Maduro empurra parte da esquerda para a banda da extrema direita
Até a alma de Olavo de Carvalho foi mobilizada para que a extrema direita mundial bata na eleição venezuelana. É natural que golpistas brasileiros e americanos estejam se divertindo com a possibilidade de derrubar Maduro e causar danos a Lula.
O complicado é ver que uma turma da pesada da direita extremada e moderada, que reúne de Hamilton Mourão a Luciano Huck, passando por Monark, Tabata Amaral e Kim Kataguiri, tem posições semelhantes à de muita gente boa das nossas esquerdas.
Estão com o bolsonarismo e com Donald Trump, com a Folha, com o Estadão e o Globo. Estão com velhos e novos golpistas, com o que o fascismo, principalmente o mais dissimulado, expõe de mais repulsivo em momentos graves. Foram tocar a música da banda inimiga.
Mas fazer o quê se Maduro facilita as coisas para a extrema direita e cria constrangimentos para a esquerda? A eleição posta em dúvida já era anunciada como armadilha para Lula, o PT e quem tem simpatia pelo que resta de chavismo e pelo esforço de Maduro para levar adiante algo maior do que ele.
Maduro constrange as esquerdas, mesmo que se reconheça sua bravura no enfrentamento da caçada comandada pelos Estados Unidos e mesmo que esteja há uma década sob a ameaça permanente de golpe.
O golpismo é intermitente em toda parte, incluindo o Brasil. Na Venezuela é pior, porque eles não irão suportar mais seis anos de Maduro no poder.
Fernando Henrique quis e ficou mais quatro anos no governo no Brasil, criando uma reeleição que não existia aqui. E Fernando Henrique nunca será lembrado pela direita como golpista, mesmo que tenha desejado e arquitetado a reeleição para si mesmo.
Donald Trump, que disputa de novo a eleição na mais arrogante e disfuncional das democracias, anunciou na semana passada a um grupo do que eles chamam genericamente de cristãos conservadores:
“Eu amo vocês. Saiam, vocês precisam sair e votar. Vocês não terão que votar mais. Em quatro anos, vocês não precisarão votar novamente, nós consertaremos tudo tão bem que vocês não precisarão votar”.
Trump, que não poderá ser reeleito de novo, se for eleito este ano, já anuncia que algo irá consertar tudo e solucionar essa barreira. Uma solução que elimine a trabalheira de uma eleição.
Nenhum direitista brasileiro irá apontar o dedo na cara de Trump pela insinuação de que pode virar ditador. Como não fizeram nada depois do 6 de janeiro de 2021 quando da invasão do Capitólio.
Na Argentina, onde prenderam mais de 30 estudantes nas manifestações de rua de 12 de junho e cinco continuam na prisão, especula-se como algo provável que, cada vez mais fraco, Javier Milei pode tentar algo da ideia de Trump. Não há uma linha sobre os encarcerados pelo fascismo argentino.
Não se ouve e não se vê ninguém da direita falando dessa e de outras atitudes da direita, porque as anormalidades só existem do outro lado.
Mas a esquerda se comove com situações que levam a conclusões ou suspeitas de que algo está errado. E Maduro deve ter cometido erros, se forem apenas erros.
É assim que parte das esquerdas, juntando gente conhecida, políticos com representação e anônimos, se manifesta, com várias graduações, com críticas e ataques a Maduro. Todos diante da mais dramática encruzilhada desse século.
Alguns se perguntando sobre o que é isso, outros achando que algo aconteceu e outros mais com certezas de que coisas graves ocorreram.
É o problema das esquerdas, que a direita e muito menos a extrema direita nunca terão. Essas últimas não são consumidas pelo dilema de questionar ou não um parceiro que pode ter conspirado contra a democracia. Porque sabotar a democracia é, claro, da natureza do golpista.
As esquerdas sofrem nessas horas e se açoitam publicamente. Porque acabam reproduzindo as falas de Mourão, Kataguiri, Nikolas Ferreira. E porque estarão ao lado de Luiz Almagro, o secretário da OEA (Organização dos Estados Americanos) que acionou o golpe na Bolívia contra Evo Morales em 2019.
Os Estados Unidos estão convocando Almagro para que produza relatórios sobre a eleição venezuelana, como ele fez em 2019 ao insinuar fraude na reeleição de Evo. É com essa gente que parte das esquerdas faz jogral hoje, mesmo que cantando num tom mais baixo.
Como consolo, vale repetir uma tentativa de resumo do que pregava Ruy Fausto, o filósofo das inquietações éticas. As esquerdas somente terão algum sentido se não pensarem, não agirem e não reproduzirem o que condenam na direita.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).
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