O justiceiro finalmente será contido por causa de uma briga pessoal?
Sergio Moro será processado por ter caluniado Gilmar Mendes. Como hoje está em desvantagem, pode ser condenado. Mas e daí, o que isso significa para os mortais que acompanham a briga aqui da parte debaixo da colina?
Não significa nada, apesar de ter virado manchete dos jornais. Num país em que o sistema de Justiça ainda mantém presas mulheres que furtam pacotes de massa, o que quer dizer a briga do ex-justiceiro de Curitiba com o ministro do Supremo que mais odeia os justiceiros?
Nada. Zero. A briga só tem relevância pelo tamanho da sua insignificância. Significa apenas que eles têm o direito de duelar, em guerra pessoal, com a desenvoltura que os cidadãos comuns não podem ter. Porque se sentem imunes a contenções e represálias. Conhecem a arena da briga.
Moro foi filmado em área aberta, numa festa junina no Paraná, em 14 de abril do ano passado, e disse que iria “comprar um habeas corpus do Gilmar Mendes”. Disse sabendo que era filmado.
A denúncia de calúnia, formulada pela Procuradoria-Geral da República contra o ex-juiz, foi acolhida no Supremo pela relatora do caso, ministra Cármen Lúcia, e pelos ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin, Luiz Fux e Alexandre de Moraes.
Nenhuma surpresa. Uma decisão por cinco a zero que não muda nada. Não altera nenhum aspecto da percepção média do brasileiro sobre o Judiciário e o protagonismo de suas celebridades.
No exato momento em que as coisas acontecem, vencem os que estiverem mais fortes e nem sempre os que merecem vencer. Como ocorre em rinha de galo e em briga na Justiça. Tem que ver o momento. O momento de Moro é ruim.
Mas a decisão do STF de abrir o processo não deve mexer nas trocas de acusações de Mendes com os lavajatistas. Indica apenas que, nesse caso e nesse momento, o Supremo está mais forte, depois de ter sido humilhado por Moro durante anos.
O STF que Moro submeteu ao seu comando, na fase da Lava-Jato inatacável, agora manda dizer que ele não pode ofender o ministro que mais vem atacando o lavajatismo.
Mendes já disse que a Lava-Jato “terminou como uma organização criminosa”. Afirmou que Deltan Dallagnol poderia fundar uma igreja “com a chuva de PIX” que recebeu.
Dallagnol respondeu: “Eu prefiro fundar uma igreja do que fundar um clube de proteção aos mais corruptos e criminosos do Brasil”.
Mendes teria dito, num encontro reservado com o ex-juiz Moro – e nunca disse que não disse –, que Sergio Moro e Dallagnol “roubavam galinha juntos”. Moro havia ido ao encontro de Mendes para pedir trégua e um copo d’água e não reagiu à publicação da ofensa em todos os jornais.
O ex-procurador-geral Rodrigo Janot confessou que um dia pensou em matar Gilmar Mendes a tiros. O ministro respondeu que o país havia sido “refém de quem confessa ter impulso homicidas”.
Mendes já processou a atriz Monica Iozzi e o jornalista Rubens Valente. Sentiu-se ofendido pelos dois, pediu indenização por dano moral e venceu. O ex-juiz de Curitiba será o próximo? Ficará inviabilizado como político? O que vai acontecer, se acontecer?
O Brasil produziria mais um deboche, patrocinado pelo Judiciário, se Moro, até agora impune, apesar dos crimes cometidos como juiz, fosse finalmente contido pelo STF por uma ofensa a Gilmar Mendes. E depois de ter sido poupado pelo TSE.
O que sobra aos mortais sem prerrogativas e sem chances de acusar e se defender em territórios privilegiados é ficar admirando o embate de duas figuras que aprenderam a se odiar. E fazem uso dos recursos que só eles têm, na arena da magistratura e dos mandatos, para que o ódio se institucionalize e ganhe glamour.
Sergio Moro e Gilmar Mendes odiavam-se como juízes e continuam a se odiar. Têm armas, armaduras e imunidades especiais. A mulher que furta um pacote de massa só tem fome.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).
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