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Após morte de aluno, Colégio Bandeirantes quer rever parceria que oferece bolsas a adolescentes de baixa renda

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A mensalidade do Colégio Bandeirantes custa, em média, R$ 6.000. Estudante que morreu passou no rigoroso processo seletivo feito em seis etapas, que inclui duas provas e entrevista. Apaixonado por estudar, o adolescente logo ficou encantado com a escola de elite

Adriana Negreiros, TAB

O recente suicídio de um aluno bolsista do colégio Bandeirantes, em São Paulo, levou a cúpula da escola a se incomodar com a parceria com a ONG Ismart (Instituto Social para Motivar, Apoiar e Reconhecer Talentos).

É o instituto que faz a ponte entre adolescentes de baixa renda e colégios particulares de excelência, concedendo bolsas de estudo por meio de um processo de seleção.

SAIBA MAIS: As últimas horas do estudante pobre que perdeu a vida por estudar em escola de elite

O Bandeirantes é o principal parceiro do Ismart na capital paulista: recebe 110 dos 360 bolsistas. Outras nove escolas participam do projeto. A mensalidade do Bandeirantes custa, em média, R$ 6.000.

Estudante que morreu passou no rigoroso processo seletivo feito em seis etapas, que inclui duas provas e entrevista. Apaixonado por estudar, o adolescente logo ficou encantado com a escola de elite e seu material pedagógico de alto nível, sem saber que teria de enfrentar um ambiente tão cruel e preconceituoso.

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“Temos origem humilde e a minha mãe sabe que apenas com uma educação podemos ascender. Quando o meu irmão foi aprovado, ele me ligou chorando de alegria. Ficamos orgulhosos e achando que o futuro dele estava garantido”, desabafa o primogênito.

Estela Zanini, diretora de convivência do Bandeirantes, disse que é preciso “rever algumas coisas dessa parceria”.

Há uma divergência sobre a rotina presencial dos analistas da ONG no colégio, entre outros pontos. Analistas são os profissionais que atendem aos bolsistas.

A cúpula do Bandeirantes reclama da carga horária desses analistas. A direção gostaria que os parceiros estivessem no colégio no horário das aulas.

A ONG discorda e vê como inviável o modelo considerado ideal pelo Bandeirantes.

Mariana Monteiro, CEO do Ismart, ressalta que é preciso aprimorar o processo de inclusão dos bolsistas, sem encerrar as parcerias que, segundo ela, transformam para melhor a vida de jovens e suas famílias.

Reunião de emergência

A divergência sobre o atendimento aos bolsistas e suas respectivas demandas foi exposta em outros episódios após a tragédia.

Um deles foi protagonizado por Mauro Salles Aguiar, diretor da escola entre 1996 e 2023, hoje assessor do núcleo de estratégia e inovação do Bandeirantes.

Aguiar é casado com Estela Zanini.

Na sessão de 14 de agosto do Conselho Estadual de Educação, dois dias após a morte do estudante, Aguiar criticou “o nível de agressividade realmente grande e espantoso” dos bolsistas no dia anterior, durante uma reunião no Bandeirantes para tratar do suicídio do estudante de 14 anos.

“Esse menino que abreviou a vida era aluno do Bandeirantes, mas fruto da nossa parceria com o Ismart”, ressaltou Aguiar, na ocasião.

“Foi chocante a reação desses alunos”, continuou. Ele relatou que os bolsistas cobraram atendimento psicológico para todos.

“Escola não é clínica de psicologia”, disse. Transmitida pelo YouTube, a reunião do Conselho foi realizada na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.

Aguiar ainda associou a reação dos jovens a “essa sociedade dos direitos”. “Tudo é direito, direito”, criticou. “Ele pode ter sido infeliz nas palavras”, afirmou Estela Zanini, “mas não é papel da escola fazer atendimento psicológico, e sim identificar casos, acolher e encaminhar”.

‘Muito choro’

Mariana Rego Monteiro, CEO do Ismart, participou da reunião citada por Aguiar. “Era um momento de dor”, observou, sobre a alegada agressividade dos estudantes.

Ela disse que, sob o impacto da morte do colega, os adolescentes extravasaram sentimentos que estavam guardados.

Uma bolsista do Bandeirantes que estava presente na reunião que o encontro foi “civilizado”, mas com “muito choro, porque todo mundo estava triste”.

Ela afirmou, no entanto, que houve um momento de tensão, quando estudantes exigiram da direção um posicionamento e maior atenção à saúde mental dos bolsistas.

Durante as quase três horas do encontro, contou a aluna, os bolsistas “estavam mais preocupados em obter um posicionamento do colégio”.

Bola no Paineiras

Empresários do ramo também têm discutido a integração de bolsistas em colégios particulares cujos estudantes são de famílias ricas.

Mantenedor da Faculdade Eduvale de Avaré (SP), Cláudio Mansur Salomão disse, na mesma sessão do Conselho, que as bolsas oferecem um “impacto negativo na vida social” dos estudantes de baixa renda. “Isso não é considerado.”

“Ele [bolsista] está numa escola como o Bandeirantes, mas não pode ir numa festinha de filhinho de papai, porque não tem roupa para ir. (…) Com o intuito de ajudar, estamos causando um mal social que não conseguimos medir”, disse Salomão, durante a reunião do Conselho.

“[O bolsista] não pode jogar bola à tarde no clube Paineiras”, afirmou, em referência ao clube de elite localizado no bairro Morumbi, em São Paulo. “Ele acaba se sentindo injustiçado, humilhado. Vira motivo de bullying, de gozação.”

Procurado, Salomão confirmou o ponto de vista. Disse que acha “bonita essa promoção de acesso aos menos favorecidos”, mas considera que “representa um malefício na educação básica”.

Na universidade, afirma, o bolsista tem maturidade para enfrentar a “disparidade social”.

O caso recente no Bandeirantes não foi o único envolvendo alunos do Ismart. Em 2019, um estudante do ensino médio também se matou, em São Paulo.

Aluno em crise antes do suicídio

A praxe no Bandeirantes é acionar o Ismart para mediar situações envolvendo bolsistas.

No caso dos alunos pagantes ou que têm bolsa por serem filhos de funcionários, o contato é direto com os responsáveis.

A escola procura os pais quando há dificuldades no contato com a ONG. Foi o que aconteceu três dias antes do suicídio do jovem de 14 anos.

Em 9 de agosto, um outro aluno do 9º ano, também bolsista do Ismart, teve uma crise de ansiedade e foi encaminhado para o ambulatório do colégio.

A analista do Ismart não estava na escola e não atendeu o celular quando foi contatada pelo colégio.

“A gente ligou para a analista, não atendeu. Ligamos para os pais, não atenderam. Acabamos ligando para a CEO do Ismart. Aí a analista devolveu a ligação. Eram mais de 7 horas da noite”, disse a diretora Zanini.

Há quatro analistas do Ismart designadas para atender os alunos do Bandeirantes — uma para 8º e 9º anos e as outras para as três séries do ensino médio.

De acordo com o colégio, a analista responsável pelos alunos do 8º e 9º fica no local três vezes por semana — as demais, “uma ou duas vezes”.

Segundo Zanini, o instituto precisa “estar mais próximo” e “repensar o cronograma de cada analista”.

“Elas têm que estar aqui na escola”, disse. A diretora afirmou que o episódio do aluno bolsista com crise de ansiedade foi “muito difícil” para a direção do colégio.

“Se a escola vai até às 18h30, não dá pra sair às 17h e achar que é OK”, afirma Zanini.

‘Babá’ de bolsista

Mariana Monteiro afirma que os analistas atuam em várias escolas — e que a ideia de que eles devam estar sempre presentes “assusta um pouquinho”.

“Seria a gente dizer que o bolsista tem que ter uma babá disponível 100% do tempo para ele”, disse a CEO da Ismart.

No episódio da crise de ansiedade envolvendo o aluno do Bandeirantes, Monteiro afirma que “a escola foi super-responsável” ao acionar a ONG por perceber que o jovem não “estava em condições de ir para casa sozinho”.

Ela afirma que, uma vez acionado, o Ismart agiu de prontidão. Segundo Monteiro, foi o Ismart que fez contato com a mãe do estudante para que fosse encontrá-lo no ambulatório.

Ponte entre pais e escola

O Ismart também intermediou a relação entre a escola e a família no episódio do suicídio do estudante, em 12 de agosto.

Após ser informada pelo Bandeirantes de que ele havia deixado um áudio de despedida, a ONG entrou em contato com a mãe do jovem.

Segundo Mariana Monteiro, o Ismart faz a ponte entre pais e coordenação em todas as escolas.

Ela afirma que em nenhum caso o tratamento faz com que os bolsistas se sintam diferentes em relação aos demais.

“Essa ponte é muito mais porque a gente tem contato frequente com os pais e trabalha com o jovem no dia a dia”, explica.

Dinâmicas fora do colégio

Estela Zanini também diz que a intermediação entre a ONG e a escola é “importante” porque o Ismart “conhece bem as famílias” dos bolsistas.

Segundo Carolina Aragão, orientadora educacional das turmas de 9º ano, esse conhecimento vem do processo de seleção e das atividades feitas entre os estudantes, como rodas de encontros “só deles mesmos, no fim de semana, em dinâmicas extra-Bandeirantes”.

“Eles [profissionais do Ismart] têm informações mais amplas, um contexto da família a que, às vezes, não temos acesso”, diz Aragão.

Zanini afirma que, se um pai ou mãe procura a escola pedindo reunião, “a primeira coisa” que a coordenação vai fazer é falar com o analista do Ismart para saber se há “informações de que precisamos saber”.

“Isso não quer dizer que a gente não esteja aberta a receber diretamente”, completa.

Se o analista considerar que a presença dele na reunião com o responsável é desnecessária, afirma Zanini, a reunião é feita sem a intermediação da ONG.

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