Em decisão tomada por desembargadores — todos homens —, TJ-SP concedeu a um condenado por estupro de vulnerável o direito de cumprir a pena de 12 anos em regime semiaberto. O crime, considerado dos mais graves do Código Penal, foi cometido contra uma menina de 9 anos e comprovado pela Justiça. Os desembargadores justificaram que o "réu é primário e portador de bons antecedentes", além de destacarem que "não houve conjunção carnal e coito anal"
Cristina Fibe, Universa
Numa decisão tomada por desembargadores — todos homens —, o Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu a um condenado por estupro de vulnerável o direito de cumprir a pena de 12 anos em regime semiaberto.
O crime, hediondo, considerado dos mais graves do Código Penal brasileiro, foi cometido contra uma menina de 9 anos e comprovado pela Justiça. A sentença mínima, de oito anos de prisão, foi aumentada para 12 pelo fato de o violador ser tio da vítima por afinidade — e ter se aproveitado da autoridade e da confiança que ela depositava nele.
Mesmo assim, os desembargadores concederam o benefício do regime semiaberto, “porque o réu é primário, portador de bons antecedentes” e “praticou abuso sexual (obrigou a vítima a masturbá-lo) de menor intensidade em comparação com outros, tais como conjunção carnal e coito anal, a justificar, em atenção ao princípio de proporcionalidade, a imposição de regime menos gravoso”.
O voto do relator, o desembargador Renato Genzani Filho, foi acompanhado por um colegiado de homens.
O julgamento teve a participação dos desembargadores Alexandre Almeida (presidente, sem voto), Guilherme G. Strenger e Xavier de Souza, que não votou com o relator. O Ministério Público de SP recorre da decisão. O réu respondeu ao processo solto e recorre em liberdade.
Procurado, o Tribunal de Justiça de São Paulo respondeu que “não emite nota sobre questões jurisdicionais. Os magistrados têm independência funcional para decidir de acordo com os documentos dos autos e seu livre convencimento. Essa independência é uma garantia do próprio Estado de Direito. Quando há discordância da decisão, cabe às partes a interposição dos recursos previstos na legislação vigente. Além disso, esse processo tramita em segredo de justiça, portanto não há nenhuma informação a ser compartilhada com a imprensa.”
A sentença
A sentença reconhece que, em junho de 2016, o réu, então casado com a tia-avó da vítima, buscou a menina de 9 anos em casa para “dar um passeio”. Só que não havia passeio nenhum. Ele parou o carro numa praça e abusou da criança sexualmente. Acabou sendo flagrado por dois homens, que o arrancaram do carro e bateram nele.
Foram esses homens que levaram a menina de volta para casa e contaram para a sua responsável o que tinham visto. A partir dali, começaram as investigações.
A menina confirmou os abusos e, em depoimento, acrescentou que não era a primeira vez que aconteciam. Disse também que o tio ameaçava a sua família, caso ela não o obedecesse. Deu detalhes das violências, descartando apenas a conjunção carnal.
Diz a sentença que não resta “qualquer dúvida sobre a autoria”, demonstrada pela palavra da vítima e pelas circunstâncias do crime, evidenciadas pelas declarações de familiares e do próprio réu.
Também diz a lei que não é necessária conjunção carnal para se configurar o estupro. Quando a violação se dá contra menores de 14 anos, é ainda mais grave: estupro de vulnerável.
O próprio voto do desembargador lembra que “não é a intensidade do abuso sexual o elemento determinante” para esse crime, e sim “a vulnerabilidade da vítima, em razão de sua tenra idade”.
Tampouco é necessária a conjunção carnal para traumatizar uma vítima de violência sexual, que passará o resto da vida lidando com as consequências do estupro em seu corpo.
A decisão que ameniza essa violência faz vista grossa também para o fato de os abusadores, regra geral, não fazerem apenas uma vítima.
O regime semiaberto é mais do que suficiente para abusar de outras crianças — e para deixar a vítima que buscou a Justiça paralisada de medo.
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