Dois dias depois da performance desastrada de Joe Biden no debate com Donald Trump, no final de junho, a Suprema Corte americana anunciou que o republicano tinha imunidades quando ocupou a Casa Branca. Inclusive para cometer o que se configura não só como desmandos, mas como crimes graves.
Na sequência, dois dias depois do atentado na Pensilvânia, uma juíza da Flórida engavetou o processo em que Trump era acusado de ter furtado do governo e levado para a sua casa em Miami, depois de derrotado, documentos secretos da Casa Branca.
Podem ser casualidades que apontam na mesma direção. O tempo para que a Justiça cercasse Trump pode ter se esvaído. Os juízes conservadores, dos quais dependem as decisões que envolvem Trump, passam a se sentir mais à vontade para favorecer o fascista e reverter expectativas.
Trump tem decisões favoráveis porque provou, principalmente a partir de junho – e depois de ter sido condenado no caso da atriz pornô por ele subornada para ficar quieta –, que está forte de novo.
E as expectativas eram, até a decisão da Suprema Corte, de que o sistema de Justiça poderia manter Trump sob controle, mesmo que sem condenações este ano, antes do que acontecerá na eleição de 5 de novembro.
Foi quando Biden afirmou, logo após o anúncio dos juízes sobre as imunidades, que os americanos teriam de pensar que cabe à política oferecer respostas à ameaças de avanço da extrema direita. Biden quase disse: nesse caso, desistam da Justiça.
Quem no Brasil poderá dizer que os brasileiros devem desistir das expectativas de que Ministério Público e Judiciário vão nos livrar do fascismo? Não só no sentido de julgar, condenar e reparar, mas nos livrar mesmo.
Não só assegurar que os criminosos que agiram nas estruturas do governo, durante quatro anos, serão punidos. Mas que as punições serão capazes de impedir, pelo menos no médio prazo, que eles se rearticulem e voltem a agir contra a democracia.
É preciso pensar no que pode e não pode acontecer, a partir da suspeita de que os relógios dos tempos, no plural, do sistema de Justiça podem estar desregulados. Os tempos da Polícia Federal, do MP e do Supremo, pelo que se vê, já estariam entrando em desalinho.
Foi como resposta a essa suspeita, de que o tempo está passando, que o procurador-geral da República, Paulo Gonet (foto), disse em entrevista ao Globo:
“Vou fazendo o que eu me convenço de que é o certo na hora que me convenço que é a devida”.
O detalhe do verbo no gerúndio parece irrelevante, mas não é. Gonet não faz, mas vai fazendo o que deve ser feito na hora certa. E até agora não há nada a indicar que ele esteja vendo a hora errada, até porque depende, antes, do que lhe é oferecido pelas investigações para que possa formular denúncias.
Só que o tempo está apressando o passo e desafiando investigadores, acusadores e julgadores. E tudo o que envolve as facções bolsonaristas precisará logo de um final, de preferência nesse ano ou no máximo no início de 2025.
Porque, se deixarem tudo para o ano que vem, estaremos entrando no mais sensível tempo da política, às vésperas da campanha para 2026. E num contexto mundial de Trump reeleito e com a extrema direita brasileira excitada, se obtiver bons resultados nas eleições municipais?
Os casos das fraudes dos atestados das vacinas e das joias até poderiam, numa inversão de tempo, ficar para depois, mesmo que sejam os menos complexos e estejam com investigações mais adiantadas, se a PGR conseguisse oferecer respostas a quem espera um desfecho para o que mais importa, que são os crimes do golpe.
Nos Estados Unidos, com os últimos movimentos do Judiciário, fica cada vez mais evidente que Trump deve escapar da acusação de que incentivou e comandou ações golpistas, da apuração dos votos à invasão do Capitólio.
Paulo Gonet sabe que Jair Bolsonaro vê o tempo do trumpismo nos Estados Unidos favorecendo o tempo do bolsonarismo no Brasil. Por enquanto, no gerúndio.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).
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