os fatos demonstram, a teologia guerreira do domínio, já transformada em partido político de extrema-direita e orientada no sentido de garantir a eleição de Bolsonaro, não funcionou com os evangélicos brasileiros, cujo pacifismo inato, mesmo no 8 de janeiro em Brasília, decepcionou os líderes golpistas.
Resta uma dúvida: por que Deus escolheu como líderes Trump, nos EUA, e Bolsonaro, no Brasil? Para isso há uma explicação: Deus unge ou escolhe pessoas que nem sempre são perfeitas. E logo é citado o caso do rei Davi, herói contra Golias, escolhido por Deus, mesmo se havia pecado no caso de Urias e Bethsaba, crime e adultério. Os pastores sabem que Deus escolheu Trump, nos EUA, mesmo com todos seus erros, e Bolsonaro, no Brasil, apesar de todas suas falhas e pecados.
Há alguma lógica ou racionalidade nisso? Não, nenhuma. Entretanto, os evangélicos poderão ultrapassar os 50% da população em 2050 e criar novas leis favorecendo seu credo conservador e fundamentalista. Não será uma exceção: o Irã é uma teocracia islâmica e o governo do Hamas em Gaza é uma teocracia islâmica. E Israel é quase uma teocracia.
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