Governo Bolsonaro favoreceu desastre climático e agiu contra consenso internacional
Governo anterior cortou 93% da verba para pesquisa em mudanças climáticas, incentivou queimadas na Amazônia e relaxou o compromisso internacional em relação à prevenção às mudanças climáticas
Beatriz Dantas, Henrique Cochi, Giovana Plácido, Stéfany Ferreira de Lima, Isabela Morais Rodrigues, João Pedro Taffner, Lucas Santos do Nascimento, Nícolas de Paula e Olympio Barbanti, Diplomatique
A catástrofe das inundações no Rio Grande do Sul é mais um desastre ambiental pelo qual o Brasil tem passado nos últimos anos. Seca na Amazônia, queimadas no Pantanal, deslizamento de encostas no Rio de Janeiro, inundações na Bahia, rompimento de barragens em Minas Gerais, e diversos outros desastres que resultam em rios poluídos, temperaturas escaldantes, falta de água de abastecimento, praias tomadas pelo mar, solos contaminados, fauna extinta etc. Desde a década de 1980, quando o município de Cubatão passou a ser chamado de “Vale da Morte”, o modelo de desenvolvimento desigual acumulado vem transformando o esplendor da natureza dos biomas brasileiros em terra arrasada e, agora, em cidades arrasadas, também.
Nesse cenário de horrores, os mais atingidos são os mais vulneráveis: as classes sociais mais pobres que invariavelmente habitam as áreas mais degradadas ambientalmente e são afetadas por um conjunto de fatores crônicos.
O acúmulo de calamidades que vem acontecendo no Brasil é indissociável do modelo de desenvolvimento desigual que causa o fenômeno das mudanças climáticas. Apesar dos avisos insistentemente divulgados por cientistas e ativistas ambientais em âmbito nacional e internacional, o setor empresarial brasileiro –nas cidades e no espaço rural– faz pouco pela sustentabilidade de suas operações.
O setor agrícola, em particular, parece ecoar a opinião do deputado gaúcho Alceu Moreira (MDB/RS) ainda durante os piores dias da tragédia que arruinou seu estado: mudanças climáticas são coisa de gente “ambientalóide esquerdopata”, disse ele –numa designação, digamos, mais sofisticada do que aquela usada nos anos 1980, quando o mesmo grupo de defensores do meio ambiente era chamado de “ecochato”. O negacionismo climático –acompanhado de um movimento político que rebaixa o ativismo contemporâneo a um mero “alarmismo”, “ambientalóide esquerdopata”– é responsável pelo agravamento dos desastres naturais.
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Nesse contexto, o governo de Jair Bolsonaro (2018-2022), pode ser considerado o exemplo mais bem acabado de negligência na proteção ambiental e flexibilização para pior das possibilidades de aplicação das leis ambientais.
Seu legado anti-ambiental inclui altas taxas de desflorestamento na Amazônia para criar pastagens, o corte de 93% da verba para pesquisa de mitigação às mudanças climáticas, o engavetamento da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) e o descompasso da política doméstica ambiental em comparação à internacional. Sua gestão foi um fator determinante para o agravamento das condições climáticas no país.
No governo Bolsonaro, a Amazônia teve o seu pior desmatamento desde 2006. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a área desmatada na Amazônia teve um aumento de 52,9% entre os anos de 2019 e 2021, sendo 13.235 km2 desmatados no bioma. As causas são inúmeras: o menosprezo do governo em relação a ações de fiscalização e controle, o afastamento de servidores ambientais e a censura de suas pesquisas, além da redução do orçamento dos órgãos ambientais, que em 2021 foi o menor em 21 anos. Isso foi visto no Fundo Amazônia, que teve sua autonomia diminuída e regras modificadas favorecendo, direta ou indiretamente, ilícitos ambientais.
Além da negligência do governo em relação às políticas ambientais, podemos destacar o descaso do país em relação às ações de redução e prevenção climática. A NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) apresentada em 2015 no Acordo de Paris estabeleceu que o Brasil chegaria em 2030 emitindo 1,2 bilhão de toneladas líquidas de CO2. No entanto, em 2020 ocorreu uma atualização da NDC em que, por meio de uma base de cálculos diferentes, instituiu um aumento de emissão de 400 milhões de toneladas a mais do que a meta original de 2015.
Logo, no contexto das enchentes no Rio Grande do Sul –o maior desastre ambiental já ocorrido em solo brasileiro– e levando em conta o governo precedente, cabe analisar como o país se posiciona no contexto internacional em relação a iniciativas relacionadas a riscos ambientais. Para isso, o texto perpassa os temas acerca do papel das Nações Unidas e adaptação às mudanças climáticas, o regime ambiental internacional vigente, a posição da sociedade civil, ONGs e instituições públicas brasileiras, os impactos prejudiciais à sociedade e a economia política dos desastres ditos “naturais”.
Desta forma, a seguir, pontuamos como o governo Bolsonaro se posicionou em desconformidade com os compromissos já assumidos pelo governo brasileiro no âmbito internacional.
Governo Bolsonaro abandonou o Plano Nacional de Adaptação (PNA) às Mudanças Climáticas
As medidas adotadas no governo Bolsonaro contrastam com o estado de emergência climática que perpassa a Terra e vão de encontro com o posicionamento da Organização das Nações Unidas que advoga a importância de mitigar as mudanças climáticas como também a necessidade de se adaptar a elas. Além disso, elas se contrapõem com a cooperação internacional entre os países, que, em 2015, estabeleceram no Acordo de Paris, ratificado pelo Brasil, a Meta Global de Adaptação.
O Brasil instituiu o Plano Nacional de Adaptação (PNA), em 2016, nos últimos dias do governo Dilma Rousseff. No entanto, após o golpe que derrubou a presidenta, não houve investimento na implementação do mesmo, em especial durante o governo Bolsonaro. Seu Relatório Final de Monitoramento e Avaliação (2016-2020), avaliando seu primeiro ciclo de execução, aponta a necessidade de ações mais efetivas.
Entretanto, o segundo ciclo de PNA foi abandonado na gestão do governo Bolsonaro, sendo uma das ações que demonstram a transgressão do Brasil nas questões ambientais e compromissos assumidos no âmbito internacional. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, na abertura da reunião do Grupo Técnico de Adaptação, em novembro de 2023, reiterou como o país está atrasado no Plano de Nacional de Adaptação, que só viu o início da elaboração do segundo ciclo do PNA no atual governo do presidente Lula.
Estudo “Brasil 2040” sobre impacto de mudanças climáticas foi engavetado
Ainda no governo Dilma Rousseff, sob coordenação da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE-PR), foi preparado o estudo “Brasil 2040“, com vistas a projetar os impactos das mudanças climáticas no Brasil em diversos setores econômicos e sociais até o final do século XXI.
O estudo, que foi ignorado pelo governo Bolsonaro, segue diretrizes internacionais, especialmente em relação à modelagem climática e à análise dos impactos das mudanças climáticas. Ele utiliza modelos climáticos globais, adaptações locais e aborda estratégias de mitigação e adaptação, alinhando-se com práticas e recomendações de organismos internacionais como o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas).
O terceiro governo Lula, diante disso, está tendo a missão de reinserir o país nesses regimes, seja por conta de uma tradição diplomática perdida na última década ou pela urgência do tema para o Brasil. A COP 30, com sede em Belém, é um símbolo dessa reconstrução diplomática.
Órgãos do próprio governo não foram ouvidos
Para além de estudos e planos, o Brasil possui uma estrutura institucional relacionada a alertas para questões climáticas que é invejável no contexto dos países em desenvolvimento. Os principais centros institucionais, criados em 2012, são: o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) –núcleo monitorador de áreas de risco a partir do gerenciamento de informações vindas de radares meteorológicos, pluviômetros e previsões climáticas–, e o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil –atuante nos Estados e municípios, o qual tem como intuito a redução da intensidade dos desastres naturais a partir da prevenção, preparação para emergências, mitigação e recuperação de áreas afetadas.
Embora o Brasil possua órgãos de prevenção efetivos, compatíveis e alinhados às diretrizes internacionais, eles não foram devidamente ouvidos pelas autoridades em escala federal, estadual e municipal. Segundo Gustavo Fernandes, professor de administração pública da FGV/EASP que concedeu uma entrevista à Folha de S.Paulo, “o Brasil carece de uma autoridade climática, organizada pelo governo federal, com orçamento para o processo de reparação para elaborar ações de assistência social, policiamento mediante os saques, educação e infraestrutura”.
Nessa linha de pensamento, a falha não é das instituições responsáveis por monitorar e emitir alertas, e sim da negligência por parte do governo. O Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil, previsto na lei 12.068 de 2012, nunca foi criado. De acordo com o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, sua previsão de lançamento é para junho deste ano. É inadmissível que projetos de escala nacional que visam mitigar os desastres naturais só avancem depois da calamidade acontecer.
Sociedade civil e ONGs não foram ouvidas
A urgência das ações de governos em favor de medidas de contenção de mudanças climáticas e adaptação a elas é continuamente alertada por Organizações Não Governamentais. No entanto, no governo Bolsonaro, não houve diálogo com a sociedade civil e os alertas emitidos por essas representações da sociedade foram ignorados Nesse sentido, o PNMC e o relatório “Brasil 2040: cenários e alternativas de adaptação à mudança do clima” já alertavam o governo brasileiro sobre a necessidade de ação urgente contra impactos causados pelos eventos climáticos extremos. Segundo o Greenpeace, “o efeito surpresa” não pode ser usado como desculpa para os desastres que vêm ocorrendo no Brasil e no mundo, pois não estamos mais lidando com algo inesperado. Mortes em larga escala e perdas materiais bilionárias são inevitáveis na nossa realidade, caso seja mantido o descaso com o meio ambiente do governo “passa a boiada” de Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente de então, Ricardo Salles; descaso esse que afetou justamente um dos estados mais importantes na pecuária brasileira.
Durante o evento “Vozes pela Justiça Climática: diálogos e contribuições para o Plano Clima”, Marina Silva defendeu que, mais do que mitigar e adaptar, será necessário transformar. É preciso que ocorra uma transformação do modelo de desenvolvimento e do Plano Clima de modo a incluir as perspectivas mais marginalizadas da sociedade, como o saber do povo indígena e o saber popular, além do próprio saber científico.
Gastos com desastres ambientais chega a R$ 485 bilhões entre 2012 e 2023
As consequências do despreparo climático são perigosas, custam caro, atrasam a economia e acarretam imensos danos à infraestrutura e à sociedade. Segundo dados do Painel de Recursos para Gestão de Riscos e de Desastres/TCU, o investimento federal na contenção de desastres climáticos foi de R$ 4,9 bilhões nos últimos dez anos, um valor consideravelmente inferior ao necessário para atender às demandas do país.
De outro lado, no mesmo recorte temporal, o Brasil gastou R$ 13 bilhões em reparos emergenciais após tragédias ambientais –uma verba direcionada aos custos para reconstrução de instituições, reerguimento comercial e turístico e auxílio financeiro à população atingida. Considerando alguns fatores como o detrimento de atividades econômicas, produções agro-culturais, pecuaristas e industriais, além dos imóveis e edifícios afetados por catástrofes climáticas, o país teve um prejuízo de R$ 485 bilhões entre 2012 e 2023.
Conclusão
O desastre do Rio Grande do Sul trouxe à tona a preocupação com as mudanças climáticas e seus impactos. Como costuma acontecer no Brasil é necessário um grande desastre para que forças políticas e econômicas se mobilizem. Embora houvesse uma política Nacional de Mudança do Clima de Mitigação e Adaptação Climáticas, o governo Temer foi claudicante e o de Bolsonaro deixou o assunto engavetado, fato que contribuiu para a escala do desastre que ocorreu no território gaúcho.
Como é sinalizado no Relatório Final do primeiro ciclo do PNA (2016-2022), é de ampla importância que o Estado Brasileiro invista na redução das vulnerabilidades socioambientais, com uma articulação interfederativa, além de contribuir para um aumento da resiliência climática de forma mais concreta.
O reforço do compromisso com o meio ambiente é de extrema importância para a manutenção da imagem política do Brasil no engendro internacional. O abandono às práticas ambientais displicentes que marcaram o governo Bolsonaro, atraindo atenção negativa para a atuação brasileira no combate às mudanças climáticas, parece ter se tornado uma prioridade no novo governo Lula.
Em um encontro do Fórum Econômico Mundial, em janeiro de 2023, a ministra Marina Silva destacou a agenda ambiental como uma urgência para o novo governo, compreendendo o papel crucial do Brasil no contexto de preservação florestal e do combate ao desmatamento.
O resgate aos planos de cuidado ambiental, assim como a hospedagem da COP 30 do Clima, em 2025 em Belém, também são marcas do atual posicionamento ambiental internacional do país. Sendo assim, tal agenda também precisa ser aplicada aos desastres climáticos internos do Brasil.
As consequências climáticas alertadas ao longo dos últimos 50 anos chegaram e é partindo desse incontornável fato que a mudança deve ocorrer em todas as esferas da sociedade: uma classe política preocupada com a natureza, um setor empresarial que sirva ao bem comum e um povo que saiba cuidar do seu redor.
*Beatriz Dantas, Henrique Cochi, Giovana Plácido, Stéfany Ferreira de Lima, Isabela Morais Rodrigues, João Pedro Taffner, Lucas Santos do Nascimento, e Nícolas de Paula são Pesquisadores do Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB). Olympio Barbanti é Professor adjunto da Universidade Federal do ABC (UFABC) e coordenador do OPEB. Possui graduação em Comunicação Social (Jornalismo) pela Fundação Cásper Líbero (1983), mestrado em Social Development Planning and Management – University of Wales, College of Swansea (1994) e doutorado em Social Policy and Administration – London School of Economics and Political Science (1999).
Referências
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