por Eduardo Vasco*
O que houve nesse dia 26 de junho na Bolívia ainda não foi um golpe de Estado. Foi um putsch fracassado dado pelo comandante das Forças Armadas, Juan José Zuñiga, de maneira improvisada, acreditando que seria apoiado pelos outros oficiais golpistas.
Mas Zuñiga se precipitou.
Ele havia declarado, dois dias antes, em uma entrevista, que não aceitaria uma nova candidatura de Evo Morales à presidência da República. Como a declaração causou uma enorme polêmica, o presidente Luis Arce anunciou que Zuñiga seria exonerado. Então, o militar se antecipou, organizou um grupo do Regimento Especial de Challapata “Mendez Arcos” e tentou invadir o Palácio do Governo.
Mas ninguém mais o acompanhou. Nenhum quartel se levantou, em nenhum lugar do país. Contudo, ao contrário do que pode se pensar, a polícia não desempenhou um papel preponderante na contenção do putsch. Embora ela também não tenha aderido à aventura de Zuñiga, ela é ainda mais reacionária que o exército e esteve na vanguarda do golpe de 2019.
Evo e o próprio Arce chamaram o povo a se mobilizar contra a tentativa golpista. Centenas de pessoas expulsaram os militares de Zuñiga da Praça Murillo, demonstrando combatividade como haviam feito aos milhares em 2019.
Mas foi menos a mobilização popular e mais a falta de iniciativa dos militares que levou ao fracasso do putsch de Zuñiga.
A Bolívia vive uma forte crise política, tanto entre a direita como entre o MAS. Aqueles que poderiam ser considerados os principais líderes da direita – a ex-presidenta golpista Jeanine Añez, que assumiu após o golpe de 2019, e um dos principais autores daquele golpe, o extremista Luis Fernando Camacho – estão na cadeia.
Um dos objetivos anunciados por Zuñiga era soltar Añez e Camacho, talvez justamente para que unificassem a direita golpista. O mais preocupante é que, na falta de líderes políticos, os próprios militares busquem encabeçar o golpe – como Zuñiga tentou fazer.
Ao contrário do que foi feito por Hugo Chávez na Venezuela, o MAS não conseguiu expurgar os oficiais golpistas das forças armadas. Não houve um expurgo em nenhum momento, nem durante os governos de Evo nem com Arce. Assim, as forças armadas bolivianas são altamente reacionárias e vinculadas com o imperialismo americano. Os agentes da CIA estão profundamente infiltrados entre os militares da Bolívia.
Se, por um lado, os outros oficiais não acompanharam Zuñiga, e a OEA – que havia patrocinado o golpe de 2019 – desta vez condenou o putsch, é reveladora a postura do governo dos Estados Unidos. Enquanto todo o mundo rechaçou o golpismo, o governo americano afirmou apenas que acompanhava a situação e pediu calma e moderação. Essa é uma clara sinalização de que os EUA estão envolvidos com as articulações de um golpe na Bolívia.
Parece que os oficiais bolivianos deixaram Zuñiga se queimar para testar as possibilidades de um golpe de verdade ser bem-sucedido. Como comandante das forças armadas, Zuñiga sabia que outros oficiais têm sérias inclinações golpistas e por isso ele fez a tentativa, caso contrário não teria sido tão ousado.
A crise da esquerda é ainda maior que a da direita. O MAS e os movimentos populares estão profundamente divididos entre as alas de Evo e de Arce. Morales apresentou nos últimos anos sinais de capitulação ao entregar Cesare Battisti a Bolsonaro e ao governo italiano, a participar da posse do próprio Bolsonaro como presidente e a aceitar que Arce fosse o candidato do MAS nas eleições ocorridas devido à pressão popular, que reverteram o golpe e retiraram Añez do poder.
Porém, Arce é um burocrata moderado que, principalmente na política interna, tem se comportado como uma espécie de Lenin Moreno boliviano, embora não tão direitista. Ele não tem poupado esforços para afastar Morales e seus aliados da liderança do MAS e assim tomar o partido para si. Tanto Morales como Arce pretendem se candidatar às próximas eleições presidenciais, e apenas um deles poderá representar o MAS. A luta interna, que já é extremamente conturbada, tende a se acirrar.
Não há como resolver a crise do MAS e reunificar o partido. A única solução favorável ao povo boliviano é o rompimento das bases e da ala esquerda com a ala direita e a formação de um novo partido, operário, socialista e independente, que atue ombro a ombro com a Central Operária Boliviana para impedir o verdadeiro golpe que está sendo preparado, expurgar as forças armadas dos seus elementos golpistas e pró-imperialistas e garantir o poder para os trabalhadores e camponeses bolivianos, que em sua maioria apoiam Evo Morales contra Arce.
A derrota dos impulsos golpistas na Bolívia é fundamental para se impedir os planos de golpe continental feitos pelo imperialismo americano, que já deram certo na Argentina e no Equador e que têm o Brasil como alvo principal, porque os EUA não podem tolerar o Brasil com um governo como este de Lula por muito tempo. Certamente os militares e a direita boliviana mantêm ligações com a extrema-direita de Milei e também com a extrema-direita brasileira. Milei impôs uma ditadura com o uso e o abuso da polícia e do exército na Argentina. Noboa imitou o argentino e fez o mesmo no Equador logo em seguida. Os generais continuam impunes no Brasil um ano e meio após o 8 de janeiro e o bolsonarismo segue com força.
A América Latina, infelizmente, é ainda hoje o “quintal” dos EUA. Diante da complicada situação internacional, especialmente na Ucrânia, no leste asiático e no Oriente Médio, com derrotas sucessivas, o imperialismo americano precisa assegurar o controle do continente. Esse é um dos poucos pontos em que Joe Biden e Donald Trump estão de acordo. Portanto, independentemente do que ocorra nas eleições americanas, a América Latina estará no olho do furacão daqui adiante.
*Eduardo Vasco é jornalista especializado em política internacional