Tanto o aborto quanto a maconha estão presentes na sociedade por tempo demais para serem tratados como tabu ou dogma. Numa sociedade minimamente desenvolvida, questões como essa estariam no âmbito das políticas públicas ou assimiladas aos costumes
Anderson Pires*
Dizem que a fé move montanhas e que Deus é brasileiro. Certamente, as frases servem como alento para um país de tanta potencialidade, mas que vive a eterna busca por dias melhores. O Brasil do futuro é um país que nunca chega. Apesar de tantas riquezas naturais e dimensões continentais, estamos num poço de atraso social, humanístico e cultural.
Nas últimas semanas tivemos provas cabais de como estamos muito distantes do futuro almejado. As duas principais pautas envolviam temas que deveriam ter sido superados no século passado: o aborto e o uso da maconha.
Em pleno século 21, estamos debatendo questões de saúde pública com base na moral religiosa desqualificada. Sim! É desqualificada! Porque a lógica que adotam é baseada em dogmas religiosos que foram criados quando inexistiam parâmetros de análise e toda verdade era imposta.
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Tanto o aborto quanto o uso da maconha demandam abordagem social, cultural e de saúde pública. Em um mundo com tantos avanços científicos e tecnológicos, parece bizarro que os principais argumentos sejam de cunho religioso. Partem da premissa que a vida se estabelece por vontade divina e não por um processo biológico que a caracteriza.
Ao contrário do que os dogmáticos defendem, a vida não se determina pela espiritualidade. Sendo assim, qualquer debate que tenha como premissa a moral cristã, caracteriza uma quebra do estado laico. Até porque existem outras crenças e os sem crenças religiosas.
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Em resumo, o debate sobre o aborto no Brasil remete a inquisição, com uma abordagem sexista, que marginaliza a mulher que optar por interromper a gravidez. Os inquisidores chegam a apelar para a possibilidade de um feto ser mantido vivo fora do corpo, como justificativa para proibição do aborto em qualquer situação.
Em paralelo a esse debate sobre o aborto, outro tema que mereceu manifestações acaloradas foi a descriminalização da maconha para consumo. Mais uma vez, os moralistas partem para o ataque e usam discursos rasteiros em relação ao uso da droga. O mais pueril é o velho argumento de que a maconha seria a porta de entrada para outras drogas.
Qualquer ignóbil é capaz de perceber que se existe alguma porta de entrada para as drogas, não é maconha, mas o álcool. Quem já fumou um baseado sabe que os efeitos provocados são bem distintos dos de outras drogas, não gera excitação ou euforia.
Mas o que mais me assusta são esses temas serem tratados como os mais importantes do Brasil. Enquanto a desigualdade bate recordes, os poderes executivo, legislativo e judiciário estão concentrados debatendo o aborto e a maconha.
Isso é arcaico. Mostra o baixo nível de civilidade que nos encontramos. Tanto o aborto quanto a maconha estão presentes na sociedade por tempo demais para serem tratados como tabu ou dogma. Numa sociedade minimamente desenvolvida, questões como essa estariam no âmbito das políticas públicas ou assimiladas aos costumes.
Como disse Cazuza: “Eu vejo o futuro repetir o passado”. O Brasil caminha para um futuro que em nada difere do passado. As pautas pequenas mostram a pequinês da nossa sociedade. Servem para ofuscar os grandes problemas. Acobertam as desigualdades e tiram do foco o que realmente seria capaz de mudar a realidade do país.
*Anderson Pires é formado em comunicação social – jornalismo pela UFPB, publicitário, cozinheiro e autor do Termômetro da Política.
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