Uma pergunta que nem sempre circula como deveria no Brasil, porque é incômoda e mexe com medos e omissões: é possível que tenhamos chegado a um estágio de degradação moral sem antecedentes no país?
Como complemento, podemos perguntar: em algum outro momento da História essa degradação esteve tão associada ao ativismo religioso como agora?
E mais esta: em outros tempos, até poucas décadas atrás, um líder religioso seria capaz de dizer publicamente que mulheres mentem que foram estupradas para assim poderem abortar?
O bolsonarista Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. disse em vídeo na internet, com essa fala transcrita abaixo:
“Escute: estava na lei que uma mulher que sofre um estupro tem que ir na delegacia, fazer um registro, denunciar o estuprador, para o médico fazer o aborto. O que a esquerda fez? Retirou isso para proteger o estuprador. E qual a desculpa? É para a mulher chegar diante do médico e mentir. É só ela dizer: fui estuprada. Pronto, se faz o aborto”.
Por que Malafaia cometeu mais essa crueldade com mulheres violentadas, sabendo que a maioria das vítimas de violência sexual é de crianças de até 14 anos?
Disse porque a base dele, as ovelhas da sua Igreja, sustentam o que ele diz. Porque a base neopentecostal pensa o que Malafaia verbaliza, ou Malafaia não existiria ou seria excomungado.
A base religiosa dá lastro ao fascismo no Brasil. A base da extrema direita é religiosa, mas não só evangélica. É também católica, com a ascensão do bolsonarismo em todas as igrejas em que o ultraconservadorismo prevalece.
Igrejas conservadoras, que até anos atrás eram apenas reacionárias, hoje são assumidamente engajadas a práticas fascistas. Inclusive parte da Igreja de Francisco. E quase todas seguem líderes neopentecostais defensores de ideias e ações como as defendidas por Malafaia.
A próxima pergunta é essa: por que não acontece nada com esses líderes sempre sob investigação por delitos variados? Porque o poder religioso está combinado com o poder econômico que enriqueceu pregadores do ódio também racistas, homofóbos e misóginos.
Malafaia continuará dizendo o que pensa, mesmo que submetido a investigações intermináveis em torno de lavagem de dinheiro, porque tem rebanho e poder econômico. É assim que funciona. O sistema de Justiça teme Malafaia.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).
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