Criticar o PL do Estupro nem é feminismo, que muitas, pois desconhecimento ou efeito inercial de manada, criticam. Defender o direito de abortar o feto oriundo desse crime é questão de defesa prévia
Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
Antes de iniciar estas mal traçadas linhas, já aviso de pronto: embora não filiado, sou um simpatizante do PT. Considerando as democracias, acredito ser ele o maior partido de esquerda do mundo. E eu me considero de esquerda, devo informar isso também.
Eu não sei se sentir ódio, seja por alguém ou por uma instituição, é algo saudável. Acho, francamente, que não sinto ódio de ninguém. Nem o que sinto pelo Jair Bolsonaro se enquadra como tão infeliz sentimento. Há quem diga que o contrário do amor é o ódio. Mas eu já li dum poeta cujo nome, deselegância, não lembro, que o contrário do amor é a indiferença. Então eu, que tão amoroso sou, nem como contraponto aos meus vários amores sinto ódio. Definitivamente, pelo menos pra mim, o amor venceu o ódio, se é que entendem a referência.
Mas concedendo que seja legítimo odiar (que, além de amoroso, sou benevolente mesmo com os maus sentimentos), posso aceitar que se odeie o PT. Posso até aceitar que existam pessoas com reais motivos pra isso.
Em não gostando ou simplesmente não querendo votar no PT, obviamente se procura outras vias, outros candidatos, outros partidos, outros espectros políticos.
Desde 2018, contudo, o plural nas opções parece não fazer mais sentido. Aqueles que querem uma alternativa ao PT invariavelmente, parece, precisam aderir ao bolsonarismo. E percebam o verbo: aderir, não necessariamente votar. Até porque, Bolsonaro está inelegível. O termo é o mais apropriado porque, uma vez convertido (esse verbo de cunho religioso também não é ao acaso), o sujeito deve defender toda e qualquer posição que esse espectro político de extrema-direita assumir.
Por justeza, que se diga que o mesmo vale para a esquerda. Os que se dizem esquerdistas devem, pelo bem da causa, defender incondicionalmente aquilo que esse grupo tem como bandeira. Nesse maniqueísmo dicotômico em que vivemos, esquerdista defende a linguagem neutra e bolsonaristas são contra cotas, mesmo, como já aconteceu com conhecidos meus, que tenham as defendido um dia. Uma vez convertidos, não há mais convicção, só crença ainda que intimamente incrédula.
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Como disse no início, sou de esquerda, mas não me façam vendas casadas. Já me basta um consórcio que tive que participar para diminuir os juros do empréstimo bancário. Estou à margem da discussão sobre linguagem neutra, por exemplo. Na verdade, acho que o Brasil tem demandas bem mais urgentes a discutir, pois ainda pessoas passam fome. Inclusive homossexuais. E não vejo como usar todes ou, pior ainda, amigxs, pode diminuir o preconceito que existe contra a comunidade LGBT (sei que a sigla aumentou, mas também a ignoro).
E mais: precisamos sim, num debate sério, discutir a diminuição da maioridade penal. Pelo menos para alguns crimes e com distinção de lugares a cumprir a pena, mas discuti-la sem ranços ideológicos e argumentos prontos e inconvictos, dum lado e de outro.
E há que se rever também o talvez excesso de assistencialismo do estado em algumas situações. Vejam bem, não me refiro ao tamanho do estado, mas ao amparo talvez demasiado que ele concede algumas vezes.
Tenho mais: meritocracia não é palavrão. Está presente em nossas vidas desde ao levantarmos, ao atravessarmos a rua, ao procurar um emprego e escolher uma profissão, enfim, em tudo. Então por que a esquerda prega que ela não pode existir, entre outros lugares, na Escola, por exemplo?
Aliás, no que tange à educação, talvez minhas ideias se aproximem bem mais do conservadorismo do que do chamado progressismo, que tem se mostrado ineficiente naquilo que importa: o real aprendizado dos estudantes e não a distribuição de diplomas, do Ensino Fundamental à pós.
Eu teria mais algumas divergências inclusas no pacote esquerdista. Mas quero falar do pacote bolsonarista, ou da extrema-direita. Na verdade, de um específico. O título já antecipou.
Que homens outrora progressistas mudem de opinião e agora defendam o não direito da mulher, eu até entendo, já que o machismo explica. Mas mulheres, potenciais vítimas do estupro, defenderem a ideia, com indisfarçável constrangimento, já é demais. Criticar o PL do Estupro nem é feminismo, que muitas, pois desconhecimento ou efeito inercial de manada, criticam. Defender o direito de abortar o feto oriundo desse crime é questão de defesa prévia.
A mulher interromper uma gravidez oriunda dum estupro é antes de civilidade. É um instinto primitivo e natural de defesa. Civilidade seria a sociedade ofertar plenas condições de ela realizar o procedimento com o maior grau de segurança e conforto possível.
Até entendo as bolsonaristas apoiarem um golpe. Quando feito pelo nosso espectro político e/ou ideológico, o golpe nunca é golpe. É sempre uma revolução para levar o país à verdadeira e plena democracia. Vale até cantar hino pra pneu e pedir ajuda dos extraterrestres pra isso. Mas as mulheres bolsonaristas já tiveram que descumprir recomendações da Organização Mundial da Saúde; defender falas preconceituosas (machistas, inclusive); e relativizar crimes e acusações de corrupção, entre outros. Mas, agora por último, defender esse atraso medieval, é de uma excrescência política irracional. Nem a fé religiosa se presta a tamanha crença incondicional.
Mulheres de direita, não votem e até odeiem o PT, se assim acharem que deve ser. Mas não se rebaixem aos mandos e desmandos machistas que os homens da extrema-direita querem impor justamente com o aval de vocês.
De um lado ou outro, que não aceitemos vendas casadas.
Não ao PL do Estupro!
*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”
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