Contra o Preconceito

O resgate da camiseta pôs a Parada LGBTQIA+ na guerra contra o fascismo?

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Imagem: reprodução

Moisés Mendes*, em seu Blog

Darcy Penteado merecia ver o que alguns acham que pode ter sido a politização da Parada do Orgulho LGBTQIA+ para muito além das questões identitárias. Vestir a camiseta da Seleção na Parada de São Paulo, como afronta à extrema direita, seria um primeiro passo nessa direção.

O artista plástico Penteado – que se dedicava a outras múltiplas artes, do teatro à literatura –, imaginava no século 20 que o Brasil poderia ter as mesmas caminhadas gays iniciadas nos anos 70 em Nova York e disseminadas por toda parte.

Penteado morreu em 1987, e o Brasil só teve a sua primeira Parada 10 anos depois. Nem os cariocas, sempre tão atrevidos, conseguiam fazer prosperar a ideia da turma de Penteado.

O artista criou até um jornal gay, o Lampião da Esquina, que circulou de 1978 a 1981, com escrachos que hoje talvez fossem interditados pelos próprios gays. Mas não conseguia fazer a Parada.

Hoje, há caminhadas em várias versões, em cidades grandes e médias, acompanhadas por uma queixa dos héteros que olham de longe: por que um evento tão grandioso não é politizado em seu mais amplo sentido, para que afronte também as opressões contra negros, mulheres, indígenas, pobres? Ainda perguntam: por que a Parada não enfrentou os golpistas?

Sabe-se que essa cobrança incomoda a quem se interroga se o enfrentamento da discriminação e da violência contra a população LGBTQIA+ já não basta. Querem que gays, lésbicas, trans e todos e todas as reprimidas por patrulhas sexuais assumam lutas que a sociedade não vem assumindo?

É uma boa questão a ser devolvida a machos incapazes de levantar a bunda ao menos para aplaudir a passagem da Parada. É uma pauta a ser debatida na busca de compreensão das agendas identitárias no contexto das lutas contra todas as formas de opressão.

Darcy Penteado, dedicado às inquietações das representações artísticas como militante gay, hoje poderia contribuir para que a camiseta da Seleção usada na caminhada em São Paulo se prestasse a múltiplas alegorias. Como objeto a serviço da arte no contexto do ativismo político antifascista.

Usar verde-amarelo é tentar retomar um patrimônio numa guerra suja, desde que a extrema direita se apropriou da camiseta e associou seus significados à moral calhorda de patriotas civis, militares e milicianos do entorno de Bolsonaro.

Depreciaram o que se consagrou como maior símbolo de identidade para a afirmação do que seria a alma do Brasil. O fascismo adonou-se do que era a expressão de brasilidade desde os anos 60.

Uma expressão única, porque qualquer país tem hino e bandeira. Mas só nós temos a camiseta amarela da única Seleção vencedora de cincos Copas do Mundo.

Pabblo Vittar fez bem ao chamar a Parada para a briga pela camiseta na luta contra os líderes de assassinos de gays. E no momento em que a já degradada imagem de Neymar é associada a especuladores de praias e que a imagem de Vinicius Júnior é cada vez mais conectada à luta contra os racistas.

Vini, vencedor da Champions League, melhor jogador da Europa e a caminho de ser o melhor do mundo, nos ajuda a retirar dos tios do zap a camiseta que o cai-cai Neymar nunca soube usar.

Vai funcionar? Se outros grupos sociais não fizerem o mesmo ou algo parecido, não funcionará. Uma camiseta amarela não é apenas uma camiseta, por mais enxovalhada que esteja.

*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).

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